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A8 Política SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA
O avanço da investigação sigi-
losa do Supremo Tribunal Fe-
deral (STF) sobre ameaças,
ofensas e fake news dispara-
das contra integrantes da
Corte e seus familiares deve
chegar ao núcleo próximo do
presidente Jair Bolsonaro, se-
gundo o Estadão apurou.
Com previsão de ser concluí-
do em 15 de julho, mas a possi-
bilidade concreta de ser nova-
mente prorrogado, o inquéri-
to já fechou o cerco sobre o
“gabinete do ódio”, grupo de
assessores do Palácio do Pla-
nalto comandado pelo verea-
dor Carlos Bolsonaro (Repu-
blicanos-RJ), filho do chefe
do Executivo. A existência
desse núcleo foi revelada em
reportagem do Estadão de se-
tembro do ano passado.
Comandante do “gabinete do
ódio”, Carlos não foi alvo da ope-
ração da Polícia Federal ocorri-
da na quarta-feira por determi-
nação do relator do inquérito
das fake news, ministro Alexan-
dre de Moraes. A ofensiva, consi-
derada “abusiva” pelo Palácio
do Planalto, resultou na apreen-
são de documentos, computa-
dores e celulares em endereços
de 17 pessoas suspeitas de inte-
grar uma rede de ataques a mi-
nistros do STF e na convocação
de depoimento de oito deputa-
dos bolsonaristas.
A expectativa de integrantes
do STF é a de que, se em um
primeiro momento Moraes op-
tou por focar nos tentáculos
operacionais do “gabinete do
ódio”, o filho do presidente da
República deve ser atingido já
na etapa final do inquérito, com
o aprofundamento das investi-
gações. O cálculo político que
estaria sendo feito é o de que o
envolvimento de nomes mais
graúdos nessa etapa poderia
comprometer os trabalhos.
A investigação é conduzida
no Supremo pelo delegado fede-
ral Igor Romário de Paula, que
integrou a Lava Jato em Curiti-
ba, e é tido como um aliado do
ex-ministro Sérgio Moro, e tam-
bém por Denisse Dias Rosas Ri-
beiro, Fábio Alceu Mertens e Da-
niel Daher. Em meio às acusa-
ções de Moro de que Bolsonaro
tentou interferir politicamente
na PF, Moraes decidiu blindar o
grupo e determinou que o in-
quérito deveria continuar nas
mãos desses delegados, inde-
pendentemente das trocas no
comando da corporação.
Ao determinar a operação de
busca e apreensão, que mirou
empresários e blogueiros bolso-
naristas, o ministro definiu o
“gabinete do ódio” como uma
“associação criminosa”. “As
provas colhidas e os laudos peri-
ciais apresentados nestes autos
apontam para a real possibilida-
de de existência de uma associa-
ção criminosa, denominada
nos depoimentos dos parlamen-
tares como ‘Gabinete do Ódio’,
dedicada a disseminação de no-
tícias falsas, ataques ofensivos
a diversas pessoas, às autorida-
des e às Instituições, dentre
elas o Supremo Tribunal Fede-
ral, com flagrante conteúdo de
ódio, subversão da ordem e in-
centivo à quebra da normalida-
de institucional e democráti-
ca”, escreveu Moraes.
A operação contra aliados bol-
sonaristas foi criticada ontem
por Carlos no Twitter. “Nunca
tiveram provas, apenas narrati-
vas. Revelações literalmente in-
ventadas por 2 parlamentares e
agora apoiadas por biografados.
Forçam busca e apreensão ile-
gais para criarem os fatos e ga-
nharem fôlego”, escreveu. “Eu
não sei o que estão fazendo. Não
chego perto do meu pai há um
bom tempo. Apenas exibi mi-
nha liberdade de falar enquanto
posso!”, emendou.
O filho do presidente ainda
postou uma declaração antiga
de Moraes em julgamento do
STF, quando o ministro falou
“que quem não quer ser critica-
do, ser satirizado, fique em ca-
sa, não se ofereçam ao público”.
“Querer evitar isso por uma ile-
gítima intervenção estatal na li-
berdade de expressão é absolu-
tamente inconstitucional”, dis-
se Moraes na ocasião.
Inquérito. O inquérito das fake
news foi aberto por determina-
ção do presidente do STF, minis-
tro Dias Toffoli, à revelia do Mi-
nistério Público, o que provo-
cou críticas da Procuradoria-Ge-
ral da República (PGR), da Or-
dem dos Advogados do Brasil e,
na época, de colegas da Corte.
Na ocasião, o ministro Marco
Aurélio Mello chegou a chamar
o inquérito de “natimorto”. De
lá pra cá, no entanto, diminuiu
a resistência interna da Corte
às investigações, que encontra-
ram na rede ameaças de incen-
diar o Supremo e matar minis-
tros com tiros à queima-roupa.
Interlocutores de Moraes ava-
liam que, hoje, a maioria da Cor-
te apoia o inquérito como uma
“defesa institucional do STF”
contra ataques.
