O Estado de São Paulo (2020-06-03)

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B8 Economia QUARTA-FEIRA, 3 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Bruno Romani


Além do uso esperto de tecno-
logia, da predileção por apeli-
dos baseados em animais fan-
tásticos e de um vocabulário
próprio, uma das ideias que
as startups ajudaram a popu-
larizar ao longo da última dé-
cada é o uso de escritórios
compartilhados. Com banca-
das coletivas, um estilo de de-
coração próprio e café ou
água saborizada à disposi-
ção, esses espaços pipocaram
nas grandes cidades do mun-
do, chamando a atenção de
empresas que buscavam flexi-
bilidade na hora de pôr a mão
na massa. Agora, porém, com
a onda de isolamento social e
novas precauções por conta
da pandemia do coronavírus,
esse modelo se encontra nu-
ma encruzilhada.
O problema já começou por
conta da quarentena, quando
muitos desses espaços tiveram
de fechar, obedecendo a ordens
das autoridades. Em pesquisa
realizada com 39 escritórios
compartilhados no País, 92% de-
les afirmaram ter queda de fatu-
ramento no primeiro mês de
pandemia – mais da metade, se-
gundo o estudo feito pelo Insti-
tuto Nexxera e o Studio Sapien-
za, tiveram queda de receita en-
tre 25% e 75%. É um impacto


menor do que outros setores,
mas ainda assim é significativo.
“Os espaços de coworking
não foram afetados imediata-
mente como restaurantes. Esti-
ma-se que até 15% dos espaços
devem fechar no Brasil, pois es-
sa é uma crise de fluxo de caixa”
diz Roberta Vasconcellos, fun-
dadora da BeerOrCoffee, star-
tup que funciona como uma pla-
taforma de escritórios compar-
tilhados. Por meio de uma assi-
natura, o usuário da empresa po-
de acessar coworkings em mais
de 150 cidades brasileiras. “A cri-
se deve afetar principalmente
os nomes menores do setor”,
afirma a executiva.
O tamanho exato do impacto
ainda é difícil de medir. Tanto
startups quanto escritórios es-
tão renegociando os seus con-
tratos de aluguel de espaços pa-
ra tentar baixar os custos duran-
te a crise. “Por enquanto, ape-
nas dois ou três espaços deixa-
ram a nossa rede”, diz Roberta.
Na pesquisa da Nexxera, ape-
nas 2%, ou um único espaço,
afirmou que fechará as portas,
enquanto 71% disseram que es-
tão renegociando contratos co-
mo estratégia de retenção.

Renegociação. Esse é um movi-
mento que acontece no Cubo, lo-
calizado na zona sul de São Pau-
lo. O centro de startups adminis-
trado pelo banco Itaú não tem a
locação como principal fonte de
renda – a maior parte dos recur-
sos vem do patrocínio de empre-
sas interessadas em estar “perto
da inovação”. Isso não impediu
o espaço de
entrar num

movimento de renegociação
com as 130 startups e as 30 gran-
des empresas que mantêm seus
braços de inovação no local.
“Procuramos as startups com
um plano de auxílio enquanto o
Cubo estiver fechado. Aquelas
que ocupam até 10 cadeiras, pa-
garão por uma. As que têm mais
de 10 cadeiras, pagarão por
três”, explica Pedro Prates, res-
ponsável pelo Cubo Itaú. Até o
momento, nenhuma startup
presente no Cubo fechou as por-
tas – para estar no local, é preci-
so passar por um comitê de sele-
ção e pagar pelo menos R$ 1 mil
para cada posição no prédio.
Porém, o edifício de 13 anda-
res que sedia o Cubo, no qual cir-
culam entre 1 mil e 2 mil pessoas
por dia, também é alugado, o que

