O Estado de São Paulo (2020-05-31)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 Especial H7


FIM DA LOTAÇÃO


NOS CINEMAS


E TEATROS


Gilberto Amendola


A economia criativa foi um dos
setores mais atingidos pelas res-
trições causadas pela pandemia
de covid-19. A força da vida cul-
tural de uma cidade como São
Paulo está em suas salas de cine-
ma, em teatros, museus e casas
de espetáculo. Por ora, eles se-
guem fechados, embora já exis-
tam planos e um olhar atento
para o que está acontecendo em
outros países, que também se-
guem em busca de soluções.
Que o show tem de continuar
todos sabem. Mas como e quan-
do vai depender dos desdobra-
mentos da crise deflagrada pelo
novo coronavírus.
Segundo o titular da Secreta-
ria de Cultura e Economia Cria-
tiva do Estado de São Paulo, Sér-
gio Sá Leitão, as medidas para o
setor seguirão as orientações
do comitê de contingência da
covid-19 e aproveitarão expe-
riências internacionais como
base. “Vamos aprender com a
experiência de outros países pa-
ra entender o que pode dar cer-
to e o que é inviável”, diz. Basica-
mente, as atividades no setor
vão ocorrer na fase 5 do plano
de reabertura, quando a capital
paulista entrar na “zona azul”,

que prevê a liberação de todas
as atividades econômicas.
Em relação aos museus, Sá
Leitão adianta medidas que de-
vem ser tomadas tão logo os es-
paços possam voltar a ser ocu-
pados – como o distanciamento
de 1,5 metro entre as pessoas,
medição de temperatura na en-
trada e permissão de ocupação
de 35% da capacidade. “Vamos
estimular as atividades de mo-
do digital e virtual, sem uso de
papel-moeda, como compra de
ingressos e horários marcados
pela internet.”
A direção do Masp informa es-
tar discutindo protocolos inter-
namente, com órgãos estaduais
e municipais e com outras insti-
tuições museológicas para que
a reabertura seja feita da me-
lhor forma possível, mas consi-
dera “precipitado listar medi-
das”. Já para Danilo Santos de
Miranda, diretor regional do
Sesc São Paulo, a complexidade
da operação de reabertura será
grande – principalmente por-
que o Sesc tem um complexo
instalado variado, que passa
por teatros, cinemas e ambien-
tes de exposição. “Cada uma
dessas áreas deve ter uma for-
ma específica para reabrir. É
possível que a gente passe por
intervenções arquitetônicas
nos teatros e no Cinesesc.”

Teatros. Para o curador dos tea-
tros Eva Herz, Porto Seguro e Vi-
vo, André Acioli, existem compli-
cadores na reabertura, como a
utilização de 35% da capacidade

das casas. “Pense em uma casa
de cem lugares que você pode
ocupar 35. Imagine que, desses
35, metade vai pagar meia-entra-
da; a maioria dos espetáculos usa
leis de incentivo fiscal, que exige
quase 30% de contrapartida so-
cial. Sobraria o valor de 10 ou 15
ingressos. Não parece viável.”
Do ponto de vista da criação
artística, Acioli diz que muitos
debates têm sido feitos e que se
fala em atores usando máscaras
transparentes, marcações cêni-
cas que respeitem o distancia-
mento social e elenco testado pa-
ra covid-19 semanalmente.
Fernando Padilha, gestor cul-
tural do Teatro Morumbi Shop-
ping, diz que algumas medidas es-
tão definidas. “Tem o básico: ál-
cool em gel, máscaras e ocupa-
ção de fileiras sim, fileiras não...”,
diz. Além disso, Padilha garantiu
que, em um primeiro momento,
o teatro vai abrigar apenas monó-
logos e shows de stand-up.
A superintendente do Teatro
Alfa, Elizabeth Machado, diz tra-
balhar até com um cenário mais
radical: a volta das atividades só
em 2021. Quando fechou as por-
tas por conta da covid, o teatro
estava prestes a receber o musi-
cal A Fantástica Fábrica de Choco-
late. “Como você faz um espetá-
culo desses com distanciamento
social?”, questiona.
E os cinemas? Enquanto os dri-
ve-ins voltam à cena em vários
países, o sócio e diretor de pro-
gramação do Circuito Itaú de Ci-
nemas, Adhemar Oliveira, está
trabalhando na matemática dos
horários de saída das sessões, pa-
ra evitar aglomerações. “Antes, o
sucesso era a aglomeração. Ago-
ra, o sucesso é o afastamento.”
Sobre as casas de show, o em-
presário Facundo Guerra acredi-
ta que ainda é preciso entender
se menores elas serão viáveis.
“Os custos de abertura são altos.
Vai ser preciso entender se em
casas menores será vantajoso.”

