O Estado de São Paulo (2020-06-03)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 3 DE JUNHO DE 2020 Metrópole A


‘Estadão’ transmite evento sobre


desafios do sistema de saúde


Hospital de campanha em Manaus. Estados como SP, que também teve recorde de casos, anunciam flexibilização

Paula Felix


Os desafios do sistema de saú-
de do País serão tema do painel
extra da Brazil Conference at
Harvard & MIT desta quarta-fei-
ra. A sexta edição do evento, or-
ganizado por estudantes brasi-
leiros com sede em Boston, nos
Estados Unidos, terá a partici-
pação do ex-ministro da Saúde
Luiz Henrique Mandetta e tem


transmissão gratuita nas plata-
formas do Estadão.
A professora de Harvard Mar-
cia Castro e Henrique Neves, di-
retor-geral da Sociedade Benefi-
cente Israelita Brasileira Albert
Einstein, também integram o
painel, que terá início às 18 ho-
ras e poderá ser visto no portal
do Estadão, nas redes sociais
Twitter (@estadao) e Face-
book e no canal do Estadão no
YouTube.
Copresidente da Brazil Con-
ference 2020, o MBA MIT José
Renato Carvalho diz que a dis-
cussão na área de saúde já esta-
va prevista, mas teve de ser rea-
gendada, tendo em vista que,
diante da pandemia do novo co-

ronavírus, os profissionais da
área tiveram de atuar no comba-
te à doença “É uma sessão extra
de saúde, porque entendemos -
que, tendo oportunidade, a gen-
te deve discutir e contribuir pa-
ra um debate muito maior. Em

geral, a nossa ideia é não se pren-
der muito ao presente, mas tra-
zer um olhar para os desafios
que estão por vir.”
Cientista político e pesquisa-
dor de Harvard, Hussein Kalout
destaca que o debate é funda-
mental diante do avanço do ví-
rus no Brasil. “A expectativa é
de que haja um debate focado
na saúde das pessoas, nas me-
lhores práticas de políticas pú-
blicas e médicas para cuidar dos
brasileiros, e que surjam dali
propostas que guiem o governo
no bom caminho para amorti-
zar e reduzir o impacto dessa
pandemia sobre todos os brasi-
leiros.”
Esta é a primeira vez que o
evento ocorre por videoconfe-
rência. O painel foi idealizado
por estudantes brasileiros de
graduação e pós-graduação em
Boston para comemorar os 30
anos da redemocratização do
País. Os ex-presidentes Fernan-

do Henrique Cardoso e Dilma
Rousseff, e ex-ministros como
Ciro Gomes, Marina Silva, Armí-
nio Fraga e Gilberto Gil já parti-
ciparam do evento, que costu-
ma reunir consultores, analis-
tas e pesquisadores entre os de-
batedores.

Aspectos positivos. Apesar da
pandemia, a Brazil Conference
2020 tem como objetivo apre-
sentar o tema da saúde de for-
ma ampla.
“Vamos ter uma discussão
mais técnica, como deveria ser
a relação entre setor público e
privado, quais deveriam ser as
orientações. A ideia não é se
aprofundar em um tema espe-
cífico, mas dar pinceladas em pi-
lares, trazer o assunto para a po-
pulação, não é só um problema
do governo, mas de toda a ca-
deia”, explica Juliana Yamada,
uma das mediadoras, que é re-
cém-formada no mestrado em

Administração de empresas (M-
BA) e Business analytics no
MIT Sloan School of Manage-
ment.
Fernando Pereira Bruno,
médico e professor da Escola
de Medicina da Touro College
em NY, recém-formado no mes-
trado em saúde pública e epide-
miologia da Universidade de
Harvard, também vai mediar o
evento e diz que uma das pro-
postas da iniciativa é abordar os
aspectos positivos da saúde do
País. “Não é um painel que tem
como intenção discutir os lados
negativos. A saúde do Brasil
tem muitos pontos positivos. O
SUS é muito melhor na teoria
do que na prática, mas ainda é o
que proporciona atendimento
médico para 75% da população.
A imunização e a prevenção são
muito fortes. O foco é saúde, o
que existe e como poderemos
melhorar ainda mais”, afirma o
médico.

