O Estado de São Paulo (2020-06-03)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-6:20200603:
B6 Economia QUARTA-FEIRA, 3 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ENTREVISTA


Thaís Barcellos


Com o dólar valorizado em rela-
ção ao real, o Brasil se tornou
“barato” aos olhos do estrangei-
ro, o que pode se traduzir em au-
mento do investimento e reto-
mada “surpreendente” do cres-
cimento no período pós-pande-
mia, se o País mantiver o com-
promisso fiscal e a agenda de re-
formas. A avaliação é do econo-
mista-chefe do Bradesco, Fer-
nando Honorato. “Se a discus-
são (sobre contas públicas) for me-
lhor do que o cenário-base, o
PIB pode surpreender. Pode co-
meçar já no 2.º trimestre uma
discussão mais forte sobre as re-
formas tributária e administrati-
va, sobre as privatizações. Bara-
to o País já ficou pela deprecia-
ção do câmbio. Agora, para a per-
cepção de ficar barato se trans-
formar em uma oportunidade
de investimento, depende de
olhar para frente e ver que a
perspectiva é boa”, disse.


lComo o sr. avalia o resultado
do PIB do 1º trimestre, de queda
de 1,5%?
A gente tem separado essa cri-
se em três pilares: de saúde pú-
blica, de impactos econômicos
e de respostas de políticas pú-
blicas, de estratégias de saída.
Para pensar a atividade, quan-
to o PIB vai cair este ano, quan-
to vai subir no ano que vem,


ainda dependemos muito do
primeiro pilar, ou seja, de saú-
de pública. É o que vai determi-
nar a profundidade e extensão
do segundo, que são os impac-
tos econômicos. E até mesmo
o terceiro, sobre quais vão ser
as respostas de políticas públi-
cas necessárias para mitigar os
efeitos (da crise). Então, o que
estamos olhando com lupa é
ainda o primeiro pilar. Quan-
do os casos do Brasil vão se es-
tabilizar. Aqui, eu diria que há
boas e más notícias: as boas no-
tícias são que o Brasil conse-
guiu ter uma curva menos incli-
nada do que a maior parte dos
países em que houve colapso
do sistema de saúde. Isso aju-
dou bastante a proteger algu-
mas vidas. A má notícia é que a
nossa curva ainda não se esta-
bilizou, ainda está crescendo.
Os dados (do PIB) do primei-
ro trimestre e de abril e maio
são muito semelhantes ao que
temos visto no mundo todo. O
dado do primeiro trimestre,
em particular, a parte de inves-
timento, que cresceu ainda, é
um grande retrovisor. Então,
tem pouca informação contida
naquele PIB que nos ajude a
pensar para frente. No segun-
do trimestre, os indicadores
tanto públicos quanto priva-
dos apontam para uma queda
do PIB que pode chegar a 10%.
De novo, muito semelhante à
expectativa de outros países:
para os EUA é 10%, para a Eu-
ropa, também. Parece uma cri-
se muito sincronizada. Não dá
para evitar um impacto muito
grande no segundo trimestre.

lComo o sr. avalia que será o

processo de retomada?
A retomada, tanto global quan-
to do Brasil, depende de uma
resposta que a gente não tem,
que é a existência do remédio.
Se tiver remédio, acho que a vi-
da volta ao normal relativamen-

te rápido. Na ausência de remé-
dio, me parece claro que as pes-
soas não vão voltar à vida nor-
malmente, então, acho que a re-
tomada tende a ser gradual. As
empresas vão ter de se adaptar,
tomar alguns protocolos de
saúde nas fábricas e nos escritó-
rios, e isso tudo faz com que se
tenha não só uma retomada
mais gradual, mas custos mais
importantes para empresas e a
sociedade. Daí que vem nossa
projeção: uma queda (do PIB)
de 5,9% este ano, com alta de
3,5% no ano que vem.

