O Estado de São Paulo (2020-05-30)

(Antfer) #1

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B4 Economia SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ENTREVISTA


Luciana Dyniewicz,


Apesar de o primeiro trimestre


ter sentido pouco a crise eco-


nômica decorrente da pande-


mia, dado que a quarentena co-


meçou apenas no fim de mar-


ço, o período concentrou al-


guns dos piores dias de ativida-


de econômica que o País deve-


rá registrar no ano. “Em ter-


mos de PIB, o pior momento


será o segundo trimestre. Em


termos de atividade diária, o


fundo do poço foi no fim de


março e início de abril”, diz o


economista-chefe do Itaú Uni-


banco, Mario Mesquita.


Segundo ele, é preciso aguar-


dar o resultado do segundo tri-


mestre para confirmar a magni-


tude da recessão de 2020 – o


Itaú projeta -4,5%. Para se recu-


perar dessa queda histórica, se-


rão necessários anos, acrescen-


ta. “Para atingir o nível que


chegaria sem a pandemia, man-


tendo a trajetória de cresci-


mento que tínhamos, provavel-


mente só na segunda metade


da década”, afirma. A seguir,


trechos da entrevista.


lCom exceção da última quinze-


na de março, a economia funcio-


nou normalmente no primeiro


trimestre. Essa queda de 1,5% no


período significa que a atividade


já estava em desaceleração ou


ela é relativa a esses últimos 15


dias de março mesmo?


É difícil dizer. A gente come-


çou a calcular o indicador de


atividade diária no início da


quarentena. Os indicadores


que tínhamos até março apon-


tavam para um crescimento


modesto, em torno de zero,


um pouquinho positivo. A eco-


nomia não estava acelerando


muito, mas, de fato, teve um


baque forte a partir da segun-


da quinzena de março. O resul-


tado veio em linha com o espe-


rado. Acho que terá muito


mais debate sobre o segundo


trimestre, que vai ser decisivo


para o PIB do ano.


lNão dá então para dizer que a


queda de 1,5% está em linha com


a retração esperada para 2020?


Precisamos esperar o segundo


trimestre?


Com certeza. Para o segundo


trimestre, a gente espera que-


da de 10,6% e, com isso, fecha-


mos o ano com -4,5%. Mas ou-


tras instituições estão proje-


tando queda de 15%. Aí, a que-


da no ano fica na faixa de 6%


ou 7%. Todos os trimestres


contam, mas a informação do


segundo trimestre vai ser mui-


to importante, dado que a gen-


te espera que, no terceiro tri-


mestre, estejamos saindo do


distanciamento social.


lQual o impacto da crise política


na economia?


Tudo que traz incerteza é ruim


para a atividade econômica.


Instabilidade política, na medi-


da em que torna o futuro da


agenda de reformas e da con-


dução das políticas econômi-


cas mais incerto, também atra-


palha a retomada.


lOs Estados Unidos e a Europa


estão com pacotes fiscais para


impulsionar a recuperação eco-


nômica. Esse caminho é viável


para o Brasil?


A gente já vai ter um déficit pri-


mário neste ano superior a


10% do PIB. Acho que o espa-


ço fiscal está sendo usado. Na


verdade, a gente nem tinha es-


paço. Mas me parece que, no


Brasil, o peso da retomada ain-


da recai sobre a política mone-


tária. A política monetária e o


crédito serão os instrumentos


para a recuperação. Segundo


nosso indicador de atividade


diária, o fundo do poço foi na


virada de março para abril. Des-


de aí, a atividade veio se recu-


perando com idas e vindas. O


indicador era 100 antes da cri-


se. No pior momento, caiu pa-


ra 55 e, agora, tem oscilado en-


tre 65 e 75. Então, já houve


uma recuperação. Para ter


uma recuperação mais consis-


tente, precisamos superar o


distanciamento social, que,


por sua vez, requer que a gente


vire a curva da pandemia.


lO número de novos casos de


covid-19 ainda é crescente. A ati-


vidade diária não pode, portanto,


votar ao fundo do poço?


Essa é uma preocupação. Mas


achamos que, em termos de


PIB, o pior momento será o se-


gundo trimestre. Em termos


de atividade diária, o fundo do


poço foi no fim de março e iní-


cio de abril.


lQuanto tempo o País deve le-


var para voltar ao nível pré-pan-


demia?


Ao nível pré-covid, a expectati-


va é que volte em meados de



  1. Agora, para atingir o ní-


vel que chegaria sem a pande-


mia, mantendo a trajetória de


crescimento que tínhamos,


provavelmente só na segunda


metade da década. Pode acon-


tecer algum choque positivo,


que a economia comece a cres-


cer mais, as reformas come-


cem a ter mais efeito. Mas,


olhando tendência, com certe-


za não antes de 2022, 2023, pro-


vavelmente depois disso.


lQual é o cenário para o merca-


do de trabalho?