FONTE: MINISTÉRIO DA SAÚDE INFOGRÁFICO/ESTADÃO

● Apenas quatro países superaram a
marca das 30 mil mortes: Estados Unidos,
Reino Unido, Itália e Brasil

COMPARAÇÃO

0

20.

40.

60.

80.

100.

EUA
104.

China
4.

1º DIA 79 DIAS 84 93 101105 117

França
28.

Itália
33.

Brasil
31.

Reino Unido
38.

Covid-19 já mata mais do que
doenças do aparelho digestivo
e acidentes de trânsito

Causas de morte mais
comuns no Brasil

EM NÚMERO DE MORTES POR DIA
Doenças cardiovasculares
255 980
ENFARTE

Câncer e tumores
624

Doenças do aparelho respiratório
427

DIABETE

178

Doenças endócrinas
nutricionais e metabólicas
222

Doença do aparelho digestivo
184

Doenças infecciosas e parasitárias
149

89 157 167

Causas externas de morbidade
e mortalidade
413

ACIDENTE DE
TRÂNSITO

HOMICÍDIOS OUTROS

Covid-
394

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


José Maria Tomazela


“Hoje, por volta de 1h30 da ma-
nhã, senti uma pontada muito
forte no peito, ajoelhei ao pé da
cama e falei: ‘Vou orar pela mi-
nha mãe’. E disse: ‘Senhor, por
favor, salve a minha mãe, pois
eu a amo e não quero perdê-la’.”
É assim que Marina Angélica Re-
versi, de 27 anos, moradora de


Guapiaçu, no interior de São
Paulo, inicia o relato do seu dra-
ma. Em dez dias, ela perdeu um
irmão, a mãe e a avó – todos víti-
mas da covid-19.
O irmão, o auxiliar de produ-
ção Jaiel Giezi Reversi, de 29
anos, foi o primeiro a morrer,
no dia 23 de maio, cinco dias
após a internação e dois depois
de ser entubado. Ele tinha diabe-

te e hipertensão. Quando Jaiel
morreu, a avó de Marina, a cata-
dora de recicláveis Diva Mar-
ques Moreira dos Santos, de 80
anos, já estava internada após
sofrer um enfarte. No hospital,
foi diagnosticada com a covid-
19 e morreu no dia 30. Interna-
da, a filha dela e mãe de Marina,
Marlene Moreira dos Santos,
de 51 anos, não pode sequer

acompanhar o enterro. Marle-
ne morreu nesta segunda-feira.
Com “algo engasgado na gar-
ganta”, Marina conta que cho-
rou muito e se resignou. “Se o
Senhor levar a minha mãe, eu
ainda vou continuar te aman-
do”, disse, e se deitou. Mesmo
tomando remédio, não conse-
guiu dormir. Às 2h15 recebeu li-
gação do Hospital de Base de

Rio Preto informando que sua
mãe teve uma parada cardíaca e
não resistiu. “Naquele momen-
to lembrei que tinha orado mi-
nutos atrás e ela ainda lutava pe-
la vida, mas quando a entreguei,
ela descansou”, disse.
“Minha mãe era uma pessoa
forte, guerreira, que cuidou da
gente com muito amor. Foi a
pessoa mais incrível que conhe-

ci na vida, assim como era mi-
nha avó. Eram mulheres incrí-
veis.” Marina conta que ela e a
filha, que gostava de dormir
com a avó, também pegaram o
coronavírus. “Essa doença é
horrível, não perdoa ninguém.”
Marina é vendedora, mas está
desempregada. Ela teve ajuda
da prefeitura para cobrir os cus-
tos dos sepultamentos. Guapia-
çu, cidade de 21.115 habitantes,
registrou 36 casos e 4 mortes pe-
lo coronavírus – incluindo os
três parentes de Marina.

