O Estado de São Paulo (2020-05-30)

(Antfer) #1

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A16 Metrópole SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FERNANDO


REINACH


O


governo de São Paulo anun-


ciou um programa de relaxa-


mento das medidas de dis-


tanciamento social. A quarentena fi-


cou insuportável porque foi longa


demais, mas não foi rígida o suficien-


te para controlar a pandemia. O re-


sultado é que nos encontramos no


pior dos mundos: incapazes de con-


trolar o espalhamento do vírus e


sem condições para implantar o


lockdown, que seria a medida corre-


ta. E assim nasceu um plano de rela-


xamento arriscado para não dizer ir-


responsável. E o pior, teve suporte


de médicos e epidemiologistas que


deveriam saber melhor. A pande-


mia vai aumentar de intensidade


com essas medidas, só não sabemos


quanto. Torço para que o plano dê


certo, mas temo que estejamos colo-


cando em risco grande número de


vidas. De qualquer modo, vale a pe-


na entender por que o plano é tão


arriscado.


Todos os dias somos bombardea-


dos com uma enxurrada de números


sobre a pandemia: quantos novos ca-


sos foram registrados no dia, quanta


mortes ocorreram no dia, qual fração


dos leitos de UTI está ocupada naque-


le dia e isso para cada cidade, cada Esta-


do e cada país. Essa avalanche de da-


dos cria a sensação de que sabemos o


que está acontecendo com a pandemia


naquele dia, mas a impressão é total-


mente falsa. Todos esses dados refle-


tem o que aconteceu 3 ou 4 semanas


atrás. Durante o espalhamento do ví-


rus um grande número de pessoas po-


de ser infectado em poucos dias. Des-


ses, quase 90% passam despercebidos


pois não apresentam muitos sintomas


e continuam a espalhar o vírus. Sema-


nas depois uma fração pequena dessas


pessoas tem o caso agravado e procura


o sistema de saúde. A recomendação é


que voltem para casa e retornem caso


os sintomas se agravem. Dias depois


uma fração dessas pessoas volta com


sintomas graves e é internada. Somen-


te esses casos são testados e, dois ou


três dias depois, eles aparecem nas es-


tatísticas. Isso ocorre aproximada-


mente duas semanas após a infecção.


Parte dessas pessoas morre uma ou


duas semanas depois de internada, e


então aparece nas estatísticas de mor-


tos. Ou seja, os casos e mortes anuncia-


dos hoje são de pessoas que se infecta-


ram faz quase um mês. Com os dados


de hoje estamos totalmente no escuro


sobre o que está acontecendo no pre-


sente. Imagine que hoje o vírus tenha


chegado com força total em uma comu-


nidade qualquer, ele vai se espalhar


sem que seja percebido por algumas


semanas até atingir o sistema de saú-


de. É por isso que na Itália, na Espanha,


na Inglaterra e em Manaus a situação


passou da calmaria total a um caos ini-


maginável em duas ou três semanas.


Para abrir a economia é preciso ter al-


guma visibilidade sobre o que está


acontecendo no presente. É possível


que hoje o vírus esteja se espalhando


em um município ainda sem casos ou


mortes e que está abrindo sua econo-


mia sob orientação do novo plano, mas


só saberemos disso daqui a três ou qua-


tro semanas. Essa é a realidade, e todos


os países que já estão abrindo suas eco-


nomias incorporaram esse fato nas


suas políticas.


Os modelos epidemiológicos tam-


pouco resolvem esse problema. Eles se


baseiam nos dados que temos sobre o


passado obtidos no presente (novos


casos e novas mortes) e são capazes de


prever o que vai acontecer no futuro


próximo caso nada tenha mudado nas


últimas três semanas. Mas mesmo os


melhores, como os do Imperial Colle-


ge de Londres, não são capazes de nos


dizer se o vírus está se espalhando hoje


em uma grande favela e vai sobrecarre-


gar o sistema da região nas próximas


semanas. Me mostrem um modelo que


aponte qual cidade em São Paulo será a


nova Manaus com três semanas de an-


tecedência e eu, com o maior prazer,


mudo de ideia.


