O Estado de São Paulo (2020-05-30)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






O cientista francês Didier


Raoult, defensor da cloroqui-


na, se tornou durante a crise


de saúde um herói “antissiste-


ma”, com a promoção de um


tratamento barato contra os in-


teresses da indústria farmacêu-


tica, além de suas críticas à im-


prensa e à “elite de Paris”.


Em um contexto como o da


crise da covid-19, “as vozes que


se elevam para dizer que têm


ou pretendem ter uma solução


atraem a atenção e depois uma


magnanimidade espontânea,


como a provocada por um sal-


vador”, afirma o cientista po-


lítico Jérôme Fourquet.


http://www.estadao.com.br/e/didierraoult

P


or motivos diferentes,


Pequim e Washington


responderam tardia-


mente à covid-19. No caso da


China, a causa da demora resi-


de no controle político cen-


tral inerente ao regime, que


inibe a transmissão de infor-


mações negativas de baixo pa-


ra cima – no caso, da cidade


de Wuhan, onde o flagelo co-


meçou, para a capital. Mas o


controle central explica tam-


bém a eficácia com que as au-


toridades reagiram para con-


ter a propagação do vírus, de-


pois de se darem conta de


que estavam diante de uma


epidemia, como escreveu


Miyamoto Yuji, ex-embaixa-


dor do Japão na China, em


elucidativo artigo publicado


no final de março.


As informações sobre a viru-


lência da covid-19 e sua chega-


da aos EUA eram conhecidas


desde janeiro no governo ame-


ricano. Mas foram suprimi-


das, segundo denúncia feita


no início do mês pelo médico


infectologista Rick Bright,


afastado do cargo de diretor


da Divisão Biomédica e de Pes-


quisa e Desenvolvimento do


Ministério de Saúde, por con-


testar o uso do remédio anti-


malária cloroquina, receitado


publicamente pelo presidente


Donald Trump. “Fui pressio-


nado a permitir que a política


e o clientelismo orientassem


decisões, em detrimento das


opiniões dos melhores cientis-


tas que temos no governo”,


afirmou Bright, depois de


apresentar queixa formal con-


tra a punição que sofreu.


Tendo falhado na resposta


à pandemia, que já matou


mais de 75 mil americanos, ou


um terço do total de vítimas


do vírus, Trump agora joga a


culpa na China. E encontrou


respaldo no chanceler do go-


verno Bolsonaro, o mesmo


que já atribuiu à China a res-


ponsabilidade pela crise glo-


bal da mudança climática.


É essencial ter a China em


mente na discussão sobre o


covid-19, mas por outro moti-


vo. A pandemia acelerou o


curso da História e, na certa,


encurtará a transição geopo-


lítica do poder mundial para


um novo equilíbrio em que au-


mentará o peso relativo da


China e diminuirá o dos Esta-


dos Unidos.


O Brasil só tem a perder es-


colhendo um lado na disputa


entre duas potências dominan-


tes, ambas parceiras estratégi-


cas do País. A tarefa que a rea-


lidade impõe às lideranças bra-


sileiras é identificar o interes-


se nacional em cada campo do


nosso relacionamento bilate-


ral e multilateral com a China


e os EUA e persegui-lo, guia-


das por dois propósitos. O pri-


meiro é evitar os efeitos cola-


terais adversos da confronta-


ção sino-americana. Como


me disse o experiente embai-


xador Gelson Fonseca, quan-


do era chefe da missão do País


na ONU, “não devemos en-


trar em briga de cachorro gran-


de”. O segundo propósito é ti-


rar o melhor proveito possível


da briga, falando pouco e ape-


nas o necessário.


É um exercício para o qual


nossos políticos, empresários,


funcionários e intelectuais se


têm mostrado inapetentes e


despreparados. Sabemos bem


o que não queremos. Mas ge-


ralmente falhamos quando se


trata de definir objetivos posi-


tivos realistas e desenvolver


uma visão estratégica – ou se-


ja, de longo prazo – para alcan-


çá-los no contexto da comple-


xa e cambiante realidade in-


ternacional.


É urgente superarmos essa


dificuldade, até porque a reali-


dade não oferece alternativas.


“Diferentemente dos últimos


setenta anos, o Brasil se posi-


cionará num mundo em que


os Estados Unidos (...) não


constituem mais uma lideran-


ça inconteste em todas a


áreas”, alertou a diplomata e


economista Tatiana Rosito na


mais recente publicação do


Conselho Empresarial Brasil-


China. “Preparamo-nos para


uma era em que grande parte


do poder econômico e políti-


co estará centrada em países


sobre os quais nosso conheci-


mento, relações interpessoais


e capacidade de mobilização e


influência são relativamente


escassos.” Poderíamos come-


çar incentivando o estudo da


China e do mandarim em nos-


sas escolas e universidades,


de modo a estimular e enrai-


zar os laços entre as duas so-


ciedades e torná-los menos


dependentes dos governos. A


porta parece aberta.