Gonçalo Junior
Ludimila Honorato
Sandra Manfrini / BRASÍLIA


O Brasil ultrapassou a marca
das 30 mil mortes pelo novo
coronavírus ontem, com o re-
gistro de 1.262 óbitos em um
dia, informou o Ministério da
Saúde. O País levou 79 dias pa-
ra atingir esse patamar após a
primeira vítima morrer em 16
de março. Só quatro países su-
peraram a marca das 30 mil
mortes: Estados Unidos, Rei-
no Unido, Itália e agora o Bra-
sil. Em meio à alta de óbitos,
Estados como São Paulo, Rio,
Ceará e Amazonas já anun-
ciam a flexibilização da qua-
rentena, o que é visto com res-
salvas por especialistas.
Com os registros de ontem, o
Brasil já tem 31.199 mortes e cer-
ca de 555,4 mil casos. “O núme-
ro de 30 mil é significativo e
mostra o desastre que estamos
passando no País. Indica a falên-
cia que foi o processo de conten-
ção da covid-19 no País. O pior é
que temos números ascenden-
tes. Existe uma grande quanti-
dade de casos não testados”,
opina o epidemiologista Paulo
Lotufo, professor da Faculdade
de Medicina da USP.
Desde o início da crise, o País
perdeu dois ministros da Saú-
de, Luiz Henrique Mandetta, de-
mitido pelo presidente Jair Bol-
sonaro, e Nelson Teich, que pe-
diu para sair após menos de um
mês no cargo. Ambos saíram
em meio a divergências com
Bolsonaro sobre medidas de dis-
tanciamento social e uso da clo-
roquina como tratamento – de-
fendido por Bolsonaro. O presi-
dente tem sido crítico à quaren-
tena e afirma temer um colapso
econômico. Há 18 dias, a pasta é
chefiada interinamente pelo ge-
neral Eduardo Pazuello. Indaga-
do ontem sobre a falta de um


titular no ministério e dos secre-
tários que deixaram o governo,
o secretário executivo substitu-
to, Élcio Franco, disse que “a
máquina não para” e estão sen-
do feitas “entrevistas com can-
didatos” para as vagas. O gover-
no disse ainda ter habilitado
7.441 leitos de UTI e distribuído
2.651 ventiladores a Estados.
Ontem, na saída do Palácio
da Alvorada, Bolsonaro disse
que “lamenta por todos os mor-
tos, mas é o destino de todo
mundo”. A afirmação foi feita
após uma apoiadora pedir uma
palavra de conforto para os “en-
lutados, que são inúmeros”.
Do primeiro óbito até o mar-
co das mil mortes, em 10 de
abril, foram 25 dias. Quase um
mês depois, em 9 de maio, o
País passou das 10 mil vítimas,
54 dias após a primeira. Dali pa-
ra as 20 mil mortes, foram ape-
nas 12 dias e, depois, mais 11 dias
até a marca dos 30 mil mortos.
Embora a velocidade de con-
tágio esteja acelerada, os outros
países demoraram menos tem-
po para alcançar a marca de 30
mil óbitos. Nos Estados Uni-
dos, foi atingida no 47.º dia após
a primeira morte; no Reino Uni-
do, no 59.º dia.
O epidemiologista Pedro Hal-
lal, da Universidade Federal de
Pelotas, coordena um estudo
sobre o número de infectados.
A pesquisa, a primeira em âmbi-
to nacional, estima que o núme-
ro de casos seja sete vezes
maior no Brasil. “Se repetir o pa-
drão dos países que têm está-
gios mais avançados, estamos
muito perto do pico no Brasil.”
Alguns Estados têm adotado
planos de reabertura que, embo-
ra graduais, podem alterar o flu-
xo da epidemia e prolongar a
chegada do pico. É o caso de São
Paulo, cujo governo anunciou
uma retomada em cinco fases a
partir deste mês – ontem, o Esta-