Essa janela de tempo em que o vírus


se espalha incógnito precisa deixar de


existir se o governo deseja controlar


surtos localizados ou pequenas epide-


mias antes que elas se tornem imensos


incêndios. E a única maneira conheci-


da de obter essa informação é um pro-


grama de teste semelhante ao implan-


tado na China e na Europa.


O fato é que nenhum país utiliza so-


mente dados de casos hospitalizados,


mortes registradas e modelos epide-


miológicos para guiar a abertura da


economia. Todos implementaram um


programa robusto de testes capaz de


informar o governo sobre como o vírus


está se espalhando em tempo real.


Aí esses dados, juntamente com os


dados de novas mortes, novos casos


e ocupação hospitalar são usados pa-


ra detectar novos focos e estancá-


los. É assim que está sendo feito em


todo o mundo. Nosso plano de aber-


tura é arriscado e seus resultados


são imprevisíveis exatamente por-


que ele não dispõe desse tipo de in-


formação.


Nos últimos meses o governo foi


muito eficiente em aumentar os lei-


tos de UTI e respiradores, mas des-


prezou totalmente a organização de


um sistema de teste que permitisse


uma abertura segura da economia.


Nosso plano é o único que não é ca-


paz de detectar novos surtos antes


de eles lotarem os hospitais. Mas is-


so não que dizer que não vai funcio-


nar. Afinal, Deus é brasileiro e as ja-


buticabas só crescem por aqui. Mas


que estamos brincando com fogo,


isso estamos. O vírus já mostrou o


estrago que pode fazer em países de-


senvolvidos, agora vamos descobrir


sua força em um país mal organiza-


do em meio a uma crise política. O


vírus acabou de desembarcar no Bra-


sil e o relaxamento em São Paulo


marca o fim do primeiro capítulo de


sua história no Brasil.


]


É BIÓLOGO

Felipe Resk


A fala do prefeito Bruno Covas


(PSDB) de que estabelecimen-


tos comerciais não devem retor-


nar à atividade exatamente no


dia 1.º de junho pegou de surpre-


sa representantes de comércios


e serviços na cidade de São Pau-


lo. Para entidades de classe, a


exigência da Prefeitura para


que cada setor apresente um


protocolo de segurança contra


o coronavírus – que ainda preci-


sará passar por análise e aprova-


ção antes de as lojas voltarem a


funcionar – vai “burocratizar” o


processo e consequentemente


atrasar a retomada econômica.


“Recebemos um sinal troca-


do. Em um dia, o governador fa-


la que a vida recomeçaria na se-


gunda, mesmo com algumas


restrições. No dia seguinte, o


prefeito fala outra coisa”, afir-


ma Francisco de la Tôrre, vice-


presidente da Federação do Co-


mércio de Bens, Serviços e Tu-


rismo do Estado de São Paulo


(Fecomercio-SP).


“Já existiam protocolos de


serviços essenciais que conti-


nuaram funcionando, como far-


mácias e supermercados. Por


que apresentar uma nova solu-


ção?”, indaga. Segundo afirma,


a Fecomercio-SP quer que a ges-


tão municipal aceite uma pro-


posta única para todo setor va-


rejista e consiga fazer a análise


já na segunda-feira. “Há cente-


nas de entidades representati-


vas dos setores. Se cada uma


apresentar um protocolo, a Pre-


feitura não tem estrutura para


analisar tudo.”


Presidente da Associação Co-


mercial de São Paulo, Alfredo


Cotait também demonstra


preocupação com a possibilida-


de de a gestão Covas demorar


para avaliar as propostas e diz


ter notícia de “grande quantida-


de” de empresas que “não sobre-


viveram ao período da pande-


mia”, mas ainda sem estimativa


do número. “Agora, também


preocupa quantas vão conse-


guir sobreviver à retomada, por-


que não é instantâneo.”