Carla Menezes


Cortar o cabelo, fazer as unhas,
arrumar as sobrancelhas. E ain-
da conversar ou ler revistas en-
quanto aguarda o serviço ser
realizado. Salões de beleza são
locais que exigem contato físi-
co entre clientes e profissio-
nais, e acabam incluindo ainda
certo tipo de interação social.
Essa proximidade que faz par-
te da natureza da atividade tor-
na a reabertura desses estabele-
cimentos um desafio.
Mesmo com o decreto do pre-
sidente Jair Bolsonaro que in-
cluiu salões de beleza na lista de
serviços essenciais, no dia 11 de
maio, a decisão da reabertura fi-
cou nas mãos de Estados e mu-
nicípios. Na quarta-feira, dia 27,
o governador de São Paulo,
João Doria (PSDB), anunciou
um plano de retomada gradual
da economia no Estado e libe-
rou a reabertura dos salões, a
partir de amanhã, dia 1.º de ju-
nho, nas cidades que estiverem
na fase 3 da flexibilização.
No mapa divulgado, municí-
pios das regiões de Bauru, Pre-
sidente Prudente, Araraquara,
São Carlos e Barretos já estão
nessa etapa. Ainda não há previ-
são para retomada do setor na
capital paulista e em outras re-
giões do Estado.
A Associação Brasileira dos
Salões de Beleza (ABSB) e a As-
sociação Nacional de Profissio-
nais de Beleza fazem parte de
um comitê que, liderado pelo
Sebrae, montou uma cartilha
com orientações para a retoma-
da dos trabalhos nos salões do
Brasil. Andrezza Torres, coorde-
nadora nacional de Beleza do Se-
brae, diz que medidas de segu-

rança e prevenção são necessá-
rias não só para proteger os pro-
fissionais, mas para garantir o
retorno da clientela. “Se o clien-
te do salão, da esmalteria, não
se sentir seguro dentro do espa-
ço de beleza, ele não vai retor-
nar”, afirma. “Não adianta pen-
sar que o alívio da quarentena
vai trazer o cliente de volta co-
mo ele frequentava. Não vai ser
mais assim.”
Entre os pontos da cartilha es-
tão o uso obrigatório de másca-
ras para profissionais e clien-
tes, a necessidade de agenda-
mento prévio dos atendimen-
tos e a preparação da área de
entrada, que deve ter álcool em
gel disponível para higieniza-
ção das mãos e um borrifador,
também com álcool 70%, para
limpeza das solas dos sapatos.
As estações de trabalho devem
ter distância mínima de 2 me-
tros entre elas
e precisam ser
higienizadas
após cada
atendimento.
A realização
de serviços si-
multâneos só
deve ocorrer
se for possível manter o distan-
ciamento recomendado.

Sem revistas. Parte das medi-
das da cartilha também está no
protocolo divulgado pelo go-
verno do Estado de São Paulo
para a reabertura do setor, co-
mo a necessidade de deixar um
intervalo entre o atendimento
aos clientes para higienizar
utensílios e estações de traba-
lho. Os documentos também
recomendam que os clientes
evitem levar acompanhantes
para o salão.
Na sala de espera, as clássicas
revistas de celebridades estão
sempre disponíveis para passar
o tempo enquanto não chega a
sua vez ou para folhear durante
os minutos que a tinta precisa
para fazer efeito no cabelo. Nos

salões pós-chegada do novo co-
ronavírus, é provável que elas
não estejam mais ao alcance do
cliente – assim como a maior
parte dos estabelecimentos do
tipo na Europa já fez.
“Vamos tirar a maioria da de-
coração que pode ser tocada,
assim como revistas e obje-
tos”, diz Rodrigo Lima, diretor
criativo do Circus Hair, salão
da capital paulista. As mudan-
ças devem ser sentidas desde a
chegada ao salão. Recepcionis-
tas e clientes serão separadas
por uma placa de acrílico e o
pagamento por aplicativos vai
ser estimulado.

Cuidados. De acordo com Ro-
drigo, o espaço será adaptado
para garantir distância de 2 me-
tros entre cada bancada de aten-
dimento. Entre uma cliente e
outra, a estação será higieniza-
da, assim co-
mo os lavató-
rios e bancos
de espera.
“Até a forma
de entrega de
café e cerveja
vai mudar. A
gente está es-
tudando para fazer o melhor.”
Para Elaine Dunkl, coordena-
dora de Marketing da rede de
salões de beleza Jacques Jani-
ne, que tem mais de 60 unida-
des no País, os esforços das em-
presas devem ir além das ques-
tões técnicas. É necessário le-
var em conta que o ambiente
dos salões costuma ser caloro-
so e cheio de vida.
“Precisamos nos preparar
também na parte da hospitalida-
de, pensar em como vai ser a
reconexão dos clientes e profis-
sionais quando voltarem pela
primeira vez ao salão.” Segun-
do ela, a rede elaborou peças in-
formativas para explicar aos
clientes sobre os cuidados que
todos vão precisar ter nesses
ambientes, desde o agendamen-
to prévio até a nova dinâmica

dos serviços.
Elaine aponta que os atendi-
mentos eram uma experiência
que girava em torno do ambien-
te do salão e que parte disso vai
se perder: “Os serviços vão ini-
ciar em modo ‘fast-food’, para
ajudar a fluir o trabalho e para
manter a segurança de todos.
As clientes vão chegar e serão
rapidamente atendidas”.

