Elle - Portugal - Edição 381 (2020-06 & 2920-07)

(Antfer) #1
FOTOS: LES ANDERSON (1)

REPORTAGEM


38 ELLE PT


(causado pela ausência de vibração dos
automóveis e fábricas) decresceu. E até
os animais selvagens, que até então
viviam em áreas de floresta, começaram
a sentir-se à vontade para regressarem
a zonas que, antes de terem prédios,
estavam pavimentados de terra e plantas
silvestres. Claro que esta paragem tem-
porária não é suficiente para abrandar o
aquecimento global, mas neste terreno
sombrio e pantanoso, acaba por ter a
nobre função de mostrar à humanidade
de que ainda é possível equilibrar a
balança ecológica.

PONTO DE VIRAGEM
Como já é sabido, a indústria da moda
tem um papel fundamental na manu-
tenção deste equilíbrio ambiental. De
acordo com um estudo feito pela WWF,
em 2017, ela emite 1,7 biliões de tone-
ladas de CO2 anuais, produz 2,1 biliões
de toneladas de desperdício – sendo que,
de acordo com a Agência Portuguesa do
Ambiente, os portugueses contribuem
com cerca de 200 mil toneladas de roupa
para este número – e ainda é responsá-
vel pela poluição de cerca de 20% da
água mundial durante os processos de
produção, e pela libertação de 35% dos
microplásticos presentes nos oceanos.
Olhando para estes dados, a mensa-
gem parece ser clara: tanto a indústria
da moda como nós (através da forma
desenfreada como consumimos), preci-
samos mudar. Mas será que esta altura
(em que ganhámos mais consciência do
impacto que a poluição tem na nossa
saúde, nomeadamente com vários es-
tudos a apontarem para a mesma como
uma possível responsável pela a degra-
dação do estado clínico dos doentes

com Covid-19) pode ser aproveitada
pela indústria para finalmente perceber
que alcançar a sustentabilidade é algo
absolutamente necessário?
Não somos donos de uma bola de
cristal – e fazer futurismos não é solu-
ção – por isso, uma das possíveis formas
de tentar perceber de que maneira se
podem as coisas desenrolar, é olhando
para o passado. «É seguro dizer que,
historicamente, existem exemplos de
uma relação entre grandes convulsões
sociais e o consumo produtos de segun-
da necessidade como a moda», começa
por nos esclarecer a historiadora Magda
Pinheiro, «Depois da Revolução Fran-
cesa emergiu uma moda corporizada
numa nova liberdade de vestir, fazendo
desaparecer as formas de usar roupa
identificadas com a sociedade de or-
dens, nomeadamente com a nobreza.
As ideias dominantes eram a da liber-
dade do corpo, e da simplicidade (...)
A primeira Guerra Mundial, as mortes
da pandemia e finalmente os triunfos
das sufragistas vão trazer uma nova
necessidade de libertação. A cintura
desce nos vestidos das mulheres, e as
saias sobem, apenas cobrindo o joe-
lho. Esta nova moda conhece alguma
democratização, pois estende-se até à
pequena burguesia urbana numa altura

em que a expansão urbana se afirmara.
(...) A crise de 1929 trás um retorno do
moralismo. Uma nova descida das saias,
o carrapito no cabelo e a roupa escura
voltam a afirmar-se, por exemplo, no
Portugal de Salazar (...) Após a segun-
da Guerra Mundial, durante a qual
houve falta de comida e de tecidos em
quase toda a Europa, e as mulheres se
vestiam com o que podiam, houve um
novo florescimento da moda. A moda
logo no pós-guerra traz as calças como
elemento fundamental do guarda-rou-
pa feminino. As camisolas coladas ao
corpo, e os fatos de banho em latéx.»

NECESSIDADE DE MUDAR
Se existe algo que a história tornou evi-
dente, é que, depois de um período mais
conturbado, a moda passa por mudanças
inevitáveis – quer seja porque estava
presa a uma sociedade mais empobre-
cida, porque esta procurava mais liber-
dade ou porque mudou por completo o
seu sistema de valores. Identificar onde
está exatamente essa mudança é que
nunca é fácil. No entanto, parece que
no caso da moda o caminho que se está
a traçar é rumo a uma indústria mais
“green”. Algo que se tornou eviden-
te quando em abril deste mesmo ano
novos nomes se associaram ao Fashion
Pact (uma coligação criada durante a
reunião dos G7, em França, em 2019,
onde conglomerados, industria têxtil
e produtores de matérias-primas se
comprometeram a combater o aqueci-

«ESTA SITUAÇÃO
SEM PRECEDENTES
VEIO-NOS MOSTRAR
QUE QUANDO
A HUMANIDADE
SE JUNTA POR
UMA CAUSA COMUM,
UMA MUDANÇA
RÁPIDA PODE
ACONTECER.»
JAVIER GOYENECHE,
FUNDADOR DA ECOALF
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