National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1
ANATUREZACOMOFONTEDEINSPIRAÇÃO 93

Mais tarde, matemáticos como Leonhard Eu-
ler demonstraram que esse princípio também
se aplica fora do âmbito terrestre, por exemplo,
na descrição da trajectória de um planeta em
órbita do Sol. “Foi a semente matemática que
permitiu compreender como a natureza alcança
um nível máximo de optimização”, acrescenta
Francesc Arbós, que realizou experiências des-
ta índole nos seus próprios projectos. Recorreu
por exemplo ao efeito Venturi, esse fenómeno
físico que proporciona às termiteiras gigantes o
seu extraordinário sistema de ventilação. “Tra-
ta-se de fazer circular o ar através de condutas
que se estreitam de maneira a criar correntes de
ar, permitindo desta forma evitar sistemas de ar
condicionado”, explica.
A empresa Bellapart pôs o sistema em prática
no enorme átrio do edifício da Endesa em Ma-
drid, projectado pelo atelier KPF Architects, de
Londres, e galardoado pela sua sustentabilidade.
Antes disso, fora testado noutra construção in-
dustrial premiada, a Metalúrgica Ros, localizada
em Sant Jaume de Llierca, em Gerona.


OS DESENVOLVIMENTOS MATEMÁTICOS de Mau-
pertuis, Euler e outros haveriam de desencadear
investigações que abririam um mundo de possibi-
lidades a arquitectos e engenheiros, desde encon-
trar o caminho mais curto para unir duas cidades
até fazer experiências com as forças moleculares
de diferentes superfícies e materiais. Na década de
1960, o arquitecto alemão Frei Otto promoveu as
primeiras grandes construções inspiradas no
mundo natural, que puseram na vanguarda uma
arquitectura baseada nas formas orgânicas.
Otto nasceu em 1925, um ano antes de um eléc-
trico tirar a vida a Antoni Gaudí, para quem a na-
tureza era um guia primordial. “O grande livro,
sempre aberto, e que devemos esforçar-nos por
ler, é o livro da natureza”, dizia o genial precursor
do modernismo. “Os outros livros foram extraí-
dos deste e neles encontram-se os erros e más
interpretações dos homens.”
Foi precisamente Gaudí, seguido por Otto e
outros, como o visionário arquitecto norte-ame-
ricano Buckminster Fuller, que “abriram cami-


nho à geometria computacional, disciplina que,
através de algoritmos geométricos, permite hoje
optimizar variáveis como o consumo energético,
a eficiência estrutural, os custos ou a ilumina-
ção”, acrescenta Francesc Arbós. Alguns autores
sugerem que Fuller, inventor da cúpula geodési-
ca e em cuja homenagem se chamou fulerenos
às moléculas esféricas de carbono, devido à sua
parecença com as cúpulas que ele desenhou, de-
dicou a vida a responder a uma pergunta: “Terá
a humanidade possibilidade de sobreviver com
sucesso no planeta Terra e, se sim, como?” A ver-
dade é que esta é uma pergunta que continua a
ser feita, hoje mais do que nunca.
Como defende Janine Benyus, responsável
pelo Instituto de Biomimética de Montana, nos
EUA, a resposta está na natureza, onde a vida
encontra respostas há 3.800 milhões de anos
para resolver todo o tipo de problemas de de-
sign e de adaptação ao ambiente. Segundo esta
bióloga, a natureza revela-nos um modo de
construção no qual toda a matéria possui uma
função e em que tudo está integrado no sistema.
A automontagem, o uso de CO 2 como maté-
ria-prima, a transformação da energia solar, o
poder da forma, a autolimpeza, a auto-repara-
ção ou o aproveitamento da água são algumas
das capacidades inspiradoras que deveríamos
aprender com a natureza.
Na mesma linha de pensamento, encontra-se
o arquitecto britânico Michael Pawlyn, que de-
fende a necessidade de aumentar radicalmen-
te a eficiência e a gestão dos recursos na cons-
trução, evitando a utilização de combustíveis
fósseis. Pawlyn participou no Projecto Éden,
desenvolvido pelo gabinete de arquitectura de
Nicholas Grimshaw, situado na Cornualha, em
Inglaterra. Inspirado em moléculas de carbono,
como as cúpulas geodésicas de Fuller, foi cria-
da a maior estufa do mundo, constituída por
dois grandes biomas que acolhem diferentes
ecossistemas. Em vez de vidro, a sua cobertura
é feita de peças poliédricas de um polímero de-
nominado ETFE (acrónimo de etileno tetrafluo-
retileno), que possibilitam um tamanho até sete
vezes maior, pesando apenas 1% do que pesaria
o vidro, apesar do duplo revestimento. A sua
leveza permitiu minimizar o uso de aço na es-
trutura, proporcionando maior luminosidade.
“Calculámos que, no final do projecto, o peso
desta superestrutura seria menor do que o peso
do ar contido no seu interior”, afirmava Pawlyn
há algum tempo.

A Casa Kaufmann, ou casa da cascata, na Pensilvâ-
nia, é um exemplo de integração na natureza. Esta
obra, da autoria de Frank Lloyd Wright, assenta
sobre a própria rocha da cascata. Todos os seus
espaços estão relacionados com o exterior e
existe neles uma presença visual e sonora da água.


IAN DAGNALL / ALAMY / CORDON PRESS

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