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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 Economia B5
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Adriana Fernandes
Camila Turtelli / BRASÍLIA
O aumento da pobreza no
País com a covid-19 e a necessi-
dade de garantir uma porta de
saída para quem recebe o auxí-
lio emergencial de R$ 600 du-
rante a pandemia colocaram a
pauta social no centro da agen-
da político-econômica do
País. Com uma pauta focada
até agora no ajuste das contas
públicas, privatizações e refor-
ma do Estado, a equipe do mi-
nistro da Economia, Paulo
Guedes, faz movimentos para
não chegar atrasada na discus-
são que avança no Congresso
para a criação de um progra-
ma de renda mínima.
No cenário pós-pandemia, a
proposta de reforma tributária
deve ganhar espaço para abrigar
mudanças que permitam bancar
o financiamento do novo progra-
ma. A expectativa é que os textos
já em discussão no Congresso so-
fram modificações.
Especialistas e parlamenta-
res avaliam que a concessão de
uma renda mínima para a popu-
lação mais pobre pode ser viá-
vel, mas terá de passar necessa-
riamente pela reforma tributá-
ria e pelo debate da revisão das
regras fiscais, inclusive do teto
de gastos (regra que impede o
crescimento das despesas aci-
ma da inflação).
A ideia em discussão no Con-
gresso é ampliar a proteção da-
da hoje pelo Bolsa Família de
20% para 50% da população, ele-
vando o gasto com o programa
de 0,4% para 1% a 1,5% do PIB –
desafio ainda maior dado o ce-
nário de crise econômica.
O problema, segundo especia-
listas, é como passar do auxílio de
R$ 600 para um modelo de renda
mínima. Uma das ideias é imple-
mentar um programa na esteira
do auxílio, com um período de
transição e redução do valor pago
a um montante considerado sus-
tentável pelos cofres públicos –
hoje, o benefício médio do Bolsa
Família é de R$ 200 mensais.
Para fazer essa transição, o go-
verno tenta emplacar a propos-
ta de remanejamento dos cha-
mados gastos tributários para
abrir espaço no teto, com a extin-
ção de programas como abono
salarial e seguro-defeso (pago a
pescadores artesanais), conside-
rados ineficientes pelo governo.
Enquanto isso, a Câmara se
mobiliza para criar uma frente
parlamentar em defesa da ren-
da básica. À frente da iniciativa,
o deputado João Campos (PSB-
PE) estuda uma proposta legis-
lativa para a criação do progra-
ma. “Conversei com lideran-
ças, inclusive do Centrão, e acre-
dito que será algo muito próxi-
mo de ser executado”, afirmou.
“A crise escancarou a necessida-
de de distribuição de renda no
Brasil.”
‘Zona de conforto’. Especialis-
ta na área tributária, o economis-
ta Rodrigo Orair, do Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplica-
das (Ipea), adverte que a conces-
são do benefício de renda míni-
ma é incompatível com as re-
gras atuais. “O benefício não ca-
be no teto”, diz ele. Por isso, de
acordo Orair, essas despesas de-
vem ficar de fora da regra consti-
tucional, como já acontece, em
menor escala, nos gastos milita-
res e de meio ambiente.
Para o economista Daniel Du-
que, pesquisador do Instituto
Brasileiro de Economia (Ibre),
a pandemia empurrou a discus-
são da reforma da assistência so-
cial no Brasil, “Estamos basica-
mente há 15 anos numa zona de
conforto que o Bolsa Família
criou e que foi uma grande ino-
vação, mas que não sofre nenhu-
ma alteração desde 2013.”
Ele defende a unificação dos
programas sociais e avalia que o
custo adicional para a concessão
de uma renda mínima é de R$
265 bilhões, cujo financiamento
exigiria mudanças tributárias.
Já o presidente da Rede Brasi-
leira de Renda Básica , Leandro
Ferreira, diz que é preciso racio-
nalizar os benefícios sociais com
a sua unificação. Ele defende mu-
danças tributárias e a revisão do
abono salarial, mas alerta que a
mudança não pode deixar em si-
tuação pior os seus beneficiários.
BRASÍLIA
A Câmara avança na discussão
de mudanças na pauta social. O
relator da reforma tributária e
líder da maioria, deputado Agui-
naldo Ribeiro (PP-PB), disse ao
Estadão/Broadcast que essa
agenda será discutida no âmbi-
to da reforma tributária. “É um
ponto que deverá ser levado pe-
las circunstâncias da pandemia
da covid-19 também na discus-
são da reforma tributária. Até
porque já estamos vendo isso”,
afirma o relator.
Segundo o deputado João
Campos (PSB-PE), a ideia é
criar um programa de renda
mínima que dê continuidade ao
auxílio emergencial de R$ 600 –
que, inicialmente, seria pago du-
rante apenas três meses. O dile-
ma é calcular qual o porcentual
do PIB do País que poderia ser
usado para a rede de proteção
social, ainda mais em um cená-
rio de crise econômica.
O formato desse programa
deve ser discutido na frente par-
lamentar que ele propôs criar e
também pelos parlamentares
que debatem a agenda social. O
deputado Felipe Rigoni (PSB-
ES) deve liderar as discussões
nesse grupo com João Campos.
