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A12 SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Levante. Milhares de manifestantes se reúnem diante de delegacia em chamas em Minneapolis: ação da polícia é questionada em várias partes dos EUA
MINNEAPOLIS, EUA
Os protestos contra a violên-
cia policial, que vêm transfor-
mando Minneapolis em pra-
ça de guerra, se espalharam
ontem por pelo menos dez ci-
dades americanas. Os tumul-
tos começaram na segunda-
feira, após a divulgação de
um vídeo que mostra o poli-
cial Derek Chauvin, que é
branco, com o joelho no pes-
coço de George Floyd, negro
- que morreu em seguida,
após dar entrada no hospital.
Ontem, Chauvin foi preso e
acusado de homicídio culposo,
que pode levar a uma pena de
até 25 anos de prisão. No vídeo
de 10 minutos, gravado por
uma testemunha, ele passa pelo
menos sete com o joelho no pes-
coço de Floyd, mesmo após ele
dizer que não conseguia respi-
rar. O policial, de 44 anos, foi
demitido no dia seguinte – jun-
tamente como outros três cole-
gas que participaram da ação.
De acordo com a polícia, os
quatro foram designados para
atender a um chamado em uma
loja de conveniência às 20 horas
(horário local) de segunda-fei-
ra. Floyd teria tentado usar um
nota de US$ 20 falsa e resistido
à prisão – todas as imagens di-
vulgadas até agora, porém, des-
mentem a versão dos policiais.
Os protestos começaram qua-
se imediatamente – a testemu-
nha que gravou a abordagem
transmitiu a ação ao vivo pelo
Facebook. Nas duas primeiras
noites, os manifestantes incen-
diaram prédios públicos e sa-
quearam lojas. Na madrugada
de ontem, colocaram fogo em
uma delegacia de Minneapolis.
Manifestações contra a vio-
lência policial foram registra-
das também em outras cidades
americanas. Em Nova York, a
polícia prendeu 70 pessoas na
Union Square. Em Louisville, ci-
dade mais populosa de Ken-
tucky, sete pessoas foram balea-
das em um protesto que incluía
a morte de Breonna Taylor,
uma negra assassinada pela polí-
cia em março.
A polícia de Denver registrou
sete disparos durante uma ma-
nifestação na cidade, mas nin-
guém ficou ferido. Em Colum-
bus, a multidão invadiu e depre-
dou o Congresso do Estado de
Ohio. Manifestações também
foram registradas em Washing-
ton, Memphis, Los Angeles, Al-
buquerque, Portland e Saint
Paul – vizinha a Minneapolis.
Em meio ao clima de desor-
dem social, o presidente dos
EUA, Donald Trump, insultou
os manifestantes, chamando-
os de “bandidos”, e incentivou
o uso da força para conter os pro-
testos. No Twitter, ele postou
uma frase usada nos anos 60
por Walter Headley, chefe de po-
lícia de Miami. “Quando saques
começarem, os tiros come-
çam”, escreveu o presidente.
Imediatamente, o Twitter
marcou o post de Trump com
um alerta, alegando que a men-
sagem enaltecia a violência. “Es-
te tuíte violou as regras do Twit-
ter por glorificar a violência. No
entanto, o Twitter determinou
que pode ser do interesse do pú-
blico que o tuíte permaneça
acessível”, justificou a empresa.
Trump e o Twitter iniciaram
então um novo capítulo da dis-
puta que marcou a semana, que
havia começado com a empresa
marcando dois posts do presi-
dente com um alerta para que os
usuários checassem a veracida-
de da mensagem de Trump. Fu-
rioso, o presidente assinou uma
ordem executiva, na quinta-fei-
ra, que muda as regras de prote-
ção às redes sociais, que evitam
que empresas de tecnologia – co-
mo Twitter, Facebook e Google
- sejam processadas por mode-
rarem publicações de usuários.
Enquanto o presidente dispa-
rava para todos os lados, os de-
mocratas tentaram marcar posi-
ção com um tom mais modera-
do. O ex-presidente Barack Oba-
ma afirmou que casos como o
de Floyd não deveriam ser “nor-
mais” nos EUA em 2020”. “Se
quisermos que os nossos filhos
cresçam num país à altura dos
seus maiores ideais, podemos e
devemos fazer melhor”, escre-
veu o ex-presidente em uma car-
ta publicada no Twitter.
Biden, que foi vice de Obama
e será o candidato democrata
na eleição presidencial de no-
vembro, acusou Trump de inci-
tar a violência. “Não é o momen-
to para tuítes incendiários. Não
é hora de incitar à violência”,
disse. “É hora de uma verdadei-
ra liderança.”
Prisão. Ontem, quando a polí-
cia dispersava os manifestantes
em Minneapolis, uma equipe
de jornalistas da CNN foi deti-
da durante a cobertura. O repór-
ter Omar Jimenez, que é negro,
um produtor e um cinegrafista
foram libertados uma hora de-
pois com um pedido de descul-
pas do governador de Minneso-
ta, Tim Walz. / NYT e W.POST
Protestos contra violência policial se
espalham pelos EUA; agressor é preso
NICHOLAS PFOSI/REUTERS
Internacional
lO governo da China respondeu
ontem aos ataques verbais do
presidente Donald Trump com
mais ameaças, não só contra
Hong Kong, mas também contra
Taiwan – ilha que vive em um
limbo jurídico e é considerada
pelos chineses como uma “pro-
víncia rebelde”. “Os EUA deve-
riam pensar melhor e parar de
interferir nos assuntos de Hong
Kong”, disse o porta-voz da chan-
celaria chinesa, Zhao Lijian.