A taxa de desemprego vai su-


bestimar a real deterioração


do mercado de trabalho, por-


que, para a pessoa contar co-


mo desempregada, ela tem de


estar procurando emprego. No


momento em que você tem re-


gras de distanciamento social,


muita gente não consegue pro-


curar emprego. Esse contin-


gente não vai aparecer na esta-


tística. O desemprego prova-


velmente vai continuar subin-


do até, talvez, a metade ou o


fim do terceiro trimestre.


N


o PIB do segundo trimestre deste


ano, porém, os efeitos das restri-


ções de oferta e demanda resultan-


tes das medidas de afastamento social se-


rão fortemente sentidos. No mês de abril,


de acordo com o Boletim de Acompanha-


mento Setorial da Atividade Econômica


do Ipea, a indústria geral produziu 44,6% a


menos que no mesmo período do ano pas-


sado. Na mesma base de comparação, o


volume de vendas no conceito ampliado e


a receita de serviços tiveram quedas de


44,5% e 26,7%, respectivamente. São que-


das muito fortes e disseminadas, que tendem


a causar recuo recorde no PIB neste segundo


trimestre. Um dos destaques negativos foi a


produção de automóveis, que caiu mais de


90% em relação a abril de 2019. As vendas de


veículos, apesar de terem caído muito tam-


bém, apresentaram perda menor, de 47%. Is-


so sugere que pode haver uma melhora mar-


ginal, na comparação com abril, já no mês de


maio – como indica a melhora do consumo


de energia do setor no mês.


Em junho, é possível que se inicie um pro-


cesso de recuperação parcial. Porém, a rea-


bertura dos setores hoje fechados tende a ser


paulatina e deverá encontrar um consumi-


dor cauteloso e com renda menor e incerta.


]


DIRETOR DE ESTUDOS E POLÍTICAS MACROECONÔMICAS

DO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA)

A


abertura do PIB dá sinais sobre seto-


res que sofrerão menos no ano, in-


clusive, encerrando o ano com ex-


pansão, como é o caso da agropecuária,


com destaque para a produção de soja e


pecuária, e dentro do PIB industrial, a par-


te extrativa, com suporte advindo da pro-


dução de óleo e gás e mineração.


Por outro lado, o segmento de serviços


deve apresentar retração ainda maior nos


próximos períodos, com destaque para


aqueles ligados a famílias, que captarão


não só impactos diretos do isolamento,


mas principalmente a deterioração do merca-


do de trabalho, dado o aumento do desem-


prego e queda esperada para a renda.


Ainda em serviços, atividades ligadas a co-


mércio, com destaque para bens duráveis co-


mo automóveis, sofrerão mais, dado que a


demanda deve ficar mais focada em bens de


primeira necessidade em detrimento de


bens duráveis. Os efeitos mais claros da pan-


demia no PIB ainda estão por vir e devem


aparecer no segundo trimestre e na forma de


recuperação ainda modesta no terceiro tri-


mestre. Os riscos, entretanto, pendem para o


lado negativo, diante do quadro de saúde que


deve se impor, requerendo atitudes mais


drásticas das autoridades.


]


ECONOMISTA E DIRETORA DE MACROECONOMIA E ANÁLI-

SE SETORIAL DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA.

Anne Warth / BRASÍLIA


Wagner Gomes / SÃO PAULO


Ao avaliar o resultado do PIB no


primeiro trimestre do ano, o mi-


nistro da Economia, Paulo Gue-


des, defendeu ontem uma


trégua e “cooperação” neste


momento de crise, sob pena de


o “barco naufragar”. Segundo


ele, “depende de nós mesmos”


determinar como será a reação


da economia no pós-pandemia.


“É natural que nessa ansieda-


de, cada um ao seu estilo, um


pise no pé do outro. E quem foi


pisado vai empurrar de volta.


Agora, acabou. Um deu o em-


purrão, tomou o empurrão de


volta. Todo mundo remando pa-


ra chegar na margem. Quando


chegar na margem, começa a


briga de novo. Pode brigar à von-


tade na margem. Se brigar a bor-


do do barco, o barco naufraga”,


disse ele, logo após a divulgação


do recuo do PIB, durante um se-


minário virtual.


