O Estado de São Paulo (2020-05-31)

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H6 Especial DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Fernando Scheller


Giovanna Wolf


O setor hoteleiro se prepara pa-


ra a retomada das atividades


com a adoção de uma série de


medidas de segurança. De acor-


do com estudo da consultoria


Hotel Invest, 64% dos hotéis


brasileiros fecharam tempora-


riamente as portas desde mar-


ço. A parcela que se manteve


aberta ficou no vermelho, pois a


taxa de ocupação despencou


abaixo de 10%. Apesar de a pan-


demia ainda estar em acelera-


ção no País, 57% dos hotéis que


ficaram parados pretendem rea-


brir em junho e julho.


Para atrair o consumidor, as


companhias hoteleiras estão


primeiro focando na higiene. Lí-


der do setor no País, a rede fran-


cesa Accor, dona de marcas co-


mo Ibis e Mercure, já reabriu


cerca de um terço de seus ho-


téis. Por segurança, oferece no


máximo 60% dos quartos ao


mercado, em sistema de rota-


ção, dando um “descanso” míni-


mo de 24 horas antes de reser-


var uma mesma unidade.


Como a demanda está muito


baixa, manter parte da oferta


inativa pode ser uma forma de


baixar custos. “Hoje, a ocupa-


ção média dos hotéis que estão


abertos está entre 15% e 25%”,


diz Carlos Bernardo, diretor re-


gional de hotéis econômicos e


de médio padrão da Accor.


Embora o movimento ainda


seja insuficiente para cobrir os


custos da operação, o protocolo


de reabertura vai ser acelerado:


dos 300 hotéis da rede no País,


103 estão em funcionamento. A


partir de amanhã, a companhia
pretende abrir mais 23.

Certificação. Assim como ou-
tras marcas, a Accor foi buscar
certificação externa para comu-
nicar ao cliente que está fazen-
do todos os esforços para evitar
contaminação. A Bureau Veri-
tas criou a certificação Safe-
guard (Distância Segura), que
inclui regras de distanciamento
social e limpeza.
Também com a maioria dos
hotéis fechados no Brasil, a re-
de Blue Tree traça planos para
quando for permitido receber
hóspedes novamente. Em vez
de bufês de comida, a ideia é ofe-
recer serviços
de quarto em
embalagens
de marmitas.
Outra prática
será fazer in-
tervalos de 48
horas entre a
ocupação dos
apartamentos. “Os hospitais
aprendiam hospitalidade com a
hotelaria. Agora, teremos de tra-
zer os cuidados sanitários dos
hospitais para dentro dos ho-
téis”, diz Chieko Aoki, presiden-
te da rede.
Ainda sem data prevista para
o retorno da operação, o Fair-
mont Copacabana, hotel de lu-
xo no Rio, se organiza para as
novas necessidades. “Estamos
avaliando limite de pessoas nas
academias e distribuição para
os clientes de kits com máscara
e álcool em gel”, afirma Michael
Nagy, diretor de Marketing e
Vendas do Fairmont.
O Estadão procurou várias re-

des hoteleiras sobre o protocolo
para a reabertura. Entre as medi-
das já adotadas estão: esteriliza-
ção de sapatos na entrada, to-
tens de atendimento virtual na
recepção, instalação de prote-
ção de acrílico nos momentos de
interação presencial, fechamen-
to de restaurantes e distribuição
de álcool em gel e máscaras.

Recuperação lenta. A pesqui-
sa da Hotel Invest – feita em par-
ceria com a Omnibees, a STR, e
o Fórum de Operadores Hote-
leiros do Brasil (FOHB) – prevê
queda de até 70% da demanda
no acumulado de 2020, em rela-
ção ao ano passado. A perspecti-
va pessimista
se justifica pe-
la queda acen-
tuada do setor
aéreo e pelo
cancelamento
de grandes
eventos.
“Mesmo
com muitos eventos tendo sido
remarcados, a evolução da pan-
demia não está clara. Portanto,
nada impede novos adiamentos
ou cancelamentos”, diz Pedro
Cypriano, sócio da Hotel Invest.
Operar sem prejuízo não será
fácil. De um lado, fechar restau-
rantes e bloquear parte das ins-
talações ajuda a reduzir o custo.
De outro, os protocolos de lim-
peza mais exigentes ampliam
gastos. Em um cenário normal,
a ocupação mínima necessária
para que um hotel de baixo cus-
to atinja o equilíbrio financeiro
é de 37%. Agora, o desafio é con-
seguir operar com 25% ou 30%
da capacidade sem perder di-

nheiro, diz Cypriano.
Para Orlando de Sousa, presi-
dente do Fórum de Operadores
Hoteleiros do Brasil, haverá
uma inevitável redução da ofer-
ta de hotéis e redefinição de algu-
mas propriedades. “Os apart-ho-
téis, que atuam de forma híbri-
da, podem ser convertidos em
edifícios residenciais puros.”

