O Estado de São Paulo (2020-06-01)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 1 DE JUNHO DE 2020 Política A


CARLOS


PEREIRA


A


atual composição do Supre-
mo Tribunal Federal é fruto
de indicações de seis diferen-
tes presidentes. Este processo ge-
rou uma Corte composta de prefe-
rências políticas e ideológicas mui-
to distintas. Apesar dessas diferen-
ças, percebe-se que as últimas deci-
sões da Suprema Corte têm mostra-
do uma unidade incomum entre
seus onze membros, especialmente
em se tratando de um plenário tão
diverso. Será que as heterogeneida-
des ideológicas e políticas entre

seus membros foram diluídas?
As decisões unânimes da Suprema
Corte podem estar diretamente rela-
cionadas com os discursos e ações beli-
cosas do presidente Jair Bolsonaro e
seus seguidores mais fiéis, que têm
confrontado de forma polarizada e ple-
biscitária as instituições democráti-
cas, em especial o próprio Supremo,
mas também o Congresso Nacional.
Precisou que o Supremo “pagasse pa-
ra ver” ao demonstrar seu compromis-
so firme com a democracia, por meio
de decisões consistentemente unâni-

mes e contrárias às preferências do pre-
sidente, para que, mesmo timidamen-
te, os céticos e temerosos com a soli-
dez das instituições democráticas bra-
sileiras percebessem que as ameaças
autoritárias do presidente Bolsonaro
não passam de um blefe.
Se as chances de sucesso da estraté-
gia de confronto com as instituições
democráticas são praticamente nu-
las, por que de Bolsonaro não apenas

insiste em utilizá-la, mas também o
faz de forma cada vez mais virulenta e
ameaçadora?
Bolsonaro blefa porque essa é a uma
das poucas armas, talvez a única, que
populistas plebiscitários, como ele,
dispõem para continuar alimentando
seus vínculos políticos e identitários
com seu núcleo duro de eleitores. Bol-
sonaro, na realidade, encontra-se en-

curralado e, consequentemente, ne-
cessita não apenas de conexões identi-
tárias polarizadas, mas da sua utiliza-
ção com intensidade e frequência ca-
da vez mais alta.
Quando Bolsonaro decidiu gover-
nar de forma minoritária, rejeitando a
necessidade de construir coalizões le-
gislativas estáveis, ficou cada vez mais
dependente destas conexões diretas
com seus eleitores para sobreviver, es-
pecialmente a partir de apelos de per-
fil fortemente identitário que funcio-
nam como atalhos cognitivos de prote-
ção para os membros do grupo.
A má gerência da pandemia do novo
coronavírus e os riscos decorrentes
das investigações em curso pela Polí-
cia Federal e dos inquéritos no Supre-
mo obrigaram Bolsonaro a fazer im-
portantes inflexões no seu governo
contrárias aos compromissos assumi-
dos com seus eleitores. A montagem
de uma coalizão de sobrevivência
com os partidos do Centrão e a inter-
venção na Polícia Federal, que culmi-
nou com a saída de Sérgio Moro, são

exemplos que corromperam al-
guns dos pilares centrais que nu-
triam as conexões identitárias com
seus eleitores.
Sob risco de ver erodir ainda
mais as suas conexões identitárias
e observar seus eleitores mais fiéis
também se desgarrarem, Bolsona-
ro não pode se dar ao luxo de sim-
plesmente parar de falar. Precisa
do confronto polarizado para con-
tinuar a existir politicamente.
O presidente, portanto, enfren-
ta um dilema de difícil solução.
Tem que manter seu núcleo duro
firme e coeso por meio de apelos
identitários cada vez mais inflama-
dos e com alguma coerência, mas,
ao mesmo tempo, não pode cruzar
os limites institucionais que ve-
nham a colocar em risco o seu pró-
prio mandato. Ou seja, precisa dar
a impressão que vai para os extre-
mos, mesmo que ele saiba que não
pode fazer isso, pois o desfecho fi-
nal será certamente desfavorável a
ele mesmo.

E-MAIL: [email protected]
CARLOS PEREIRA ESCREVE
QUINZENALMENTE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

Bolsonaro arrisca os limites
institucionais, pois precisa blefar
para alimentar seu núcleo duro