Como está lá fora. Na Alema-
nha, os salões foram reabertos
no início de maio e, por lá, as
interações face a face foram
proibidas. Aquele momento
crucial em que é decidido qual
vai ser o corte ou qual será a co-
loração dos fios agora é feito pe-
lo espelho – e o mínimo possí-
vel. Na Espanha, o governo tam-
bém permitiu a reabertura no
começo do mês, mas os salões
só podem funcionar com 30%
da capacidade total.
O controle do número de
clientes também é feito em Por-
tugal. Para Alexandre Castro,
dono de um salão em Algés, na
região metropolitana de Lis-
boa, a reabertura exigiu jogo de
cintura para garantir um tempo
entre o atendimento de uma
cliente e outra.
“Antes, uma levantava da ca-
deira e a outra já sentava. Agora,
antes de atendermos a próxima
cliente, precisamos desinfetar
a cadeira e o material que acaba-
mos de utilizar.”
Segundo Alexandre, os gas-
tos também aumentaram. Pela
natureza do serviço, o uso de lu-
vas e máscaras é indispensável.
As toalhas e capas utilizadas
agora são descartáveis. Algu-
mas estações de trabalho do sa-
lão foram desativadas para ga-
rantir o distanciamento.
Nos espaços de beleza da Chi-
na, primeiro epicentro da pan-
demia do novo coronavírus, os
clientes só podem entrar se es-
canearem um QR Code emitido
pelo governo, que faz o registro
dos locais por onde os cidadãos
circulam.
No Canadá, os clientes já de-
vem chegar com o cabelo limpo
e os horários de atendimento
devem ter um espaço de 15 mi-
nutos para higienização do am-
biente. Na província de Nova
Scotia, os cortes de barba e bigo-
de foram limitados.

ESTAÇÕES DE TRABALHO


DEVEM SER


HIGIENIZADAS A CADA


NOVO CLIENTE


Encontrar um modelo
economicamente viável

enquanto salas não


podem lotar será a


principal dificuldade


SALÕES TERÃO


SISTEMA ‘FAST-FOOD’


Roma.
Salão de
beleza no
início da
reabertura

JEROEN JUMELET/ANP/AFP

MEDO PODE


DIFICULTAR


O CONVÍVIO


Sem acompanhantes


nem revistas: nova rotina


para cuidar da beleza


deve focar no


atendimento rápido


Nova York. Distanciamento
no gramado de parque em
dia de sol na cidade

GORDON WELTERS/THE NEW YORK TIMES

Holanda. Visitantes na montanha-russa após parque reabrir


A estudante de Engenharia Am-
biental brasileira Joana Fedato,
de 21 anos, que faz faculdade na
Alemanha, diz que após a qua-
rentena não se sente mais à von-
tade em multidões e tem evita-
do sair de casa. “São tantas coi-
sas para tomar cuidado que fica
difícil desfrutar do momento.”
Esse tipo de receio pode sur-
gir quando as pessoas começa-
rem a sair, dizem especialistas.
“A pandemia não é uma guerra
que acaba e as pessoas se abra-
çam. É uma experiência trau-
mática coletiva e isso gera um
eco, até porque continuamos
convivendo com a ameaça do ví-
rus”, diz Rodrigo Martins Leite,
psiquiatra e psicoterapeuta do
Instituto de Psiquiatria da USP.
O estudante de Jornalismo
Nino Cirenza, de 21 anos, que
vive em Coimbra, também vê a
reabertura com cautela. “Não fi-
co confortável de viver do mes-
mo jeito que antes”, conta ele,
que tem saído de bicicleta.
A retomada impõe nova reali-
dade de convívio, que pode ser
ameaçadora para algumas pes-
soas: “Quem estava em isola-
mento cuidava do seu espaço e
se protegia. Quando essas pes-
soas passarem a conviver mais
em sociedade estarão expostas
aos comportamentos dos ou-
tros”, diz Mary Okamoto, pro-
fessora de psicologia da Unesp.
Para Beatriz Brambilla, presi-
dente do Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo (CRP
SP), também há a tendência de
desconfiarmos dos outros:
“Acabamos projetando nas pes-
soas a personificação do vírus”.
Alemanha. 200 pessoas em concerto que poderia ter 1 mil / GIOVANNA WOLF

CAITLIN OCHS/REUTERS

GUGLIELMO MANGIAPANE/REUTERS
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