Transporte aéreo. Na semana
passada, Anac e Anvisa publica-
ram protocolo com novas medi-
das sanitárias para empresas aé-
reas e aeroportos, com o intuito
de preparar o setor aéreo para a
retomada. Entre as diretrizes,
estão o uso de máscara por pas-
sageiros e funcionários, a orga-
nização do embarque e do de-
sembarque por filas para evitar
aglomerações e também a sus-
pensão de serviço de bordo nos
voos nacionais.
Uma prática que deve se tor-
nar padrão é a chegada com an-
tecedência ao aeroporto. “To-
dos os processos, como raio X,
precisam de distanciamento.
Tudo fica mais lento”, diz Mar-
celo Bento Ribeiro, diretor de
Alianças e Relações Institucio-
nais da Azul.
Além disso, ao redor do mun-
do, tem sido debatida a necessi-
dade de deixar a poltrona do
meio vazia, mas essa não é uma
medida prevista aqui. “Não esta-
mos discutindo a redução de pas-
sageiros. As aeronaves têm siste-
ma de filtragem que renova o ar
a cada três minutos, e há a dire-
triz de uso de máscaras por to-
dos”, diz Eduardo Sanovicz, pre-
sidente da Associação Brasileira
das Empresas Aéreas (Abear).

Giovanna Wolf


A reabertura das praias em Bar-


celona, na Espanha, veio acom-


panhada de restrições para man-


ter o distanciamento social: o


banho de mar foi proibido e fo-


ram estipulados horários de


acesso para diferentes grupos e


atividades – entre 6 horas e 10


horas da manhã, por exemplo,


só adultos podem usar a praia


(para atividades físicas e cami-


nhadas), enquanto há outra fai-


xa de horário destinada a idosos


e também uma para crianças


acompanhadas de adultos. Em


outros lugares, como na Fran-


ça, em Sydney, na Austrália, e


no litoral próximo a Roma, na


Itália, as praias foram reabertas


somente para atividades físicas


individuais, com veto ao banho


de sol. Os parques, sempre


cheios antes da pandemia, tam-


bém terão de se adaptar – ficou


famosa a foto de um parque em


Nova York que demarcou a gra-


ma com grandes círculos para


manter o distanciamento so-


cial entre diferentes grupos. Se-


rá que no Brasil devemos ter ex-


periências semelhantes em al-


gum momento?


Segundo especialistas ouvi-


dos pelo Estadão, mesmo espa-


ços ao ar livre, como praias, par-


ques e feiras livres, exigirão al-


guns cuidados na retomada.


“Quando começar uma reaber-


tura aqui no Brasil, atividades
em espaços abertos serão as pri-
meiras a ser estimuladas, uma
vez que ambientes fechados
tendem a ser propícios a aglo-
meração e têm pouca ventila-
ção. Mas as regras de distancia-
mento social continuarão a ser
importantes nesses lugares”,
diz o infectologista Marco Auré-
lio Safadi, da Faculdade de Ciên-
cias Médicas da Santa Casa de
São Paulo.
A brasileira Isabelle Guedes,
de 22 anos, pode ir à praia com
as novas regras exigidas pelo ce-
nário de pandemia – ela se mu-
dou para Málaga, na Espanha,
para um intercâmbio universitá-
rio, e permaneceu no país du-
rante a quarentena. “Fui cami-
nhar e andar
de bicicleta na
praia algumas
vezes agora na
reabertura”,
conta. “Por en-
quanto não po-
de tomar ba-
nho no mar
nem tomar sol. Também há poli-
ciamento e faixas nos bancos e
nos chuveiros, para as pessoas
não usarem.”
Na visão do urbanista Valter
Caldana Júnior, professor da
Universidade Presbiteriana
Mackenzie, para a adaptação
desses ambientes funcionar
aqui no Brasil não bastará ape-
nas importar os modelos que es-
tão sendo adotados na Europa.
“Nós não somos a Europa, te-
mos grandes diferenças sejam
elas culturais, educacionais ou
socioeconômicas. Temos um
clima privilegiado para os espa-
ços públicos ao ar livre, por

