O Estado de São Paulo (2020-05-31)

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B8 Economia DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


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ENTREVISTA


Bruno Capelas


Um dos pioneiros da internet


no Brasil, o engenheiro eletricis-


ta Demi Getschko acompa-


nhou as transformações da re-


de nas últimas três décadas – da


época das redes acadêmicas até


o cenário atual, em que três


quartos dos brasileiros aces-


sam a rede, como revelado pela


pesquisa TIC Domicílios, divul-


gada nesta semana.


Mais que isso, Demi ajudou a


escrever a história da internet


no País – desde 1995, ele é conse-


lheiro por notório saber do Co-


mitê Gestor da Internet no Bra-


sil (CGI.br). A entidade, que


completa 25 anos neste domin-


go, tem um papel fundamental


na digitalização do País, cuidan-


do de aspectos como a infraes-


trutura da rede, os domínios


“.br” e padrões de segurança.


Mas, para o engenheiro, que


também é colunista do Esta-


dão, ainda há muito o que avan-


çar: “Eu gostaria que todos esti-


vessem conectados à internet,


até porque a falta de acesso à


internet cria castas”.


Na entrevista concedida à re-


portagem, ele fala sobre o aces-


so à rede e à educação digital,


conta como é seu hábito de uso


da internet e discute temas em


pauta no momento – como a


aceleração da digitalização por


conta da pandemia, a lei das


fake news em debate no Con-


gresso e o uso de criptografia


em apps como o WhatsApp,


pauta de julgamento no Supre-


mo Tribunal Federal (STF) na


última semana. A seguir, os prin-


cipais trechos da entrevista.


lHoje, um quarto do Brasil está


desconectado. Como aumentar o


acesso à rede e fazer novos usuá-


rios entenderem como funciona?


Esse não é um número ruim,


considerando que só metade


dos brasileiros estava conecta-


do há alguns anos. Estamos


avançando bem. A internet é


um ímã muito forte para as pes-


soas, todo mundo que puder en-


trar, vai entrar. E o Brasil, com


o tamanho que tem, não é um


país trivial de se conectar. Eu


gostaria que todos estivessem


conectados à internet. E não
acredito que se deve parar o es-
forço de conectar mais pessoas,
só porque há malfeitores ou ris-
cos na rede. Seria uma tutela
que não faz parte do meu esque-
ma de pensamento. O que é pre-
ciso é impedir que se faça o mal
às pessoas, indo atrás dos mal-
feitores e trabalhando na educa-
ção das pessoas para que elas se-
jam cientes dos riscos que a in-
ternet tem. A educação dos no-
vos usuários na internet é um di-
lema mundial, mas o esforço de
acesso é prioritário, porque a
falta de acesso à internet cria
castas. A gente precisa traba-
lhar para que essas castas não
existam – e é melhor que as pes-
soas ralem o joelho do que elas
não possam andar.

lQual seu hábito de uso da rede?
Eu sou do time que fica bastan-
te grudado no computador. Es-
tou neste momento usando um
computador de mesa. Prefiro
do que celular. A pesquisa TIC
Domicílios mostrou um cresci-
mento no uso do celular, tem
uma porcentagem grande de
brasileiros que só usa a rede pe-
lo celular. Eu gosto dos celula-
res, mas acredito que seu uso é
pouco profundo. É como ler a
manchete e não o texto. Tende
a ser um uso mais imediatista e
superficial, acredito que há cer-

tos dispositivos que dão mais in-
trospecção e mais espaço para
se digerir algo com calma. Mas
acredito que há mudanças de
comportamento vindo aí – e es-
pero que quem usa o celular pos-
sa ter profundidade também.

lO CGI faz 25 anos hoje. Como
o sr. explica sua importância?
A contribuição do CGI é maiús-
cula na legislação da internet
que temos hoje no Brasil. O

que o CGI faz é proteger a inter-
net e auxiliar o País a ter uma le-
gislação invejada lá fora, com o
Marco Civil da Internet e ago-
ra, com a Lei Geral de Proteção
de Dados. Antes do Marco Ci-
vil, as leis que zanzavam no
Congresso eram restritivas. O
Marco Civil é propositivo, ele
veio estabelecer as regras do jo-
go – afinal, antes de apitar uma
falta, é preciso saber o que é
uma falta. É preciso tomar cui-
dado com novas leis. Mas é pre-
ciso deixar claro que o CGI não
tem o papel de regular.