forçou a organização a se reade-
quar. Prates não confirma se
houve renegociação no contra-
to, mas diz que precisou rever e
cortar diversos custos do local.
Maior empresa do setor, a pon-
to de ter virado sinônimo de es-
critório compartilhado, o
WeWork também confirmou ao
Estadão que foi afetado pela
pandemia. Com 828 unidades
em todo o mundo, a empresa já
vinha tendo problemas antes
mesmo da crise – no ano passa-
do, a startup fundada por Adam
Neumann cancelou seus planos
de abertura de capital por proble-
mas de governança e falta de soli-
dez em seu modelo de negócios,
com dificuldades para dar lucro.
O drama continua: no mês pas-
sado, a agência de notícias Bloom-

berg reportou que a avaliação de
mercado da empresa foi reduzi-
da para US$ 3 bilhões – na época
do plano de abertura de capital,
esse número girava em torno de
US$ 47 bilhões. Mas a empresa
não perde as esperanças. “Em al-
guns mercados em que nossas
unidades já foram reabertas, co-
mo na Ásia, já é possível perce-
ber que a demanda pelo produto
da WeWork está muito relacio-
nada à reavaliação, por parte das
empresas, da necessidade de
contratos de longo prazo”, expli-
ca Lucas Mendes, diretor geral
da companhia no Brasil.

Flexibilidade. Para Roberta a
flexibilidade é algo que pode aju-
dar o setor. “Os coworkings sur-
giram em 2008, após a crise do

mercado imobiliário nos Esta-
dos Unidos. “Quem sobreviver
à crise de agora vai crescer”, afir-
ma. E enquanto as startups e al-
gumas companhias questio-
nam se um espaço compartilha-
do vale a pena, outras podem se
interessar pelo modelo justa-
mente depois da quarentena,
após serem forçadas a desco-
brir que podem funcionar longe
de seus escritórios.
Além da flexibilidade de con-
tratos, as empresas de qualquer
tipo vão precisar de espaços
com mais possibilidades. Esti-
ma-se que, ao mesmo tempo
que procurarão escritórios me-
nores, elas precisarão de mais es-
paço entre cada uma das pes-
soas – segundo a Organização
Mundial da Saúde, o espaçamen-
to de cadeiras deverá ser de 1,8
metro no escritório do futuro.
Até mesmo a localização dos
escritórios deverá ser mais flexí-
vel. Um dos movimentos é que
startups e empresas tentem co-
locar funcionários em espaços
mais próximos de suas residên-
cias. Isso ajudaria a evitar o uso
de transporte público, que tem
potencial de aglomerações.
No final das contas, não é a
quantidade café gourmet ou o
móvel descolado que determina
qual startup será a mais inovado-
ra – uma aparência na qual muita
gente acreditou. “O que torna
faz uma startup ser uma startup
não é o espaço físico ou o escritó-
rio”, afirma André Barrence, che-
fe do centro Google for Startups
de São Paulo. “É muito maior e
estamos colocando isso à prova.
É um bom momento para quem
quer sair fortalecido.”

das startups de serviços
financeiros no País começaram a
operar entre 2016 e 2019

A


partir do que já sabemos, quais os impactos
e efeitos de médio e longo prazo da pande-
mia? O que dizem as pesquisas, não sobre o
vírus ou seu impacto biológico, mas sobre alguns de
seus efeitos colaterais, nas pessoas, na economia?
Um efeito que já está conosco e tende a ser pouco
notado é que a covid-19 terá um efeito psicológico
imenso e duradouro. Pesquisadores já documen-
tam sentimentos de tristeza e tédio ligados a uma
sensação de desaceleração. Para 50% das pessoas, o
tempo está passando mais lentamente – e só 24%


acham que está mais rápido. Antes da pandemia,
entre 5 a 7% da população dos EUA atendia a crité-
rios para ter diagnóstico de depressão. Dependendo
da definição, cerca de 50% da população americana
se encontrava deprimida – e isso antes dos protes-
tos violentos dos últimos dias. Será que a alta signifi-
cativa da depressão é um dos ‘novos normais’?
Em pesquisa recente no Japão, 90% dos consulta-
dos disseram estar preocupados com sua saúde e só
4% põem a economia à frente de tudo. Mas, e se
ouvindo só os 4%, shoppings e lojas e tudo mais
reabrisse em breve, os clientes voltariam? Uma pes-
quisa nos EUA diz que 58% não iriam ao cinema e
teatros, 57% não iriam a eventos esportivos, 50%
não voltariam às academias, 48% não iriam a bares e
restaurantes. Apesar de uma minoria acreditar que
as pessoas querem estar “lá fora” a qualquer risco,

