O Estado de São Paulo (2020-06-03)

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A10 Política QUARTA-FEIRA, 3 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ROSÂNGELA


BITTAR


G


arroteado pelo vírus mor-
tal, que ignora, e pela econo-
mia degradada, mal da con-
ta de um só ministro, Jair Bolsona-
ro, que nunca assumiu a presidên-
cia de todos os brasileiros, agora
desertou de vez.
Abandonou a maioria para liderar
a minoria numa guerra de motiva-
ção e interesse pessoal. Fechados
com ele estão 26% dos brasileiros,
muitos dos quais identificados em
pesquisas: Forças Armadas, que re-
forçam as iniciativas transgressoras
do comandante em chefe; Polícias
Militares; gabinete do ódio, organi-
zação que já se ramificou por seis ou

sete Estados; boa parte dos aposenta-
dos; empresários financiadores da re-
de de fake news; milícias digitais e seus
robôs; fanáticos perigosos e armados
confessos; filhos e amigos.
Não surpreende a existência, na so-
ciedade brasileira, deste elevado núme-
ro de praticantes do jogo de conflito
permanente. Analistas afirmam que
sempre foi deste tamanho o espectro
da direita à extrema direita, espaço en-
tremeado pelos adeptos do nazismo,
do fascismo e do culto às armas de fogo
como instrumento da disputa política.
O governo criou sua própria teoria
da liberdade de expressão para justifi-
car o modelo de operação e os crimes

identificados na ação de grupos leais a
Bolsonaro. Adélio Bispo estaria tam-
bém exercendo seu direito à liberdade
de expressão?
Na maioria de 70% deixados para
trás na deserção do presidente, agora
por eles rejeitado, destaca-se a presen-
ça das mulheres e, neste segmento, as
pacifistas donas de casa; os estudantes;
os funcionários públicos civis; os cien-
tistas e professores; os que ganham até
dois mínimos; o trabalhador informal;
o Poder Legislativo; o Poder Judiciário;

os signatários da série de manifestos
em defesa da ameaçada democracia.
Pouco importa a Bolsonaro que,
com seu governo de minoria, será di-
fícil reeleger-se em 2022. Sinal, quem
sabe, de que seu plano não preveja, à
frente, uma eleição, e sim uma cerimô-
nia de sagração.

Entre os interesses dos guerrilhei-
ros liderados por Bolsonaro e os da
maioria dos brasileiros, dos quais desis-
tiu antes mesmo de apresentar um pro-
grama de governo para todos (educa-
ção, saúde, segurança, emprego, é uma
incógnita o que gostaria de fazer o pre-
sidente), não há conciliação possível.
No momento, a maioria está com to-
das as suas forças mobilizadas para so-
breviver à pandemia e consolar os que
perderam sua família para a doença.
Este é o assunto mais grave e importan-
te em qualquer sociedade do mundo.
Enquanto fica claro, a cada vez que se
manifesta, que o presidente acha que
ganhou o poder para tratar da própria
vida e a de seus filhos.
Há quem avalie 26% um apoio sufi-
ciente para evitar o impeachment, prin-
cipalmente se, na linha de frente, no mo-
mento certo, estiverem os partidos do
Centrão. Os fatos discordam: dias an-
tes de sofrer impeachment, o ex-presi-
dente Fernando Collor recebeu, em pes-
quisa, o apoio de 20% dos brasileiros, e
a ex-presidente Dilma Rousseff regis-

trava a seu lado 30% do eleitorado.
É preciso reconhecer, porém, que
por falta de amadurecimento das
condições propícias não se chegou
ao momento do impeachment, co-
mo também não há cenário político
que permita o golpe.
Jair Bolsonaro ainda tem a chan-
ce, assim, de assumir o governo, co-
meçando por aceitar o conselho do
ministro Gilmar Mendes: criar um
exército de enfrentamento da pan-
demia, com a presença da União, Es-
tados e municípios, como o País fez
na crise do apagão. Correr com esta
providência antes que sua ordem de
armar a população produza o pri-
meiro tiro.

