National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1
ANATUREZACOMOFONTEDEINSPIRAÇÃO 97

“Os microrganismos oferecem possibilidades
infinitas e são muito diversificados e abundan-
tes”, diz Carlos Medina, microbiólogo da Univer-
sidade de Sevilha. “Estima-se que, em determi-
nadas zonas do oceano, existam 109 células por
litro de água. Num grama de solo há mais micror-
ganismos do que seres humanos no planeta e, no
corpo humano, há mais microrganismos do que
células.” Muitos cientistas fazem investigação
sobre a maneira como estes seres obtêm energia
e como produzem compostos derivados do seu
metabolismo, estudando a sua caprichosa mor-
fologia. “Graças à sinergia entre microbiologia e
arquitectura, é possível reduzir tanto os materiais
não-renováveis como as fontes de energia basea-
das em petróleo, finitas e responsáveis pela crise
climática”, comenta Carlos Medina.
Alguns microrganismos podem ser utilizados
para a construção de materiais mais sustentáveis,
em especial os que precipitam carbonato de cálcio,
úteis para selar fendas, compactar solos arenosos
ou fabricar betão biológico, um material que aco-
lherá por sua vez fungos, musgos e líquenes. Tam-
bém podem gerar efeitos benéficos para a saúde.
“Alguns designs erróneos, e certos materiais como
o chumbo ou determinados microrganismos preju-
diciais, provocam a chamada síndrome do edifício
doente”, diz o microbiólogo. “Da mesma forma,
existem materiais e comunidades bacterianas que
podem conduzir a um ambiente mais saudável.”
As belas e ultrafuncionais estruturas dos mi-
crorganismos também são fonte de inspiração.
Como a tecnologia nos permite observá-los em
pormenor, o campo de imitação já não se confina
à natureza macroscópica: a natureza microscópi-
ca também estimula a mente de arquitectos e en-
genheiros, que vêem nela infinitas possibilidades.
Como disse Norman Foster, a arquitectura é
uma expressão de valores. Neste “nós evolutivo”
em que vivemos, como lhe chama Janine Benyus,
a tarefa de repensar estes valores e agir em con-
formidade será o caminho que deveremos seguir
se quisermos viver neste planeta a longo prazo. j

apenas vislumbrou protagonismo (não assumido)
em outras artes: ceramistas como Bordalo Pinheiro e
alguns dos nossos pintores, poetas e escritores como
Miguel Torga, Irene Lisboa ou Mário Cesariny.”


APESAR DO TALENTO de tantos génios e da influên-
cia que a natureza exerceu sobre todos, é evidente
que a nossa maneira de povoar o mundo acabou por
virar costas aos sistemas naturais, pondo em xeque
os ecossistemas e ameaçando a saúde à escala pla-
netária – sobretudo desde a Revolução Industrial
que, por sua vez, impulsionou o maior avanço social
e económico da história da humanidade, gerando
danos colaterais que são hoje mais do que óbvios.
A arquitectura não foi excepção, comenta Ra-
chel Armstrong, professora de arquitectura ex-
perimental na Universidade de Newcastle. “Os
nossos edifícios são responsáveis por metade do
consumo mundial de energia e por metade de
todas as emissões de gases com efeito de estufa.
Consomem um sexto da água potável, um quarto
das safras mundiais de madeira e dois quintos das
restantes matérias-primas, enquanto os ciclos de
construção e demolição dos edifícios produzem
dois quintos dos nossos resíduos”, diz. Todas as
edificações da actualidade têm algo em comum:
“Foram feitas com tecnologia vitoriana. Desenha-
mos as plantas, pomos em marcha processos de
produção industrial e desenvolvemos um esforço
de construção que culmina num objecto inerte.
A transferência de energia ocorre apenas num
sentido – do ambiente para as nossas casas e cida-
des. E isso é insustentável.”
Rachel Armstrong está envolvida naquilo a que
chama arquitectura metabólica, baseada em ma-
teriais que se relacionam com o ambiente. “Con-
segue imaginar-se a projectar edifícios como a
natureza o faria? Reproduzindo a sua forma e
processos, mas incorporando todo o espectro de
propriedades dos seres vivos, capazes de enrique-
cer e regenerar o mundo?”, pergunta. Após reali-
zar experiências com protocélulas que produzem
estruturas semelhantes a calcário – o que poderia
ser de extrema utilidade para, por exemplo, rege-
nerar os pilares de madeira dos frágeis alicerces de
Veneza – Rachel Armstrong lidera o projecto LIAR
(Living Architecture) para desenvolver tecnologias
vivas no âmbito do programa europeu FET Open,
que apoia ideias inovadoras com potencial para
desenvolvimentos tecnológicos. Trata-se de uma
iniciativa que faz experiências com tijolos que con-
têm microrganismos capazes de produzir oxigénio
e electricidade e de depurar as águas residuais.


“A BIOMIMÉTICA ABRE
CAMINHO A UMA ÉPOCA QUE SE
BASEIA NÃO NAQUILO QUE
PODEMOS EXTRAIR DA
NATUREZA, MAS NAQUILO QUE
PODEMOS APRENDER COM ELA.”
–JANINE BENYUS
Free download pdf