Nas últimas semanas, o presi-


dente Jair Bolsonaro se envol-


veu em conflito com diversas


autoridades e instituições do


País. O presidente, por exem-


plo, criticou governadores por


adotarem, seguindo recomen-


dação da Organização Mundial


de Saúde (OMS), medidas de


isolamento e restrição para evi-


tar o avanço rápido da covid-19


e o colapso do sistema hospita-


lar. Bolsonaro defende a reto-


mada de todas as atividades pa-


ra evitar impactos negativos na


economia e no emprego.


Mais recentemente, o presi-


dente fez duras críticas a minis-


tros do Supremo Tribunal Fede-


ral (STF) devido a decisões que


o contrariaram, como a divulga-


ção do vídeo da reunião ministe-


rial de 22 de abril, apontada pe-


lo ex-ministro da Justiça Sérgio


Moro como prova da tentativa


de Bolsonaro de interferir na Po-


lícia Federal; e a ação de busca e


apreensão, dentro do inquérito


que apura ataques ao Supremo


e divulgação de informações fal-


sas na internet, que atingiu alia-


dos do presidente e defensores


do seu governo.


Segundo Guedes, é “cretino


atacar o governo do seu próprio


País em vez de ajudar num mo-


mento como esse”. Ele admitiu


que existem erros, mas que o


governo espera a ajuda de to-


dos. “Ninguém quer apoio a er-


ros. Erramos, nos critique, mas


nos ajudem.”


Ainda segundo ele, existiriam


três opções para o pós-pande-


mia: a chamada retomada em


forma de “V”, que seria a mais


rápida; a retomada em forma de


“U”, um pouco mais lenta; ou,


então, a economia pode se com-


portar como na forma da letra


“L” que, segundo o ministro, sig-


nifica “cair e virar depressão”.


“Só depende de nós. Só de-


pende de nós. Pela terceira vez,


só depende de nós”, disse o mi-


nistro. “Prefiro ainda trabalhar


com o ‘V’, pode ser um ‘V’ meio


torto, caiu rápido e vai subir um


pouco mais devagar, mas ainda


é um ‘V’.”


Nova recessão. O resultado do


PIB até março refletiu apenas os


primeiros impactos da pande-


mia do novo coronavírus e colo-


cou o País à beira de nova reces-


são, uma vez que a expectativa é


de um tombo ainda maior no se-


gundo trimestre. “Precisamos


de cooperação, colaboração,


compreensão, solidariedade.”


Em nota, o Ministério da Eco-


nomia elencou quatro “grandes


desafios” para a economia no


pós-pandemia: desemprego, au-


mento da pobreza, o grande nú-


mero de falências e a necessida-


de de mais eficiência na oferta


de crédito.


Para o órgão, o PIB negativo


no primeiro trimestre, “embo-


ra esperado, coloca fim à recu-


peração econômica em curso”


no País. A equipe econômica


afirma que os impactos da pan-


demia de covid-19 reverteram


bons indicadores de emprego,


arrecadação e atividade no País,


com a paralisação das ativida-


des a partir da segunda quinze-


na de março.


Segundo a pasta, seria preci-


so acelerar as reformas estrutu-


rais e a retomada da agenda de


consolidação fiscal, como con-


dição para a retomada da econo-


mia. “Em especial, a manuten-


ção do teto de gastos constitui


um pilar fundamental neste pro-


cesso”, completa. /


COLABORARAM LUCI RIBEIRO e

GUSTAVO PORTO

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l‘Pisar no pé’


Abril terá impacto do


afastamento social e


da restrição de oferta


Sinais claros sobre


atividades que mais


sofrerão neste ano


Guedes pede trégua e ‘cooperação’ contra crise


Brasil fica em 15.º lugar no ranking de expansão global. Pág. B5 }


“É natural que nessa


ansiedade um pise no pé do


outro. (...) Agora, acabou. (...)


Todo mundo remando para


chegar na margem. (...) Pode


brigar à vontade na margem.


Se brigar a bordo do barco, o


barco naufraga.”


Paulo Guedes


MINISTRO DA ECONOMIA

]


ANÁLISES: José Ronaldo de Castro Souza Júnior


]


Alessandra Ribeiro


ADRIANO MACHADO/REUTERS

Retomada. ‘Prefiro trabalhar com um V’, diz Guedes


Ministro da Economia diz


que é ‘cretino atacar o


governo’ neste momento,


sob risco de o ‘barco’ da


economia ‘naufragar’


DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO - 26/1/2017

Impacto. Para Mesquita, instabilidade política gera incerteza sobre agenda das reformas


‘Só na 2ª metade


da década teremos


ritmo pré-covid’


Para economista, pior


momento para o PIB


será o segundo


trimestre; Itaú projeta


recessão de 4,5% no ano


Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco

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