pesquisas no mundo todo (incluindo as citadas
aqui) parecem mostrar que a covid-19 não afeta o
instinto de sobrevivência dos humanos. Ainda bem.
Mas, por outro lado, nem tanto. Nos EUA, uma
pesquisa descobriu que 44% dos republicanos crê
numa teoria da conspiração segundo a qual Bill
Gates planeja usar a vacina contra a covid-19 pra
implantar microchips em bilhões de pessoas e mo-
nitorá-las. Já no Brasil, um “apóstolo” vendeu al-
go bem mais pé no chão – um broto de feijão “mila-
groso” – por até R$1.000, para curar os males do
coronavírus. Ainda bem que o MPF estava atento.
Voltando às teorias da conspiração, boa parte
delas é desinformação (informação falsa, criada pa-
ra atacar), misinformação (também falsa, mas sem
intenção de causar dano) e mal informação (basea-
da na realidade e usada para atacar). Coletivamen-

te chamadas de fake news, elas são usadas em dispu-
tas pelo poder – algo tão antigo quanto o poder.
A infodemia causada pela covid-19 dá mais uma
mostra que idosos espalham mais fake news –
até sete vezes mais – do que suas contrapartes
mais jovens. Um estudo recente mostra que re-
lações interpessoais na terceira idade e analfa-
betismo digital têm um papel muito relevante
na predisposição a acreditar em e espalhar fake
news. Boa notícia, em partes. Talvez os mais no-
vos, que nasceram na rede, sejam menos ingê-
nuos no futuro, quando ficarem mais velhos.

]
É PROFESSOR EXTRAORDINÁRIO DA CESAR.SCHOOL,
FUNDADOR E PRESIDENTE DO CONSELHO DO PORTO
DIGITAL E CHIEF SCIENTIST NA TDS.COMPANY

SILVIOMEIRA


Efeitos não biológicos


da covid-19


PARCERIA
Cliente da Vai.Car
pode fazer entrega
A Vai.Car, plataforma de lo-
cação de carros, anunciou
uma parceria com a rede de
mercados Supermercado
Now. Agora, motoristas que
alugam carros da Vai.Car
para dirigir para apps como
99 e Uber poderão também
fazer entregas de mercado
para complementar a renda.

[email protected]

BEERORCOFFEE

Demanda.
Espaço do
WeWork em
SP: empresa
espera atingir
novos públicos

é o número de fintechs que
existem no Brasil, segundo
estudo da Distrito
QUERO EDUCAÇÃO

FELIPE RAU/ESTADÃO - 13/5/2019

Impacto. Crise deve afetar mais nomes menores, diz Roberta

Popular entre startups e


empresas que buscam ser
inovadoras, modelo terá


de ser revisto por questões


de saúde e finanças


EM XEQUE


insight


“Os escritórios
compartilhados
surgiram

em 2008, após
a crise do

mercado
imobiliário

nos Estados
Unidos. Quem
conseguir

sobreviver à crise
atual vai crescer”

742


49,6%


APORTE
Digibee levanta
US$ 5 mi e mira EUA
Dona de solução que ajuda gran-
des empresas a integrar siste-
mas digitais, a startup Digibee
levantou um aporte de US$ 5
milhões junto ao fundo GAA
Investments. Com os recursos,
a empresa de Rodrigo Bernardi-
nelli (foto) pretende dobrar a
equipe, hoje com 50 pessoas,
e começar a operar nos EUA

Escritórios compartilhados


buscam saídas durante


e depois da quarentena


Roberta Vasconcelos
CEO da BeerOrCoffee
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