Tereza Cristina. A ministra Tereza
Cristina (Agricultura) foi removida
da frigideira de Jair Bolsonaro. O que
a salvou foi a forte impressão que cau-
sou ao presidente com a articulação
rápida do anúncio de apoio das pode-
rosas CNA, CNC, CNI e outras enti-
dades ao ministro Ricardo Salles.

E-MAIL: [email protected]
ROSÂNGELA BITTAR ESCREVE SEMANALMENTE ÀS
QUARTAS-FEIRAS

Bolsonaro abandonou a maioria
para liderar a minoria numa
guerra de interesse pessoal

ANCO DO NORDESTE

Nome do Centrão


para Banco do NE é


alvo de investigação


TCU apura suspeitas de irregularidades na Casa da Moeda durante


gestão de Alexandre Cabral; prejuízo estimado é de R$ 2 bilhões


Presidente.
Cabral foi
indicação do PL
de Costa Neto

Breno Pires
Adriana Fernandes / BRASÍLIA


O novo presidente do Banco
do Nordeste, Alexandre Bor-
ges Cabral, é alvo de uma apu-
ração conduzida pelo Tribu-


nal de Contas da União (T-
CU) sobre suspeitas de irregu-
laridades em contratações fei-
tas pela Casa da Moeda duran-
te sua gestão à frente da esta-
tal, em 2018. O prejuízo é esti-
mado em R$ 2,2 bilhões.

Como revelou o Estadão, Ca-
bral foi indicado para o cargo pe-
lo PL, de Valdemar Costa Neto,
em troca de apoio do partido ao
governo no Congresso. Ele to-
mou posse ontem, após ser elei-
to pelo Conselho de Administra-

ção. Procurado pelo Estadão,
Cabral negou qualquer ilegalida-
de e disse esperar que o TCU
reconheça isso. Na cerimônia
de posse, afirmou que sua indi-
cação é “técnica” e se deu por
causa da sua “experiência exito-
sa” à frente da Casa da Moeda.

Investigação. Auditores atri-
buem ao executivo “possível ato
de gestão temerária” na presidên-
cia da estatal e o descrevem co-
mo um dos “potenciais responsá-
veis” por prejuízos em contratos
firmados durante sua gestão.
As supostas irregularidades
estão relacionadas a fraude e di-
recionamento de licitações pa-
ra as empresas Sicpa e Ceptis,
que resultaram em contratos
destinados à operação do Siste-
ma de Controle de Bebidas (Si-
cobe) e do Sistema de Controle
e Rastreamento da Produção de
Cigarros (Scorpios). Os valores
dos pagamentos, somados, su-

peram R$ 11 bilhões.
Em novembro do ano passa-
do, quando Cabral já havia dei-
xado o comando da Casa da
Moeda, o TCU decretou a indis-
ponibilidade de bens das empre-
sas supostamente beneficiadas
pelo esquema e fez uma série de
recomendações à estatal. Um re-
curso apresentado pelos investi-
gados deve ser julgado hoje pela
corte de contas.
O plenário do TCU deve abrir
uma tomada de contas especial


  • como são chamados os proces-
    sos em que o tribunal aprofun-
    da as investigações, quantifica o
    dano aos cofres públicos e apon-
    ta eventuais responsáveis. Caso
    considere que houve infração gra-
    ve, o responsável pode ser impedi-
    do de exercer cargo em comissão
    ou função de confiança na admi-
    nistração pública federal, por um
    período que varia de cinco a oito
    anos. As apurações ainda estão
    em curso e não há qualquer con-
    denação contra Cabral no âmbito
    da corte de contas que o impedi-
    ria hoje de assumir o BNB.