O procurador-geral da Repú-
blica, Augusto Aras, pediu nesta
semana a suspensão do inquéri-
to. A decisão será do plenário
do Supremo. A Associação Na-
cional dos Procuradores da Re-
pública também contesta a in-
vestigação em outra ação.
Em outra frente, um ano e
dois meses depois de ingressar
no Supremo para também con-
testar o inquérito das fake
news, a Rede mudou de posição
e pediu ontem a Fachin o arqui-
vamento da ação. A lei sobre
ações de controle de constitu-
cionalidade, porém, prevê que,
se a ação for proposta, não se
admitirá depois desistência.
l ‘Instituições’
BRASÍLIA
O controverso inquérito que
apura ameaças, ofensas e fake
news contra ministros do Su-
premo Tribunal Federal (STF)
pode pavimentar o caminho da
cassação do presidente Jair Bol-
sonaro no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). A avaliação en-
tre ministros do tribunal é a de
que, caso seja autorizado, um
compartilhamento das provas
do STF com a Justiça Eleitoral
deve dar um novo fôlego às in-
vestigações sobre disparo de
mensagens em massa na campa-
nha presidencial de Bolsonaro
em 2018. A possibilidade de es-
sas ações serem “turbinadas”
com o inquérito das fake news
do Supremo já acendeu o sinal
de alerta do Palácio do Planalto.
O ministro Alexandre de Mo-
raes é um personagem-chave
nos dois tribunais. Relator do
inquérito das fake news, ele de-
terminou a quebra do sigilo ban-
cário e fiscal de empresários bol-
sonaristas entre julho de 2018 e
abril de 2020, abrangendo, por-
tanto, o período das últimas
eleições presidenciais.
Na próxima terça-feira, Mo-
raes vai assumir uma cadeira de
ministro titular do TSE, o que
vai lhe garantir a participação
no julgamento das ações que in-
vestigam a campanha de Bolso-
naro e do seu vice, general Ha-
milton Mourão.
Se a chapa for cassada ainda
neste ano pelo TSE, novas elei-
ções deverão ser convocadas pa-
ra definir o novo ocupante do
Palácio do Planalto. Caso o pre-
sidente e o vice sejam cassados
pelo tribunal em 2021 ou 2022,
caberá ao Congresso a escolha.
Até hoje, o TSE jamais cassou
um presidente da República. Se-
gundo fontes ouvidas pela re-
portagem, o cenário atual no tri-
bunal é favorável à manutenção
do mandato de Bolsonaro.
Compartilhamento. Ainda tra-
mitam no TSE oito ações que
investigam a campanha de Bol-
sonaro e Mourão. As mais deli-
cadas são as que tratam do dis-
paro de mensagens em massa
pelo WhatsApp. O PT já pediu
ao relator dos processos, minis-
tro Og Fernandes, o comparti-
lhamento das provas do Supre-
mo com o TSE. Og vai ouvir Bol-
sonaro e o Ministério Público
Eleitoral antes de decidir.
O compartilhamento de pro-
vas do Supremo com o TSE já
aconteceu nas ações que investi-
gavam a chapa presidencial de
Dilma Rousseff e Michel Temer
em 2014, mas a maioria dos mi-
nistros desconsiderou na etapa
final do julgamento provas as
colhidas por concluir que elas
eram “alheias” ao objeto inicial
da investigação.
Ex-ministros do TSE e advo-
gados eleitorais ouvidos reser-
vadamente pela reportagem
apontam que, desta vez, as pro-
vas colhidas no inquérito das
fake news têm relação com as
investigações em curso na Justi-
ça Eleitoral.
Uma fonte da cúpula da Pro-
curadoria-Geral da República
(PGR) aponta que, até agora,
as acusações de disparo de
mensagens em massa não es-
tão comprovadas. Já dois ex-
ministros do TSE observam
que não basta identificar a irre-
gularidade, mas considerar se
a dimensão da irregularidade
foi suficiente para se constatar
a quebra legitimidade do plei-
to, justificando, dessa forma, a
cassação. / R.M.M.
Patrik Camporez / BRASÍLIA
O “gabinete do ódio”, estrutura
do Palácio do Planalto respon-
sável por fazer ataques nas re-
des sociais e em grupos de
WhatsApp a críticos do presi-
dente Jair Bolsonaro, entrou na
mira do Tribunal de contas da
União (TCU). O subprocura-
dor Lucas Furtado ingressou
com uma representação para
que a corte de Contas analise se
a ação do grupo de servidores é
financiada por recursos públi-
cos. Na representação, o procu-
rador classificou o “gabinete do
ódio” como uma Parceria Públi-
co-Privada (PPP), que funciona
com o aporte de recursos públi-
cos e de empresas.
Como revelou o Estadão, o
“gabinete do ódio” está instala-
do dentro da estrutura do gabi-
nete do presidente Jair Bolsona-
ro. Seriam 23 servidores nessa
função. A atuação do grupo é in-
vestigada também pelo inquéri-
to do Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) que apura a dissemina-
ção de fake news.