A resposta de Pequim, no en-
tanto, foi além. O governo chinês
ameaçou realizar ações militares
para “esmagar” qualquer movi-
mento de independência em
Taiwan. “Se não houver mais pos-
sibilidade de reunificação pacífi-
ca, o Exército dará todos os pas-
sos necessários para esmagar
qualquer ação separatista em
Taiwan”, disse Li Zuocheng, che-
fe do Estado-Maior da Comissão
Militar da China. / REUTERS
l Louisville
Sete pessoas foram baleadas em
um protesto pelo assassinato de
Breonna Taylor, negra morta a
tiros por policiais brancos em
março.
l Memphis
Pelo menos 100 pessoas se
reuniram na porta da delegacia
central – cinco foram presas.
l Nova York
Centenas se juntaram na Union
Square. Alguns jogaram cones de
trânsito e cuspiram nos policiais,
que revidaram com bombas.
l Los Angeles
Nove pessoas foram presas após
jogar pedras contra lojas e poli-
ciais, que atiraram bombas de gás.
l Portland
Oitenta pessoas protestaram
com barricadas em chamas na
porta de uma delegacia.
WASHINGTON
O presidente Donald Trump
anunciou ontem o “fim das rela-
ções” entre os EUA e a Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS).
Em rápido pronunciamento na
Casa Branca, além de atacar a or-
ganização, ele criticou o gover-
no chinês e prometeu acabar
com o status especial de Hong
Kong.
“A China tem controle total
da OMS, apesar de pagar por
ano só US$ 40 milhões, enquan-
to nós pagamos US$ 450 mi-
lhões. Nós detalhamos as refor-
mas que eles precisavam fazer,
mas eles se recusaram”, disse
Trump. “Por isso, hoje nós esta-
mos encerrando nossa relação
com a OMS e redirecionando os
fundos.”
Trump também acusou o go-
verno chinês de ser o principal
responsável pela pandemia e vol-
tou a se referir à covid-19 como o
“vírus de Wuhan”, cidade da Chi-
na onde foi registrado o primei-
ro caso, uma expressão conside-
rada racista pelo governo de Pe-
quim. “O governo chinês violou
promessas, os fatos não podem
ser negados. O mundo está so-
frendo o impacto das ações da
China, do ‘vírus de Wuhan’, que
levou cerca de 100 mil vidas ame-
ricanas.”
O presidente americano tam-
bém garantiu que os EUA revisa-
rão os acordos assinados com
Hong Kong, território que, se-
gundo Trump, “não mais é sufi-
cientemente autônomo” – uma
referência à lei de segurança na-
cional, aprovada na quinta-feira
pelo Congresso chinês, que au-
menta o controle de Pequim so-
bre a cidade.
“A revisão vai afetar todos os
acordos, desde o nosso tratado
de extradição até controles de
exportação de tecnologia”, dis-
se. “A China substituiu a política
de ‘um país, dois sistemas’ pelo
‘um país, um sistema’.”
Na terça-feira, a Câmara de
Comércio dos EUA, maior asso-
ciação empresarial do país, dis-
se que retirar o status especial
de Hong Kong seria “um erro”
que prejudicaria não apenas a
população do território, mas
também os interesses america-
nos – mais de 1,3 mil empresas
dos EUA operam em Hong
Kong e são responsáveis por cer-
ca de 100 mil empregos.
Trump ignorou o alerta e ain-
da anunciou ontem o veto à en-
trada de chineses acusados de
serem “riscos à segurança” e de
“erodirem a autonomia de
Hong Kong”. Os alvos poderiam
ser alguns dos milhares de jo-
vens chineses que estudam nos
EUA ou funcionários do gover-
no chinês, que seriam impedi-
dos de entrar nos EUA e teriam
seus bens bloqueados. / NYT e WP
lRetaliação
Pequim responde
com mais ameaças
REVOLTA NACIONAL
Trump retira EUA da OMS e
volta a atacar governo da China
PARA LEMBRAR
O ex-policial
Walter Headley
1,3 mil
empresas dos EUA operam em
Hong Kong e são responsáveis
por 100 mil empregos
360 mil
jovens chineses estudam nos
EUA e podem ter o visto anulado
DARNELLA FRAZIER/FACEBOOK/AFP
Vídeo. Chauvin pressionou
Floyd por 7 minutos
Levante social. Policial branco que matou um negro na segunda-feira é acusado de homicídio; Donald Trump chama manifestantes
de ‘bandidos’ e defende o uso da força para acabar com os atos públicos, que ontem atingiram pelo menos dez cidades americanas
JONATHAN ERNST/REUTERS
Presidente diz que
Pequim controla OMS,
apesar de contribuir com
um décimo do dinheiro
enviado pelos EUA
‘Vírus chinês’. Trump atribui culpa da pandemia à China
Em 1967, quando assaltos,
furtos e homicídios toma-
vam conta dos bairros ne-
gros de Miami, Walter Head-
ley, chefe de polícia da cida-
de, convocou a imprensa
para declarar “guerra” ao
crime. “Deixei claro que,
quando os saques começa-
rem, os tiros começam.”
Headley comandou a polí-
cia de Miami por 20 anos.
Na época, apenas brancos,
como ele, eram chamados
de “policiais” – os negros
eram conhecidos como “pa-
trulheiros”. Um exemplo da
truculência foi dado no ano
seguinte. Em 1968, três dias
de protestos durante a con-
venção do Partido Republi-
cano, em agosto, deixaram 3
mortos e 18 feridos.