Shopping. “A gente sabe que a


burocracia no Brasil é muito len-


ta, então possivelmente pode-


mos ter demora para reabrir. É


uma pena, porque o setor já está


extremamente afetado com 70


dias de fechamento”, afirma Na-


bil Sahyoun, presidente da Asso-


ciação Brasileira de Lojistas de


Shoppings (Alshop). Com a exi-


gência da Prefeitura, ele projeta


que comércios em shopping só


voltem a funcionar mesmo a


partir da próxima semana.


Shoppings e comércios de rua


na fase 2, laranja (como é o caso


da capital), só poderão operar


com 20% da capacidade e com


horário de funcionamento de


quatro horas por dia. Para Sa-


hyoun, contudo, a regra estabe-


lecida deixa o empresário em


dúvida se realmente vale a pena


retomar a atividade. “Há uma


série de custos, desde aluguel


do espaço, conta de energia,


transporte e alimentação dos


colaboradores. Muitos empre-


sários estão analisando e dizen-


do que não vai compensar.”


Segundo afirma, o setor vai


tentar renegociar a medida. “Se


não houver essa elasticidade no


horário, aí é natural que acabe


gerando algum tipo de conges-


tionamento.” Em nota, a Asso-


ciação Brasileira de Shopping


Centers (Abrasce) diz que “os


estabelecimentos de São Paulo


estão preparados para voltar a


funcionar a partir do dia 1.º de


junho, nas regiões liberadas”.


Segundo a entidade, já teria si-


do criado um protocolo de reco-


mendações, com consultoria


do Hospital Sírio-Libanês, para


orientar a reabertura.


Sem perspectiva de reabertu-


ra na capital, a Associação Brasi-


leira de Bares e Restaurantes de


São Paulo (Abrasel-SP) mani-


festou inconformismo” e pe-


diu revisão do cronograma – os


bares ficaram para a fase 3 de


flexibilização. “Não entende-


mos por que fomos excluídos se


também nos comprometemos


a seguir o protocolo de seguran-


ça”, disse o presidente da Abra-


sel, Percival Maricato.


Bruno Ribeiro


Mariana Hallal


Paloma Cotes


Shoppings centers e o comér-


cio de rua nas cidades paulis-


tas autorizadas a retomar ati-


vidades econômicas terão de


respeitar uma série de restri-


ções, de fluxo e horário de fun-


cionamento, para reabrir. Os


detalhes sobre os critérios pa-


ra a reabertura do comércio


foram divulgados ontem pela


gestão João Doria (PSDB).


A secretária de Desenvolvi-


mento Econômico, Patrícia El-


len, informou que shoppings e


o comércio nas cidades da fase 2


de flexibilização (como é o caso


da capital paulista), só poderão


operar com 20% da capacidade


e com horário de funcionamen-


to de quatro horas por dia.


No caso dos shoppings, as pra-


ças de alimentação devem ficar


fechadas. “Os prefeitos vão pac-


tuar os detalhes disso, com sua


autonomia, como qual será o ho-


rário e qual a janela”, disse Patri-


cia. Nas cidades que estão na fa-


se 3, amarela, o horário será de


seis horas de funcionamento e a


capacidade, de 40%.


“Ainda estamos em um mo-


mento de tomar muito cuida-


do, sair somente se for estrita-


mente necessário”, disse a se-


cretária. “Não estamos saindo a


passeio. Temos de ter muita res-


ponsabilidade neste momento


para que os resultados sejam al-


cançados.”


O Estado tem cinco fases de


quarentena (vermelha, laranja,


amarela, verde e azul), sendo a


primeira a restrição total e a últi-


ma a liberação. Há uma série de


protocolos em cada etapa (mais


informações nesta pág.).


Na fase 3, de maior flexibiliza-


ção, também fica permitida a


abertura de bares e restauran-


tes, que só poderão funcionar


ao ar livre e com capacidade de


40%. Algumas cidades do inte-


rior, como Araraquara, foram


classificadas nesse estágio.