Maior compradora das ex-


portações brasileiras há mais


de uma década, a China diz-se


pronta para ampliar a coopera-


ção bilateral, a começar pelo


combate à pandemia, não obs-


tante as declarações sinofóbi-


cas dos ministros das Rela-


ções Exteriores e da Educação


e do padrinho de ambos no


Planalto, o deputado Eduardo


Bolsonaro, filho do presiden-


te. Em entrevista recente a Pa-


trícia Campos Mello, da Folha


de S.Paulo, o embaixador da


China no Brasil, Yang Wan-


ming, reduziu os ataques a


seu país a “ruídos” e salientou


“as histórias comoventes de


solidariedade e de ajuda mú-


tua entre os dois povos”.


O desafio maior para o Bra-


sil é se beneficiar de uma rela-


ção produtiva com a China


sem se distanciar das nações


do Ocidente, de que é parte e


com o qual compartilha Histó-


ria, cultura e valores. Facilita-


rá a tarefa o provável fracasso


de Trump nas eleições de no-


vembro, já visível nas pesqui-


sas de opinião e implícito nas


projeções de universidades e


entidades oficiais sobre o nú-


mero de mortos pelo vírus da


pandemia nos próximos me-


ses. Sem o distanciamento so-


cial, que começa a ser relaxa-


do, dados do próprio governo


indicam que os óbitos podem


dobrar para 140 mil até o fim


de julho e mais do que tripli-


car até o fim do ano.


]


JORNALISTA, É PESQUISADOR SE-

NIOR DO BRAZIL INSTITUTE NO

WILSON CENTER, EM WASHINGTON

Confronto histórico da Co-


pa de 2014 entre Brasil e Ale-


manha será exibido às 19h.


http://www.estadao.com.br/e/reprise

DEFENSOR DA CLOROQUINA


O novo herói dos ‘antissistema’


Veja quais filmes, documen-


tários e séries chegarão à


Netflix, Globoplay, HBO


Go, Mubi, Prime Video e


Starzplay neste mês.


http://www.estadao.com.br/streamingjunho

l“Não serve como comparativo. Seria mais correto comparar com os


EUA, que tem território grande e população maior que a nossa.”


RAFFAELE DELORENZO


l“O isolamento voluntário é a única solução. Cada indivíduo deve cuidar


de si e das pessoas de risco da família.”


CLEIDE CAVUTTO


l“Isolamento voluntário nunca funcionaria no Brasil. Nem o obrigató-


rio as pessoas respeitaram.”


RENATO IGARASHI


l“As contagens têm de ser feitas em porcentagem, proporcional ao


número de habitantes.”


REYNALDO CARVALHO


INTERAÇÕES


CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Urna produzida com lâminas


de aço no México, segundo o


fabricante, impede que flui-


dos possam escapar e conta-


minar quem esteja por perto.


http://www.estadao.com.br/e/caixaocov

Espaço Aberto


O


ministro da Educação,


Abraham Weintraub,


comparou a operação


da Polícia Federal contra mili-


tantes bolsonaristas investiga-


dos em inquérito sobre fake


news, na quarta-feira, dia 27,


com a Noite dos Cristais – po-


grom nazista contra os judeus


na Alemanha em 1938, prenún-


cio do horror do Holocausto.


Escreveu o ministro em suas


redes sociais: “Hoje foi o dia


da infâmia, vergonha nacional,


e será lembrado como a Noite


dos Cristais brasileira. Profana-


ram nossos lares e estão nos


sufocando. Sabem o que a


grande imprensa oligarca/so-


cialista dirá? SIEG HEIL!”.


Na Noite dos Cristais (Kris-


tallnacht, em alemão), entre


os dias 9 e 10 de outubro de


1938, os camisas pardas nazis-


tas lideraram uma alucinante


razia contra sinagogas, lojas e


residências de judeus. O nome


faz referência às janelas e vitri-


nes quebradas. Quase cem ju-


deus foram assassinados e ou-


tros 30 mil foram mandados


para campos de concentração


naquela noite de selvageria. O


pretexto do massacre foi o as-


sassinato de um diplomata ale-


mão em Paris, cometido por


um judeu cuja família havia si-


do expulsa da Alemanha.


É evidente, portanto, que a


analogia oferecida pelo minis-


tro da Educação não tem cabi-


mento, em nenhum sentido.


Para começar, os policiais fe-


derais que agiram contra mili-


tantes bolsonaristas o fizeram


respaldados em mandados ju-


diciais, dentro do mais absolu-


to respeito à lei. Já os nazistas


atuaram à sua maneira: como


bárbaros estimulados pelo dis-


curso de ódio contra os ju-


deus, sem amparo em nenhu-


ma lei, a não ser a da selva.