lEntão, no fim do ano que vem

ainda não teremos retomado o
patamar pré-crise?
Pelo cenário-base, a gente ain-
da não retoma. Estamos vendo
um quadro em que há um au-
mento da taxa de desemprego
que é importante, a renda das
famílias sendo impactada e o
governo e as empresas saindo
mais endividados dessa crise.
Todo mundo sai um pouco
mais endividado dessa crise.
Daí vem essa ideia de cresci-
mento de 3,5% em 2021. Dito is-
so, preciso fazer duas qualifica-
ções importantes, uma técnica
e uma de cenário. A técnica é
que a projeção de 3,5% do ano
que vem já tem embutida uma
recuperação forte na margem
(alta de 5,5% do PIB no 3.º tri-
mestre e de 2% no 4.º trimes-
tre). Tem uma aceleração im-
portante na margem, que dá
um sentimento diferente. O se-
gundo é se vamos ter condi-
ções de surpreender no pós-cri-
se. Se nossa agenda de refor-
mas avançar, se tivermos uma
perspectiva de ter o teto de gas-
tos mantido e, portanto, uma
redução do prêmio de risco fis-
cal, temos condições de man-
ter os juros baixos por um pe-
ríodo longo. Aliás, é parte do
nosso cenário (2,25% para Se-
lic até o fim de 2021) e o crédi-
to junto com as ações do Ban-
co Central de liquidez pode ser
um catalisador. Há ainda um
elemento que é chave: essa de-
preciação do câmbio tornou o
Brasil mais barato. Então, se
formos capazes de retomar a
agenda de reformas nesse con-
texto de compromisso com as
contas públicas, o Brasil tem
chance de surpreender. Mas es-

sa surpresa não é o cenário-ba-
se ainda. Precisa ver esses de-
senvolvimentos para que a sur-
presa se torne o cenário-base e
possamos crescer mais do que
3,5% no ano que vem.

lDe que depende essa surpresa?
O cenário-base é alguma reto-
mada de agenda de reformas,
manutenção do teto e de juros
baixos. Mas temos incerteza
de como vai se dar a discussão
disso tudo, em particular das
contas públicas no próximo
ano. Se a discussão for melhor
do que o cenário-base, o PIB
pode surpreender. Pode come-
çar já no segundo trimestre
uma discussão mais forte so-
bre a reforma tributária e admi-
nistrativa, sobre as privatiza-
ções. Barato o País já ficou pe-
la depreciação do câmbio. Ago-
ra, para a percepção de ficar ba-
rato se transformar em uma
oportunidade de investimen-
to, depende de olhar para fren-
te e ver que a perspectiva é
boa. Precisa ver como vai ser o
cenário pós-pandemia.

lPor que o câmbio brasileiro se
descolou tanto dos emergentes
nos últimos meses?
Essa é uma característica que
deriva, de um lado, da profundi-
dade do nosso sistema financei-
ro e, muitas vezes, os investido-
res usam os ativos brasileiros
para fazer proteção ou se defen-
der de outros mercados. Mas
tem uma segunda dimensão.
Ao não crescer (o PIB) , a dívi-
da pública continua crescendo
em relação ao PIB. Não crescer
gera todo tipo de tensão políti-
ca que você pode imaginar.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Leandro Karnal
Colunista do Estadão

Mediação: Rita Lisauskas


Confi rmado:


5/6, ÀS 17H30


O Media Lab Estadão e a Elo promovem,
com transmissão ao vivo pelas redes
sociais do Estadão, a live “Abraço a
distância: como demonstrar carinho
estando longe”, com o historiador e
colunista do Estadão, Leandro Karnal.

Abraço a distância:


como demonstrar


carinho estando longe


l‘Barato’

Bird vê ‘cicatrizes’ para países emergentes. Pág. B7 }


JF DIORIO / ESTADÃO - 14/5/2019

“Barato o País já ficou pela
depreciação do câmbio.
Agora, para essa percepção
se transformar em
investimento, depende de
olhar para frente e ver
que a perspectiva é boa.”

Honorato. Cenário projeta queda de 5,9% do PIB neste ano

‘Com reformas, PIB pode surpreender’


Para economista, câmbio
alto ajuda a atrair novos


investimentos do exterior,


mas discussão sobre


reformas precisa avançar


Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco

Free download pdf