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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2020 Economia B3
Agropecuária
deverá ser único
setor com ganho
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
N
em se superou a recessão anterior –
o PIB ao final de 2019 ainda se encon-
trava 3,2% abaixo do nível pré-crise
de 2014-16 – e o País se defronta com a mais
grave recessão da história. O encolhimento
de 1,5% no PIB do 1.º trimestre não é pouco,
pois o isolamento social iniciou-se apenas
no dia 23 de março nas principais regiões
do País – ainda que antes disso as incerte-
zas no cenário já prejudicassem a atividade.
O resultado confirma que a economia vi-
nha em um ritmo de quase estagnação, na
verdade desde o fim de 2019. Não é correto
afirmar que havia um crescimento robusto
contratado que foi inviabilizado pela pande-
mia. Era esperada uma aceleração modesta
do PIB, com o consumo e o investimento
(demanda) reagindo aos juros mais baixos,
mas não a produção industrial (oferta), por
causa da baixa produtividade e reduzida
competitividade de seus produtos.
A julgar pelo 1.º trimestre, o 2.º será um
desastre, com possível queda de dois dígi-
tos, algo sem precedentes. Vale lembrar
que na dura recessão recente, a contração acu-
mulada foi de 8,1%. As perspectivas para o 2.º
semestre são incertas, mas não convém ali-
mentar grandes expectativas, mesmo com o
fim do isolamento. Não se trata de tirar a eco-
nomia da “tomada” e religá-la rapidamente.
Longe disso. A crise deixa sequelas. Abala a
saúde financeira de consumidores e empre-
sas, bem como os fundamentos da economia,
principalmente pela brutal deterioração das
contas públicas.
Além disso, o potencial de crescimento do
País – definido pela qualidade e quantidade de
capacidade instalada, mão de obra e infraes-
trutura – que já era baixo, em torno de 1%, se-
rá adicionalmente afetado pela queda do in-
vestimento e pelo despreparo da mão de obra
e das empresas para a nova realidade digital.
A agricultura ajuda, mas não é “puxadora”
de PIB. O dólar forte poderá elevar a rentabili-
dade de exportações e contribuir para reduzir
a importação, mas seu efeito de curto prazo é
recessivo – aumenta a dívida em dólar das em-
presas e os preços de insumos e máquinas.
O ano de 2020 está condenado. Todo cuida-
do é pouco para não comprometer o futuro.
]
ECONOMISTA
Consumo
das famílias
puxa o PIB
para baixo
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O
PIB do primeiro trimestre, infeliz-
mente, é um retrato velho do que
teremos pelo resto do ano. A covid-
19 afetou negativamente apenas a parte fi-
nal de março, fazendo com que os números
não fossem ainda piores. Mas a abertura do
PIB dá uma ideia do que deverá ser 2020.
Houve queda forte em serviços, basica-
mente itens relacionados a turismo e lazer,
transporte, construção e indústria, especial-
mente na automobilística e essa deverá ser
a tônica durante todo o ano. Alguns setores
que pareciam que teriam um ano muito po-
sitivo, como petróleo e gás e atividade imo-
biliária, deverão amargar taxas negativas.
O preço muito baixo do petróleo não de-
ve ser revertido este ano, prejudicando os
investimentos da cadeia, além do setor de
etanol. E a forte queda de emprego e renda
afetará bens que dependem de crédito. Por
outro lado, a agropecuária teve crescimen-
to de 0,6% e deverá ser dos poucos setores,
talvez o único, que apresentará bom resul-
tado em 2020 pela manutenção das exporta-
ções de alimentos para a China. A preocupa-
ção agora é com os números que virão. Essa
provavelmente será a pior recessão da histó-
ria. Se o PIB cair os 7,8% que esperamos será o
pior resultado da série histórica.
As idas e vindas em relação a como lidar
com a covid-19, com disputas entre Executivo
e governos estaduais, impediu uma quarente-
na mais robusta. Essas indefinições, mais do
que qualquer outra coisa, cobrarão um preço
adicional para o PIB que respingará no segun-
do semestre. Enquanto Europa e EUA discu-
tem a saída organizada agora, o Brasil vê o pi-
co da doença em julho e uma volta muito len-
ta da atividade a partir daí. Por termos sido
lenientes com a crise, o impacto econômico
será mais difícil de ser contornado.
O impacto fiscal da crise levará a dívida bru-
ta do governo central próxima de 95% do PIB
no fim do ano. Fazer novo ajuste fiscal no
meio da saída de uma pandemia e de uma cri-
se política deverá trazer consequências para o
crescimento nos próximos anos. Uma política
econômica de saída da pandemia precisa ser
pensada o quanto antes, pois demandará um
esforço político que o governo hoje não tem.