Em outros Estados que já ex-


perimentaram a flexibilização


do isolamento social, o comér-


cio varejista ainda demora a re-


cuperar o fôlego e houve queda


nas vendas em relação ao perío-


do pré-pandemia. O medo de in-


fecções e a redução da renda da


população podem ter contribuí-


do para esse cenário. Nessas re-


giões, lojas de shopping estão


vendendo até 70% menos em re-


lação ao período anterior à qua-


rentena. No comércio de rua, a


queda foi de até 40%.


Protocolos. Na capital, o pre-


feito Bruno Covas (PSDB)


anunciou que a cidade ainda vai


assinar os protocolos de reaber-


tura, com as associações repre-


sentantes dos setores que pode-


rão voltar a funcionar, antes de


reabrir. A partir de segunda-fei-


ra, a fiscalização do comércio se-


rá reforçada. Lojas e shoppings


só poderão abrir após assinar os


protocolos de higiene.


“Não vamos dar prazo, para


não ficar refém desse prazo. As-


sim que a Vigilância Sanitária


permitir, reabre”, disse Covas.


“Apesar da autorização dada pe-


lo governo do Estado, no dia 1.º


começa a análise dos protoco-


los. E vamos com fiscalização


mais intensificada para a rua na


segunda”, disse Covas, quando


questionado sobre comércios


que podem eventualmente rea-


brir antes da autorização.


E-MAIL: [email protected]

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lPrejuízo


lSem passeio


Plano de flexibilização prevê restrições para os estabelecimento no Estado; centros de compra terão de operar com 20% da capacidade


Após alta de contágio, BH freia reabertura. Pág. A18 }


R$ 44 bilhões


é a estimativa de prejuízo da


Fecomércio-SP nos meses de


março, abril e maio. Em relação


ao fechamento do ano, a previsão


é de queda de 11% no faturamen-


to em relação a 2019, com baixa


de R$ 83,4 bilhões.


Associação de lojistas


de shoppings teme que


horário restrito de


funcionamento torne


inviável a reabertura


Comércio fala em


burocracia na capital e


atraso para retomada


PARA ENTENDER


Lojas não


voltam na 2ª


O plano de retomada gra-


dual das atividades econômi-


cas, anunciado pelo governo


de São Paulo, divide o Esta-


do em 18 regiões, que foram


enquadradas em fases de


retomada que vão de 1 (ver-


melha, alerta máximo) a 5


(azul, normal controlado).


Nenhuma está na fase 5.


São Paulo está na fase 2


(laranja), que permite a rea-


bertura econômica, mas


com restrições, de shopping


centers, lojas de rua, ativida-


des imobiliárias, concessio-


nárias e escritórios. Apesar


de ter a reabertura de alguns


setores permitida pelo go-


verno estadual, o comércio


na capital não deve abrir já


na próxima segunda-feira.


Isso porque os protocolos


de reabertura, com as medi-


das de higiene exigidas, ain-


da estão sendo pactuados


entre os setores do comér-


cio e a gestão Bruno Covas


(PSDB). Na próxima quinta-


feira, Covas deve apresentar


o andamento do processo


de retomada na cidade.


O plano estadual prevê


ainda que as cidades avan-


cem para fases menos restri-


tas, mas, caso indicadores de


saúde piorem, os municípios


poderão voltar a etapas de


maior controle.


Um plano arriscado


O relaxamento em SP marca o


fim do primeiro capítulo da


história do vírus no Brasil


TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Shoppings só poderão abrir por 4 horas


“Ainda estamos em um


momento de tomar muito


cuidado, sair somente


se for estritamente


necessário. Não estamos


saindo a passeio.


Temos de ter muita


responsabilidade neste


momento para que os


resultados sejam


alcançados.”


Patrícia Ellen


SECRETÁRIA DE DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO

Negociação. Na cidade de São Paulo, lojas de rua e shoppings só poderão abrir após assinar os protocolos de higiene

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