exemplo. Vamos precisar estu-
dar propostas condizentes com
a nossa realidade”, diz.
Plínio Trabasso, médico in-
fectologista da Unicamp, acre-
dita que será difícil proibir a po-
pulação de tomar sol quando as
praias forem reabertas aqui.
“Um caminho possível será res-
tringir atividades como futebol
e vôlei, que sugerem contato
físico muito grande. Também
serão importantes o distancia-
mento dos núcleos familiares
na areia e a higienização de equi-
pamentos como cadeiras e guar-
da-sóis com água e sabão”, afir-
ma. Para Fernando Bellissimo,
professor da Faculdade de Me-
dicina da USP de Ribeirão Pre-
to, deverá haver também uma
preocupação
com o comér-
cio ambulante
nas praias bra-
sileiras: “Há
manipulação
de alimentos
sem higieniza-
ção. Já era um
risco antes da pandemia, agora
merecerá mais atenção”.
No caso das feiras, Trabasso,
da Unicamp, alerta para a im-
portância de manter distancia-
mento entre as tendas, assim co-
mo marcações para haver um es-
paço lateral entre os clientes na
hora de conversar com o aten-
dente na barraca – feirantes na
França tentam resolver esse
problema usando uma boa ca-
mada de filme plástico para
manter distância do público.
“Será importante também
evitar o toque nos produtos,
principalmente os consumidos
crus”, lembra o especialista.

Parques. O controle em par-
ques vai no mesmo sentido. “O
distanciamento social precisa-
rá ser mantido. Em parques
com portaria, será possível cal-
cular o número de pessoas e só
permitir a entrada até determi-
nado limite do espaço, para evi-
tar aglomerações”, diz Alexan-
dre Barbosa, professor-doutor
de infectologia da Unesp e
membro da Sociedade Brasilei-
ra de Infectologia (SBI). Na vi-
são de Barbosa, deverá haver
também uma fiscalização edu-
cativa, chamando a atenção de
grupos que estiverem desres-
peitando as regras de distancia-
mento: “A melhor saída é edu-
car as pessoas e trabalhar junto
com a população para construir
essa nova realidade”.
Para a maioria dos especialis-
tas ouvidos pelo Estadão, en-
tretanto, essas reaberturas de-
vem acontecer quando o País
apresentar queda na tendência
de mortes diárias por covid-19 e
quando houver maior disponi-
bilidade de testes de detecção
da doença – realidade distante.
Nos lugares em que já se expe-
rimenta esse novo cenário, os
espaços ao ar livre, por oferece-
rem uma segurança maior no
que diz respeito à disseminação
do vírus, estão ganhando mais
atenção das pessoas nas cida-
des. Está sendo assim em Ro-
ma, na Itália, conta Julia Mar-
tins, brasileira de 23 anos que
está no país para estudar Comu-
nicação. “Me sinto mais segura
de ir a um parque do que a um
bar fechado. Os parques são ago-
ra os lugares onde as pessoas
sentem mais liberdade”, diz ela,
ressaltando que nas entradas
dos parques há placas orientan-
do sobre o uso de máscara e o
distanciamento social.
Para o urbanista Valter Calda-
na Júnior, a tendência é mesmo
uma supervalorização dos espa-
ços públicos na retomada.

SETOR AÉREO DESCARTA


DEIXAR POLTRONA DO


MEIO VAZIA PARA MANTER


DISTANCIAMENTO


ATIVIDADES AO AR LIVRE


DEVEM SER


SUPERVALORIZADAS A


PARTIR DE AGORA


PARQUES E PRAIAS VIRAM


UM QUEBRA-CABEÇAS


Intervalos de 48h para ocupação de quartos, atendimento virtual e restaurantes


fechados: estabelecimentos buscam soluções para convencer hóspede a voltar


Em reabertura social,


Brasil terá de estudar


propostas para o


distanciamento em


espaços ao ar livre


Vidas em Quarentena*


WASHINGTON ALVES/ESTADÃO

Belo Horizonte. Reforço nas medidas de higiene em hotel


HOTÉIS INOVAM


EM CENÁRIO DESOLADOR


Tóquio. Funcionário da Japan Airlines higieniza avião


KIM KYUNG-HOON/REUTERS
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