lCorre no Congresso atualmen-
te uma lei para regular as fake
news. Como o sr. vê a atual regu-
lação da internet no País?
Acredito nos princípios origi-
nais da internet. E acredito nu-
ma internet mundial. Não exis-
te a internet do Brasil, mas sim
a internet no Brasil. Não há
uma rede num único país. E
acredito que a regulação na in-
ternet deve ser tomada com ex-
tremo cuidado. A questão das
notícias falsas é ainda mais
complexa: é algo que é filosofi-
camente difícil de se definir.
Quem gera notícias deliberada-
mente enganosas precisa ser pu-
nido, mas não é preciso criar
uma nova lei para isso. Acredi-
tar em mecanismos que auto-
controlem esse aspecto, como
inteligência artificial, também é
um problema. Especialmente

porque é algo que talvez possa
só ser feito por grandes, mas
não por pequenos, o que gera-
ria um problema de concorrên-
cia. Creio que tudo tem de ser
visto com um grão de sal. Além
disso, querer dar a alguns ato-
res da rede, que têm muito po-
der, o poder de decidir o que é
bom ou não para os usuários pa-
rece algo extremamente perigo-
so. Desconfio quando uma em-
presa diz que é favorável à regu-
lação e até a propõe. É assusta-
dor, afinal, ela está legislando
em causa própria. O que é preci-
so haver são medidas para que
se impeçam os malfeitos na re-
de – e ela nos dá ferramentas pa-
ra isso. Quantos pedófilos não
foram presos com a ajuda da in-
ternet? Eles não viraram pedófi-
los por causa da internet, mas a
internet permitiu rastreá-los.

lO sr. tem escrito sobre a impor-
tância da criptografia de fim a
fim. É um tema que foi debatido
no STF, no julgamento sobre os
bloqueios ao WhatsApp. Por que
a criptografia importa tanto?
A criptografia é uma forma de
preservar a privacidade dos indi-
víduos. É bastante sofisticada e
ela faz parte do direito do cida-
dão de se comunicar da forma
que achar melhor, sem precisar
abrir isso para ninguém. Quem
está interessado em saber o que
houve numa conversa que se es-
force em descobrir. Agora, criar
uma “porta”, um segredo, para
facilitar a investigação não é ra-
zoável. Existe o direito à investi-
gação, mas ninguém deixa a cha-
ve de casa debaixo do tapete pa-
ra que a polícia entre quando
precisar. Até porque essa é uma
solução que não ficaria restrita
à mão dos homens de bem.

lTem sido dito que o isolamento
está ajudando a acelerar a digita-
lização. Como vê esse processo?
O isolamento nos obrigou a
usar a internet de uma forma ab-
surdamente inusitada em todos
os setores. Muita gente que não
estava exposta a essas formas
novas, agora está. Temos consul-
tas médicas e aulas para crian-
ças pela internet. Isso expõe a
solidez e a importância da inter-
net como ferramenta, mas tam-
bém evidencia problemas:
quem mora num lugar que não
têm acesso à rede ficou sem
apoio – uma criança que não
tem conexão, por exemplo, não
tem como acompanhar suas au-
las agora. É preciso cuidar disso.

Taylor Lorenz


THE NEW YORK TIMES


Quando saiu de casa em Charlot-


te no dia 1.º de abril para morar


em uma mansão de Los Angeles


com sete influenciadores, Gian-


luca Conte, de 20 anos, já espera-


va passar a maior parte das sema-


nas seguintes confinado na pro-


priedade. É verdade que a Cali-


fórnia estava sob ordens de ficar


em casa, mas ele não se importa-


va: o trabalho dele seria em casa


mesmo, fazendo vídeos com os


novos colegas de quarto. Segun-


do a maioria dos jovens criado-


res de conteúdo, para fazer su-


cesso na internet hoje é necessá-


rio estar em Los Angeles – nem


que seja preso dentro de casa em


meio a uma pandemia.


“Vivemos rodeados de in-


fluência”, disse Conte. “Em LA,


em uma conversa com quatro


pessoas, uma delas provavel-


mente terá mais de 100 mil se-


guidores no Instagram. Até pes-
soas que não tratam as redes so-
ciais como prioridade têm 20
mil seguidores simplesmente
por estarem aqui em LA.”
É por conta disso que começa-
ram a surgir, pela cidade, dúzias
de casas compartilhadas por in-
fluenciadores do TikTok, rede
social chinesa de vídeos curtos
que conquistou a internet. Mis-
to de república universitária e
palacete habitado pelos jovens
astros da plataforma, é também
o local de onde eles trabalham
para expandir seus impérios
nas redes sociais.
Ainda que partes do Estado es-
tejam reabrindo lentamente, é
provável que Los Angeles esteja
entre as últimas cidades a rea-
brir. Mas os influenciadores do
TikTok seguem rumando para a
cidade. E, em meio à ordem gene-
ralizada que mantém os habitan-
tes em suas casas, seu público fi-
cou maior do que nunca: o Tik-
Tok ultrapassou em março a
marca de 2 bilhões de down-
loads, após quebrar o recorde de
instalações de aplicativo em um
trimestre, de acordo com a firma
de pesquisas Sensor Tower.
“É a oportunidade de ouro pa-
ra fazer o que eu quiser com a

minha vida”, disse Conte. “Eu
poderia seguir com os vídeos de
casa em Charlotte e fazer acor-
dos com marcas, mas quero al-
cançar o mais alto patamar pos-
sível. Tenho a sensação de pro-
gredir a cada segundo desde
que cheguei aqui.”