Uma das hipóteses seria focar o
programa em quem tem renda
de até meio salário mínimo (ho-
je, R$ 522,50) e também tratar
de uma renda universal para
crianças, mas os moldes ainda
estão sendo estudados.
‘Juntar’ programas. O presi-
dente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), defende a continui-
dade do benefício de R$ 600
por mais um ou dois meses. “De-
pois, vamos pensar em pegar to-
dos os programas e avaliar um
programa permanente de ren-
da mínima no Brasil. Pode ser
um caminho que a Câmara já co-
meçou a debater inclusive”, dis-
se Maia ao Estadão/Broadcast.
O líder do Cidadania, deputa-
do Arnaldo Jardim (SP), quer fo-
car a discussão atual na prorro-
gação do auxílio emergencial.
Ele propôs a criação de uma co-
missão para debater essa exten-
são, enquanto o seu partido pro-
tocolou um projeto para esten-
der o programa por mais tempo
do que os três meses propostos
inicialmente.
“Acho que as novas relações
de trabalho que já estavam pre-
vistas – e que agora são antecipa-
das e acirradas por toda crise –
colocarão no pós-pandemia um
debate aqui no Brasil, embora
seja no mundo, sobre uma ren-
da mínima universal, mas agora
temos de focar na renda emer-
gencial”, disse o deputado.
Para o presidente do MDB, Ba-
leia Rossi (SP), mudanças na
agenda social têm de envolver a
equipe econômica. “Acho que
qualquer proposta sobre um no-
vo programa nesses moldes pre-
cisa de um amplo debate com o
Ministério da Economia. Te-
mos de cuidar dos vulneráveis,
mas precisamos também voltar
a discutir a pauta de ajuste fiscal
pós pandemia”, disse.
“Seria muito importante de-
bater a criação de um programa
de renda mínima após a pande-
mia. O parlamentar deve dialo-
gar com o Poder Executivo para
ver o que pode ser feito. Não
liderar, mas em conjunto”, afir-
mou por sua vez o presidente
do Republicanos, deputado
Marcos Pereira (SP).
Para o especialista na área so-
cial e assessor da Câmara Mari-
valdo Pereira, dificilmente se
conseguirá sustentar uma ren-
da mínima se não tiver uma po-
lítica de justiça social mais am-
pla. “Hoje, a gente cobra muito
mais tributo dos mais pobres
do que os mais ricos. A diarista
paga a mesma quantidade de im-
posto num quilo do feijão do
que um banqueiro.” Segundo
ele, é preciso ter novas faixas do
Imposto de Renda para quem
ganha mais. / C.T. e A.F.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
l‘Programa permanente’
Câmara quer tema discutido junto com reforma tributária
lBolsa Família
Acordo fixa
prazo para
liberar auxílio
Pandemia faz acelerar rejeição à globalização. Pág. B6 }
MICHEL JESUS/ CÂMARA DOS DEPUTADOS - 5/12/2019
Deputados defendem
novo programa social
como forma de enfrentar
efeitos provocados pela
covid-19 na economia
“Vamos pensar em pegar
todos os programas (sociais
existentes hoje) e avaliar
(criar) um programa
permanente de renda
mínima no Brasil.”
Rodrigo Maia (DEM-RJ)
PRESIDENTE DA CÂMARA
Iniciativa. Campos propôs criação de frente parlamentar
Equipe econômica
avalia programa
de renda mínima
“Estamos há 15 anos numa
zona de conforto que o
Bolsa Família criou, mas
que não sofre nenhuma
alteração desde 2013.”
Daniel Duque
PESQUISADOR DO IBRE
Sob pressão da Câmara, que propõe ampliar Bolsa Família, governo
quer remanejar gastos tributários para abrir espaço no Orçamento
Programa social. Equipe do ministro Paulo Guedes tenta influir em debates no Congresso
Idiana Tomazelli / BRASÍLIA
Após reclamações pela demora
na análise dos pedidos de libera-
ção do auxílio emergencial de
R$ 600, o governo fechou acor-
do com a Caixa, a Dataprev e a
Defensoria Pública da União pa-
ra que essa avaliação seja feita
num prazo de até 20 dias corri-
dos. Em redes sociais, usuários
chegam a relatar espera supe-
rior a 40 dias para receber uma
resposta da solicitação.
“A negociação tem abrangên-
cia nacional e pretende dimi-
nuir o número de ações judi-
ciais relacionadas ao assunto,
bem como facilitar o acesso ao
benefício por milhões de brasi-
leiros”, diz a Advocacia-Geral
da União (AGU), uma das par-
tes envolvidas no acordo, que
incluiu também o Ministério da
Cidadania.
A conciliação foi celebrada
nos autos de uma ação civil pú-
blica movida pela Defensoria
Pública da União (DPU) em Mi-
nas Gerais com o objetivo de
responsabilizar a União, a Cai-
xa e a Dataprev por suposta de-
mora nos procedimentos de
análise e concessão do auxílio.
A Caixa faz a coleta inicial dos
dados, que são enviados à Data-
prev para processamento e
análise. A Dataprev faz os cruza-
mentos necessários para verifi-
car se o trabalhador preenche
os requisitos para o recebimen-
to do benefício. A resposta é, en-
tão, enviada à Caixa, que repas-
sa a informação ao requerente e
faz o pagamento.