No despacho em que pediu
busca e apreensão em endere-
ços de blogueiros e youtubers
nesta semana, o ministro Ale-
xandre de Moraes, relator do in-
quérito, classificou o “gabinete
do ódio” como uma “associação
criminosa”, que receberia di-
nheiro de empresários. Ne-
nhum servidor do Planalto, con-
tudo, foi alvo. O grupo também
é investigado pela Comissão Par-
lamentar dos Inquérito (CPI)
das Fake News do Congresso.
Na representação ao TCU,
Furtado pede que sejam identi-
ficados os integrantes do gover-
no que compõem o “gabinete
do ódio” e, comprovadas as ile-
galidades, sejam punidos admi-
nistrativamente e devolvam
aos cofres públicos recursos
usados para disseminar notí-
cias falsas.
Outro objetivo da representa-
ção é investigar o possível uso
de recursos públicos para finan-
ciar ataques de fake news na
campanha eleitoral de 2018.
Furtado destaca que a decisão
de Moraes, de determinar a que-
bra do sigilo fiscal e bancário de
empresários no inquérito das
fake news, abrange o período
eleitoral daquele ano.
Por isso, pede que seja avalia-
da a possibilidade da criação de
uma força-tarefa para o compar-
tilhamento de informações ou,
pelo menos, a atuação conjunta
do Ministério Público Eleitoral,
Tribunal Superior Eleitoral e
TCU para apurar possíveis cri-
mes cometidos pela chapa vito-
riosa, para a Presidência da Re-
pública, nas eleições de 2018.
Para o integrante do MP de
Contas, a estrutura pública do
Palácio do Planalto, onde despa-
cha o presidente Jair Bolsona-
ro, estaria sendo utilizada para
fins caluniosos, ameaças e infra-
ções com o objetivo de atingir a
“honorabilidade de diversas au-
toridades” dos poderes Judiciá-
rio e Legislativo do País.
Estrutura ‘anômala’. No docu-
mento encaminhado à Corte,
Furtado classifica as fake news
como um fenômeno que amea-
ça o regime democrático, os
princípios da República e a con-
vivência pacífica da sociedade
brasileira. Diz ainda que o “gabi-
nete do ódio” é uma estrutura
“anômala” que funciona dentro
do próprio Estado.
Dessa forma, caberia ao TCU
apurar eventual emprego irre-
gular dos recursos públicos den-
tro dessa estrutura de divulga-
ção de desinformações.
Furtado ressalta que não só o
uso de dinheiro, mas a utiliza-
ção de materiais, infraestrutura
e mão de obra custeados pelos
cofres públicos devem ser leva-
dos em consideração no cálculo
de gastos indevidos. Segundo o
subprocurador, a “irrigação de
dinheiro” público para o esque-
ma supostamente criminoso
poderia estar acontecendo tam-
bém por meio da utilização de
verbas publicitárias de empre-
sas públicas e sociedades de eco-
nomia mista, com a finalidade
de monetizar sites e blogs que
veiculam notícias falsas.
Recentemente, o TCU bar-
rou a veiculação, por parte do
Banco do Brasil, de publicidade
oficial em site que seria propa-
gador de notícias falsas.
PM indicado
pelo Centrão
assume Funasa
lCPI mista
Presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ) defendeu a manu-
tenção da CPMI das Fake News.
“Esse assunto precisa de solu-
ção”, disse ele à revista IstoÉ.
DIDA SAMPAIO/ESTADAO-18/3/
Investigação deve
chegar a núcleo do
‘gabinete do ódio’
“As provas colhidas e os
laudos apontam para a real
possibilidade de existência
de uma associação
criminosa, denominada nos
depoimentos como
‘gabinete do ódio’, dedicada
à disseminação de notícias
falsas, ataques ofensivos a
diversas pessoas, às
autoridades e às
Instituições.”
Alexandre de Moraes
MINISTRO DO STF
Próxima etapa do inquérito das fake news poderá mirar grupo de
assessores do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro
Filho. Carlos Bolsonaro é apontado como líder do grupo conhecido como ‘gabinete do ódio’
BRASÍLIA
Em nova parceria entre milita-
res e Centrão, o governo entre-
gou a chefia da Fundação Nacio-
nal de Saúde (Funasa) para o co-
mandante da Polícia Militar de
Minas Gerais, coronel Giovanne
Gomes da Silva. A indicação par-
tiu do deputado Diego Andrade
(PSD-MG), em negociação feita
pelo presidente da sigla, Gilber-
to Kassab. Cobiçada, a Funasa é
responsável por obras de sanea-
mento e tem orçamento de R$
3,1 bilhões. O Centrão já tem o
comando de outros órgãos, co-
mo o Departamento Nacional
de Obras Contra a Seca (Dnocs).
/ MATEUS VARGAS e LUCI RIBEIRO
Compartilhamento de
provas dará elementos
à apuração que tem
potencial de cassar a
chapa Bolsonaro-Mourão
Inquérito pode dar fôlego a ação no TSE
DIDA SAMPAIO/ESTADAO-14/5/
Em representação,
à Corte de contas,
subprocurador compara
‘gabinete do ódio’ a uma
Parceria Público-Privada
TCU quer apurar
se grupo utilizou
recursos públicos
TCU. Lucas Furtado, subprocurador do Tribunal de Contas