Em segundo lugar, os policiais


federais, diferentemente da


turba hitlerista, não quebra-


ram nada, não incendiaram


templos, não prenderam nin-


guém de maneira arbitrária e,


principalmente, não mataram


ninguém. Por fim, mas não


menos importante, os nazis-


tas invocados pelo ministro


Weintraub atacaram, com es-


pecial ferocidade, milhares de


concidadãos inocentes, cujo


único “crime” era serem ju-


deus, enquanto a polícia fede-


ral agiu contra suspeitos de


crimes reais.


São tantas as falhas no racio-


cínio do ministro Weintraub


que, numa hipótese benevo-


lente, é possível especular que


ele talvez estivesse só de brin-


cadeira – versão muito co-


mum num governo em que al-


tas autoridades proferem toda


sorte de barbaridades num dia


e, diante da natural repercus-


são negativa, dizem que foram


“mal interpretados”. No caso


do ministro Weintraub, contu-


do, aparentemente essa hipó-


tese deve ser descartada, por-


que nos dias seguintes àquele


tuíte ele não só confirmou a


absurda analogia, como reite-


rou sua indignação.


Assim o ministro Wein-


traub se apropria da memória


do Holocausto para fins políti-


cos. Não é o primeiro a fazê-lo


nem será o último, é claro. O


massacre industrial de 6 mi-


lhões de judeus na 2.ª Guerra


Mundial é evento de tal forma


transcendental na História


contemporânea, simbolizan-


do o zênite do Mal, que o ter-


mo que popularmente o desig-


na – Holocausto – passou a


ser usado para qualificar qual-


quer situação de padecimen-


to. Tornou-se, assim, podero-


sa arma retórica, para usos di-


versos, dos mais nobres aos


mais cínicos.


Um exemplo curioso desse


uso é uma campanha publicitá-


ria do grupo de defesa dos ani-


mais Peta (People for the Ethi-


cal Treatment of Animals) de


2004, intitulada Holocausto no


seu prato. Os cartazes da cam-


panha exibiam fotos de judeus


prisioneiros de campos de con-


centração ao lado de imagens


de animais em condições de-


gradantes. E um desses carta-


zes, ao citar o número de mor-


tos no Holocausto, denuncia-


va que “o mesmo número de


animais é morto a cada quatro


horas para se tornar alimento


apenas nos Estados Unidos”.


Duramente criticada, a Peta


defendeu-se dizendo que a


campanha havia sido criada


por um de seus colaboradores


judeus e paga por doadores ju-


deus, um modo nada sutil de


tentar legitimar a ofensa.


Não por acaso, o ministro


Weintraub fez exatamente a


mesma coisa. Criticado por fa-


zer comparações esdrúxulas


entre os militantes bolsonaris-


tas e os judeus perseguidos pe-


los nazistas, ele invocou sua


ancestralidade judaica e seu


parentesco com sobreviventes


de campos de concentração co-


mo uma espécie de salvo-con-


duto para subverter a memó-


ria do Holocausto em favor de


seus correligionários encrenca-


dos com a Justiça, tentando


conferir-lhes o status de víti-


mas indefesas de carrascos


que os perseguem apenas por


serem bolsonaristas. Nem ori-


ginal o ministro Weintraub


foi: em 2015 o ex-presidente


Luiz Inácio Lula da Silva quei-


xou-se de que estava “cansado


do tipo de perseguição e crimi-


nalização que tentam fazer à


esquerda deste país”, o que, pa-


ra ele, “parece os nazistas cri-


minalizando o povo judeu”.


Ao imitar o ex-presidente


Lula, portanto, o ministro


Weintraub ofende não apenas


a inteligência alheia, mas prin-


cipalmente a memória dos


que padeceram sob o nazismo



  • inclusive a memória de seus


avós sobreviventes de campos


de concentração, que certa-


mente sabiam muito bem que


a Noite dos Cristais nada tem


em comum com uma batida


policial contra suspeitos de es-


palhar fake news.


Em resumo, é como se o Ho-


locausto simplesmente não ti-


vesse terminado – o massacre


continua, agora na forma de


uma monstruosa banalização.


]


JORNALISTA, HISTORIADOR, É

AUTOR DO LIVRO ‘HOLOCAUSTO E

MEMÓRIA’ (ED. CONTEXTO, 2020)

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O que ver em


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‘Caixão Cov’ desbanca


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Marcos Guterman


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Um dos grandes astros de


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A exploração política


do Holocausto


Ao imitar Lula,


Weintraub ofende a


memória de quem


padeceu sob o nazismo


O vírus, a China,


os EUA e nós


O Brasil perderá


se escolher um lado


na briga entre


Washington e Pequim


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Covid-19: Uruguai dá


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Isolamento voluntário, testagem e


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registrar menos de mil casos e 22 mortes


]


Paulo Sotero


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