Azevedo sobrevoa ato em


Brasília com Bolsonaro


BRASÍLIA


Em mais um gesto de aproxima-
ção do Palácio do Planalto com
o Centrão, o presidente Jair Bol-
sonaro vai entregar o comando
do Banco do Nordeste (BNB)
para um nome indicado pelo
Partido Liberal (PL), sigla lide-
rada pelo ex-deputado Valde-
mar Costa Neto, condenado no
mensalão. No lugar do atual pre-


sidente, Romildo Rolim, assu-
mirá Alexandre Borges Cabral,
que presidiu a Casa da Moeda
entre julho de 2016 e junho de
2019 por indicação de outra le-
genda do bloco, o PTB. Ele deve
ser anunciado hoje.
A troca é vista como uma no-
va sinalização da disposição de
Bolsonaro em sedimentar a
aliança com os partidos do Cen-
trão e construir uma base aliada
no Congresso Nacional na ten-
tativa de barrar eventual proces-
so de impeachment. Por outro
lado, a decisão contraria decla-
ração do próprio presidente,
que na quinta-feira admitiu a ne-
gociação de cargos em segundo
e terceiro escalão para obter
apoio político, mas negou exis-

tir qualquer tratativa para entre-
ga de ministérios, bancos públi-
cos ou empresas estatais.
“Em nenhum momento nós
oferecemos ou eles pediram mi-
nistérios, estatais ou bancos ofi-
ciais”, disse Bolsonaro durante
transmissão nas redes sociais.
O Banco do Nordeste é ativo
político valioso devido à sua for-
te presença junto a empresas,
produtores rurais e pequenos
empreendedores na região – a
única onde Bolsonaro perdeu
as eleições de 2018. A institui-
ção também participa em finan-
ciamentos à infraestrutura, in-
cluindo expansão de aeropor-
tos em capitais nordestinas con-
cedidos à iniciativa privada. No
ano passado, desembolsou R$
42,16 bilhões em mais de 5,3 mi-
lhões de operações. O valor é
74,4% do total desembolsado
em 2019 pelo BNDES, banco de
desenvolvimento que opera em
todo o Brasil. / I.T. e C.T.

De cima. A bordo de um helicóptero, Bolsonaro acena para apoiadores que se manifestavam a favor de intervenção militar e contra o STF, ao lado do ministro da Defesa, Fernando Azevedo


BRASÍLIA


O ministro da Defesa, Fernan-
do Azevedo, sobrevoou na ma-
nhã de ontem ao lado do presi-
dente Jair Bolsonaro, uma ma-
nifestação de apoiadores do
chefe do Executivo marcada
por faixas contra o Supremo
Tribunal Federal (STF) e a fa-
vor de intervenção militar.
Procurada, a Defesa não expli-
cou a razão de o ministro ter
acompanhado o presidente no
sobrevoo nem o uso do helicópte-
ro camuflado. Azevedo foi asses-
sor especial do presidente do
STF, ministro Dias Toffoli, antes
de assumir um cargo no primeiro
escalão do governo Bolsonaro.
Com a escalada da crise insti-
tucional, manifestações pró-
Bolsonaro têm ocorrido pratica-
mente todos os fins de semana
em Brasília, estimuladas pelo


presidente e seus filhos parla-
mentares. Foi numa dessas oca-
siões que o presidente disse que
o governo contava com o apoio
das Forças Armadas, o que le-
vou Azevedo a divulgar uma no-
ta para afirmar o compromisso
dos oficiais com a democracia.
Não é a primeira vez que mili-
tares acompanham Bolsonaro
nesse tipo de atos com agenda
pela intervenção no STF e o fe-
chamento do Congresso. O mi-
nistro-chefe da Secretaria de go-
verno, general da ativa Luiz
Eduardo Ramos, e o ministro do
Gabinete de Segurança Institu-
cional, Augusto Heleno, já cami-
nharam ao lado de Bolsonaro
em protestos dessa natureza.
Sem usar máscaras e cumpri-
mentando apoiadores, Bolsona-
ro montou em um cavalo depois
de se dirigir aos presentes. Al-
guns manifestantes empunha-

ram uma faixa pedindo “inter-
venção militar”. Antes da chega-
da de Bolsonaro, um grupo en-
toou gritos de ordem contra o
Supremo em frente à sede da
Corte. “STF, preste atenção,
sua toga vai virar pano de chão”,
diziam. Também havia faixas
com os dizeres “abaixo à ditadu-
ra do STF”. Bolsonaro estava
acompanhado do filho e sena-
dor Flávio Bolsonaro.
O STF também foi alvo, an-
teontem à noite, de um protesto
organizado pelo grupo bolsona-
rista ‘300 pelo Brasil’, liderado pe-
la ativista Sara Winter, que é alvo
do inquérito das fake news aber-
to pela Corte. O grupo carregava
tochas acesas, e algumas pessoas
vestiam máscaras de persona-
gens de filmes de terror cobrindo
todo o rosto. / RAFAEL MORAES
MOURA, DIDA SAMPAIO, CAMILA
TURTELLI e IDIANA TOMAZELLI

O homem que


fala demais


BNB é entregue ao PL


de Valdemar Costa Neto


Acompanhado de ministro da Defesa, presidente faz voo de


helicóptero durante manifestação que critica decisões do Supremo


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

Para sedimentar a sua


aliança com o Centrão,


Bolsonaro dá presidência


do Banco do Nordeste


para Alexandre Cabral


CENTRO DE COMUNICACAO SOCIAL PMDF
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