]
ECONOMISTA-CHEFE DA MB ASSOCIADOS
‘Só na 2ª metade da década voltaremos ao nível pré-covid’, diz economista-chefe do Itaú. Pág. B4}
Os recados do
primeiro trimestre
Daniela Amorim
Vinicius Neder/ RIO
Características particulares
da recessão que se avizinha
na esteira da pandemia de co-
vid-19 ajudam a explicar por-
que a retração do Produto In-
terno Bruto (PIB), já verifica-
da nos três primeiros meses
do ano, deverá se intensificar
neste segundo trimestre e le-
var 2020 ao pior desempenho
anual da economia na histó-
ria. Segundo economistas,
chamam a atenção os fatos de
a pandemia produzir, ao mes-
mo tempo, choques de oferta
e demanda, atingir primeiro
os serviços e o consumo das
famílias, principais compo-
nentes da economia, e afetar,
praticamente, todos os paí-
ses do mundo.
Rebeca Palis, coordenadora
de Contas Nacionais do IBGE,
lembrou que, no mundo todo, a
crise afetou mais o setor de ser-
viços. O consumo das famílias –
metade é destinado para servi-
ços – caiu de uma vez, por falta
de disponibilidade, pois shop-
pings, salões de beleza, restau-
rantes, hotéis e academias de gi-
nástica foram obrigados a fe-
char. Em crises mais tradicio-
nais, o consumo cai mais lenta-
mente, à medida que as pessoas
perdem o emprego e sua renda
cai.
Segundo o economista para
Brasil do Barclays, Roberto Se-
cemski, os dados do primeiro
trimestre confirmaram que o
choque será maior no consumo
e nos serviços, “o que deve ser
reforçado em abril e maio”. “Is-
so é parte do problema, porque
serviço não prestado não se re-
cupera. A questão agora é como
o aumento do desemprego vai
intensificar o ajuste no consu-
mo”, disse.
“O emprego não vai voltar na
velocidade em que foi embora.
Vai faltar renda, vai faltar de-
manda”, disse Claudio Conside-
ra, coordenador do Monitor do
PIB no Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getu-
lio Vargas (Ibre/FGV).
Economistas destacaram ain-
da a incerteza sobre a retoma-
da. Lembrando que o cresci-
mento já era fraco antes – afi-
nal, o desempenho de janeiro e
fevereiro não conseguiu impe-
dir que os 15 últimos dias de mar-
ço derrubassem o primeiro tri-
mestre –, a economista-chefe
da ARX Investimentos, Solange
Srour, disse que o “Brasil vai ter
de crescer pelo investimento,
porque pelo consumo vai ser
mais difícil ainda, com o crédito
restrito e aumento do desem-
prego”./ COLABORARAM CÍCERO
COTRIM E THAÍS BARCELLOS
TOMBO DA ECONOMIA
PIB
VARIAÇÃO ANTE TRIMESTRE ANTERIOR
FONTE: IBGE INFOGRÁFICO/ESTADÃO
Agropecuária
1º TRI
2011
1º TRI
2020
Indústria Serviços
-20
-10
0
10
20
0,6%
1º TRI
2011
1º TRI
2020
-4
-2
0
2
4
-1,4%
1º TRI
2011
1º TRI
2020
-4
-2
0
2
4
-1,6%
1º TRI
2011
1º TRI
2020
-4
-2
0
2
4
-2%
Consumo das famílias
1º TRI
2011
1º TRI
2020
-3
-2
-1
0
1
2
3
-1,5%
1,1%
2,3%
-1,2%
-2,1%
-0,1%
0,1% 0,2%
1ºTRI
2012
1º TRI
2013
1º TRI
2014
1º TRI
2015
1º TRI
2016
1º TRI
2017
1º TRI
2018
1º TRI
2019
1,7%
País deve ter maior recessão da história
devido a queda repentina do consumo
Vinicius Neder / RIO
Isadora Duarte / SÃO PAULO
Na esteira de mais uma safra re-
corde, o setor agropecuário de-
verá ser o único a fechar com
crescimento em 2020. No pri-
meiro trimestre do ano, houve
avanço de 1,9% em relação ao
mesmo período de 2019 e de
0,6% ante dezembro passado.
Isso não significa, porém, que
o campo passará totalmente in-
cólume pela pandemia. A Confe-
deração Nacional da Agricultu-
ra e Pecuária do Brasil (CNA)
revisou sua estimativa de cresci-
mento do PIB do setor neste
ano, de um intervalo entre 3,5%
e 4% para 2,5%.
Segundo o IBGE, a agropecuá-
ria começou o ano melhor do
que 2019 por causa da soja. A ex-
pectativa é que o grão tenha safra
recorde este ano, e seu plantio é
concentrado na primeira meta-
de do ano, o que impulsiona o
PIB no período. A safra de arroz
também contribuiu para o resul-
tado positivo.
Para o coordenador do Nú-
cleo Econômico da CNA, Rena-
to Conchon, os reflexos econô-
micos da covid-19 poderão se es-
tender até a próxima safra. Os
produtores que ainda não fize-
ram investimentos encontra-
rão um dólar mais elevado na
hora de comprar insumos, co-
mo fertilizantes. “O setor, geral-
mente, apresenta efeito retarda-
dos da crise. Agora, estamos
acompanhando com preocupa-
ção o preparo da safra 2020/21.”
Retrato velho
de uma economia
]
ANÁLISES: Sergio Vale
]
Zeina Latif