Migração. Entre o início de de-
zembro e a semana passada, as-
tros do TikTok de todo o territó-
rio dos EUA alugaram casas nos
melhores endereços de Los Ange-
les, na esperança de capitalizar
com a proximidade de talentos.
Agora, estão de quarentena
em suas mansões sem saber
quando poderão sair. Os rapa-
zes da Kids Next Door ficam em
uma mansão de Los Feliz. Os
membros da Clubhouse, funda-
da em parte pela ex-Hype Hou-
se Daisy Keech, estão isolados
em um vasto retiro moderno de
Beverly Hills. O FaZe Clan, for-
mado por craques dos jogos ele-
trônicos, foi morar recentemen-
te na antiga mansão de Justin
Bieber em Burbank, com jar-

dim, lago e piscina. Há também
dez influenciadores isolados na
Hype House, a primeira das “re-
públicas” do TikTok.
Ainda que proteger-se da pan-
demia com os amigos em uma
mansão (ou complexo) de mi-
lhões de dólares pareça diverti-
do, os moradores dessas repúbli-
cas descreveram problemas se-
melhantes àqueles enfrentados
todos os dias por milhões de pes-
soas em todo o mundo. “É meio
surreal”, disse Abby Rao, 21 anos,
que fundou a Clubhouse com
Daisy Keech. “Estou me pergun-
tando quando isso vai acabar.
Percebi quantas coisas dávamos
como garantidas antes: poder
simplesmente ir à nossa praia fa-
vorita, tirar fotos e fazer um pi-

quenique, ou ir ao cinema.”
Do outro lado da cidade, os mo-
radores da Sway House têm se
adaptado a uma vida mais calma
no isolamento. “Para começar,
há muito menos festas”, disse
Josh Richards, 18 anos, astro do
TikTok com 17,5 milhões de se-
guidores. “Nós, Sway Boys, te-
mos um estilo de vida que envol-
ve muitas baladas.” (A julgar pe-
las publicações do Instagram, os
moradores da casa têm recebido
amigos. Em vídeo publicado na
semana passada, seus convida-
dos fizeram coreografias para su-
cessos do TikTok, brincadeiras
com cerveja e outras bebidas.)
Desde o início da quarentena
em Los Angeles, Richards e seus
cinco colegas viram o mundo
ser reduzido... às generosas di-
mensões de sua casa de 835 me-
tros quadrados. Eles se dis-
traem com batalhas de paintball
e brincadeiras de “verdade ou de-
safio”, tudo filmado para o You-
Tube. Quanto à alimentação,
“todos os dias fazemos pedidos
pelo Uber Eats e outros apps de
entregas”, disse Richards.
As parcerias com marcas e via-
gens patrocinadas evaporaram,
e as colaborações entre as “repú-
blicas” praticamente desapare-
ceram. Diomi Cordero, gestor
de talentos que supervisiona a
Diomi House, em North
Hollywood, disse que seus clien-
tes só podem sair de casa em
oportunidades muito específi-
cas, e somente se o parceiro esti-
ver em isolamento há pelo me-
nos duas semanas. / TRADUÇÃO DE
AUGUSTO CALIL

6


lContrastes


lMultidões


FELIPE RAU/ESTADÃO - 16/5/2014

75%
dos brasileiros têm acesso à in-
ternet hoje, segundo a pesquisa
TIC Domicílios, feita pelo NIC.br

58%
dos brasileiros conectados aces-
sam a rede apenas pelo celular

‘A falta de acesso à internet


acaba criando castas’


Pioneiro da internet no


País fala sobre expansão


do acesso, lei das fake


news e defende o uso da


criptografia de fim a fim


Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil e diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)


MICHELLE GROSKOPF/THE NEW YORK TIMES

Influenciadores da rede


dividem casas (e o


confinamento) nos EUA,


em misto de república e


mansão da ‘nova mídia’


2 bilhões
de downloads teve o TikTok, se-
gundo a consultoria SensorTower

US$ 100 bi
é a avaliação mínima de mercado
do TikTok, segundo a ‘Bloomberg’

A vida na quarentena


de uma casa cheia de


criadores do TikTok


Longe das baladas. Moradores da Sway House têm se adaptado à vida calma no isolamento

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