Pente fino. A indicação de Ca-
bral para a Casa da Moeda con-
traria o próprio presidente, que
negou na semana passada trata-
tivas para repassar a chefia de
bancos públicos ao Centrão.
“Em nenhum momento nós ofe-
recemos ou eles pediram minis-
térios, estatais ou bancos ofi-
ciais”, disse Bolsonaro, durante
transmissão nas redes sociais.
O objetivo do governo é reunir
votos no Congresso que evitem
um eventual impeachment.
Responsável pela entrada do
Centrão no governo, o minis-
tro-chefe da Secretaria de Go-
verno, Luiz Eduardo Ramos, se
justificou com os colegas do
Exército pela aproximação do

Planalto com o grupo de parti-
dos com o argumento que ne-
nhuma nomeação, sob sua res-
ponsabilidade, ocorre fora dos
critérios técnicos e “após inten-
sa pesquisa da vida pregressa do
indicado, sob aspectos morais,
jurídicos e político-ideológicos,
realizada pelo SINC (Sistema
Integrado de Nomeações e Con-
sultas).” O Estadão não conse-
guiu contato com o ministro on-
tem para comentar sobre a situa-
ção do escolhido para a estatal,
até o fechamento da edição.

Sobrepreço. Como presidente
da Casa da Moeda, segundo o
relatório de fiscalização do
TCU, Cabral assinou em 2018
contratos de pagamento com a
empresa Sicpa, sem que fosse
exigida comprovação dos cus-
tos do serviço, mesmo ciente de
que administradores desta com-
panhia eram réus em ação penal
por fraude a licitação. “Possível
ato de gestão temerária, devido
ao pagamento de serviço com
possível sobrepreço”, escreve-
ram os auditores.
O então presidente da Casa
da Moeda também foi signatá-
rio de um termo de parceria ge-
ral e de instrumentos particula-
res de constituição de parceria
contratual firmados com a em-
presa Ceptis, sem respaldo de
estudos comparativos necessá-
rios, segundo o TCU. Ainda de
acordo com o documento, a
Ceptis surgiu de uma manobra
para afastar a proibição de con-
tratação da Sicpa, apesar da exi-
gência de reputação ilibada do
parceiro e de seu grupo contro-
lador para firmar contratos.
O tribunal determinou o blo-
queio R$ 2,2 bilhões das empre-
sas, em novembro de 2019. Na
ocasião, o ministro relator, Arol-
do Cedraz, disse que eram neces-
sárias “providências urgentes
para evitar ainda mais prejuízos
à Casa da Moeda em razão dessa
relação comercial com grupo
empresarial reconhecidamente
envolvido com atividades crimi-
nosas, que vitimaram a própria
estatal”. Foi suspensa também
parte da aplicação de recursos
em um contrato de parceria en-
tre a Casa da Moeda e a Ceptis.

Tulio Kruse


O uso de um símbolo ucraniano
milenar em manifestação pró-
Bolsonaro em São Paulo, no últi-
mo domingo, chamou atenção
para as referências que influen-
ciam os grupos que dão apoio
ao governo. A bandeira moti-
vou um esclarecimento do em-
baixador da Ucrânia no Brasil,
uma nota de repúdio de descen-
dentes de ucranianos no País, e
preocupação entre especialis-
tas que acompanham a “tropica-
lização” de símbolos associa-
dos à extrema direita no mundo



  • das tochas e máscaras em fren-
    te ao Supremo Tribunal Fede-
    ral às Cruzadas da Idade Média.
    Vermelha e negra, a bandeira
    ucraniana que causou a confu-


são na Avenida Paulista tem um
tridente estilizado em branco.
É um símbolo nacional adotado
oficialmente na Ucrânia desde
a independência, em 1991, quan-
do se separou da União Soviéti-
ca. Integrantes de torcidas orga-
nizadas antifascistas acusaram
o símbolo como referência neo-
nazista, o que foi rechaçado pe-
lo dono da bandeira.
Brasileiro radicado na Ucrâ-
nia há seis anos, o técnico em
segurança Alex Silva lembra
que o tridente era o símbolo do
príncipe Vladimir, que levou o
cristianismo à Ucrânia no sécu-
lo 10. Ele conta que o avô de sua
esposa, que é ucraniano, teve o
irmão morto por nazistas na Se-
gunda Guerra Mundial. “Aquilo
não tem nada a ver com símbolo
nazista”, disse Silva ao Esta-
dão. “É uma ofensa enorme, vo-
cê não tem ideia de como isso
me ofende pessoalmente e ofen-
de a honra da minha esposa.”
Ele chama atenção para o signifi-
cado das cores: o preto é uma
referência à terra, e “o verme-