do também bateu recorde, com
327 óbitos em um só dia. “Prati-
camente todos os países que já
passaram por essa fase, no mo-
mento do pico ou ao redor do
pico, estavam fechados. O Bra-
sil está aplicando um modelo di-
ferente”, diz Hallal.
Ontem, a Organização Pan-
Americana de Saúde (Opas),
braço da Organização Mundial

da Saúde, sugeriu a governado-
res brasileiros que mantenham
medidas de isolamento social.
“A mortalidade vem crescendo.
De 11 a 25 de maio, o total de
municípios infectados aumen-
tou 68%. É importante que as
medidas sejam implementadas
em conjunto”, disse Marcos Es-
pinal, diretor do Departamento
de Doenças Transmissíveis da

entidade, que recomendou cui-
dado maior em Estados como
Amapá, Ceará e Maranhão, com
altas taxas UTIs ocupadas.

Testes. Além disso, a Opas cri-
ticou o baixo índice de testa-
gem no País, de 4,3 mil por mi-
lhão de habitantes. Os exames
são considerados essenciais pa-
ra mapear o espalhamento do

vírus e planejar a reabertura
com segurança. O continente
americano, segundo a OMS, é o
epicentro da pandemia no mun-
do e ainda não chegou ao pico.
Rafaela Rosa-Ribeiro, douto-
ra em biologia celular que traba-
lha com um grupo de virologis-
tas no Ospedale San Raffaele,
em Milão, destaca o elevado nú-
mero de casos e a baixa testa-
gem no Brasil. “Pode ser que a
situação seja ainda mais crítica
nas próximas semanas”, diz.
Ela compara ainda Brasil e Itá-
lia. Após ser o epicentro da
doença na Europa, a Itália che-
gou aos 33 mil mortos e agora
inicia a retomada das ativida-
des econômicas. “Na Itália não
tivemos a fase de negação da
doença. Assim que estava se es-
palhando, os cidadãos e os líde-
res já assumiram suas responsa-
bilidades para tentar frear o es-
palhamento e se organizar em
termos de atendimentos médi-
cos e ajuda social. Quando che-
gamos a esse número, já tínha-
mos medidas importantes e ha-
via expectativa de quando os ca-
sos começariam a baixar. Havia
esperança.”
Professor da Faculdade de
Saúde Pública da USP, Eliseu
Waldman afirma que a interiori-
zação do vírus preocupa. “Acho
que os prefeitos, pressionados
pelas forças econômicas de eli-
te da cidade, acabam cedendo
(na reabertura) e há aumento
(de casos)”, diz. Conforme o Es-
tadão mostrou ontem, um em
cada três registros no País está
fora de capitais e regiões metro-
politanas. O fato de o País não
ter conseguido construir con-
senso sobre as medidas de dis-
tanciamento social e delegado a
governadores e prefeitos a deci-
são de abrir regiões também te-
ve impacto. “A gente está pagan-
do um preço por isso”, diz./
COLABOROU GUILHERME BIANCHINI

RAPHAEL ALVES/EFE

lProposta

Liberado reajuste de 5,21% para os remédios. Pág. A16 }


Jovem perde mãe, avó e irmão: ‘Essa doença é horrível’


Painel extra da Brazil


Conference at Harvard &
MIT terá a participação


do ex-ministro Luiz


Henrique Mandetta


Brasil bate


recorde e


atinge 31 mil


mortes


Marca foi alcançada 79 dias após 1º óbito;


total de infectados chegou a 555,4 mil


“Não é um painel que tem
como intenção discutir os
lados negativos. A saúde do
Brasil tem muitos pontos
positivos. O foco é saúde, o
que existe e como
poderemos melhorar.”
Fernando Pereira Bruno
MÉDICO E MEDIADOR DO EVENTO
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