lho representa o sangue dos he-
róis ucranianos que foi derrama-
do por gerações, por séculos”.
O tridente e as cores são usa-
dos também pelo grupo parami-
litar Pravyi Sektor (Setor Direi-
to), de extrema direita, que se
tornou partido político após a
queda do presidente ucraniano
Viktor Yanukovich. As cenas de
batalha campal em Kiev, que le-

varam à queda do presidente,
têm inspirado bolsonaristas no
Brasil. No Twitter, o deputado
federal Daniel Silveira (PSL-
RJ) escreveu que “está na hora
de ucranizar o Brasil”, bordão
que já era repetido pela ativista
bolsonarista Sara Winter.
“Isso significa ucranizar o
Brasil: jogar o político sujo na
lata de lixo, como fez o povo

ucraniano, de uma maneira hon-
rosa”, diz Silva. A imagem reme-
te à foto de um deputado ucra-
niano, que defendia Yanukovi-
ch e sua política pró-Rússia, ati-
rado no lixo em uma manifesta-
ção em 2014.
Descendentes de ucranianos
em Curitiba, onde há a maior
comunidade no País, divulga-
ram uma nota de repúdio con-
tra o uso da bandeira. “Temos
ciência da existência absoluta-
mente minoritária de movimen-
tos extremistas na Ucrânia, que
se apropriaram indevidamente
dos símbolos nacionais para dis-
seminar ideais fascistas e neo-
nazistas”, diz a nota do Grupo
Folclórico Ucraniano Poltava.
Para especialistas, o uso das
cores é considerado preocupan-
te, mais do que sua origem no
século 10. “A bandeira não é na-
zista mas, como se diz, é uma
apropriação simbólica”, diz o
professor David Magalhães, da
Pontifícia Universidade Católi-
ca (PUC-SP), que dá aulas de
Relações Internacionais e coor-

dena o Observatório da Extre-
ma Direita, que reúne pesquisa-
dores de outras universidades.
“Essa relação do sangue e a ter-
ra é muito forte no movimento
ultranacionalista. Isso não apa-
ga nada do fato”, diz. O profes-
sor chama atenção para uma in-
consistência no discurso anti-
corrupção no Brasil, associado
ao deputado na lata de lixo. “Bol-
sonaro está se aproximando da
faceta mais podre do sistema,
que é o Centrão. Eles realmente
ignoram essa faceta.”
Já o pesquisador Gustavo Me-
nezes, especialista em relações
internacionais na região da ex-
URSS, diz que muitos símbolos
associados à extrema direita fo-
ram apropriados pelo novo go-
verno da Ucrânia.
“Há uma espécie de tentativa
oficial de apresentar o movi-
mento como positivo, é por isso
que vão tentar normalizar o uso
daquelas cores”, diz. “Certa-
mente é algo que torna a Ucrâ-
nia atraente para os bolsonaris-
tas, porque parte dessas políti-
cas oficiais são exatamente
uma tentativa de colocar o na-
zismo e o comunismo como ma-
les de igual teor.”

lNegativa

Antes do primeiro tiro


Bolsonaristas usam símbolos internacionais da ultra-direita


“Em nenhum momento
nós oferecemos ou
eles (Centrão) pediram
ministérios, estatais
ou bancos oficiais.”
Jair Bolsonaro
EM TRANSMISSÃO AO VIVO NAS REDES
SOCIAIS, NA SEMANA PASSADA

ALICE VERGUEIRO/ESTADÃO-31/5/

Paulista. Bandeira ucraniana foi usada em manifestação

Bandeira ucraniana


usada na manifestação


de domingo preocupa


especialistas e motivou


nota de embaixada

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