National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1

F


oinaquelasalaqueeuassineio Docu-
mentoOficialdeConfidencialidade.”Betty
Webb,de 97 anos,apontacoma bengala
paraumasaladorés-do-chãodamansão
aristocráticadeBletchleyPark,a lendária
instalaçãosecretadedescodificaçãobritâ-
nicadurantea SegundaGuerraMundial.
Umaenormesecretáriaé visívelatravésda
janelapanorâmica.“Umoficialdealta
patentedosserviçossecretosestavasentadoatrás
daquelasecretária”,conta.“Lembro-medeeleter
juntodesiumapistola,pousadadescontraida-
mente,ondeestáagoraaquelaxícaradecafé.Man-
daram-meassinaro documentoe disseram-me,em
termosmuitoprecisos,queeununcapoderiadizer
nadasobreo trabalhoqueaquifazia.Assinei.Foi
ummomentosolene.Eutinha 18 anosnaaltura.”
Corriao anode1941.AGrã-Bretanhaencontra-
va-seemguerra.Astropasalemãsjátinhamcon-
quistadograndepartedaEuropa.
Bettyfrequentaraumcursodeeconomiadolar,
masalistara-senoServiçoTerritorialAuxiliar(o
contingentefeminino)porque,comodiz,“queria
fazeralgomaispeloesforçodeguerradoquecozi-
nharfolhadosdesalsicha”.Bettyerabilingue,pois
cresceracomumapreceptoraalemãe foraaluna
deintercâmbionaAlemanha.Porisso,recebeuor-
densparaseapresentaremBletchley,localizadoa
cercadeumahoraa nortedeLondres.“Eratãose-
cretoqueeunemfaziaideiadoqueera– ninguém
fazia!– muitomenosdeondemeiriameter.”
Aoinício,Bettyrecebeua missãodecatalogar
osmilharesdemensagensderádioencriptadas
emalemãoqueospostosdeescutabritânicosin-
terceptavamtodososdias.Àmedidaquea guerra
avançava,porém,foi-lheatribuídoumpapelmais
criativo: parafrasear pedaços valiosos de infor-
maçãosecretarecolhidospelosdecifradores,de
modoa queninguémsuspeitassequetinhamsido
obtidosatravésdadesencriptaçãodemensagens.
“Precisávamosdedara impressãodequesetra-
tavadeinformaçãoobtidapornós,atravésdees-
piões,dedocumentosroubadosoudereconheci-
mentoaéreo”,disse.“Ofactodetermosdecifrado

oscódigosmilitaresalemãese japoneses era um
segredoguardadoa setechaves,conhecido ape-
nasporumpunhadodepessoas.”
Bettyapreciavao seutrabalho.“Gostava do lado
clandestino”,afirma,comumsorriso. Trabalhava
commensagensjaponesasinterceptadas e era tão
boaa parafrasearoconteúdoque, em Junho de
1945,terminadaa guerranaEuropa, foi enviada
paraWashingtona fimdecontribuir para o esfor-
çodeguerranorte-americanonoPacífico. “Fiz a
viagemnumhidroavião”,recorda.“Foi a primeira
vezqueandeideavião.Mandeiaos meus pais um
postaldeWashington.Tenhoa certeza de que se
interrogaramsobreo queandariaeu a fazer, mas
nuncamoperguntarame,dequalquer maneira,
eununcapoderiacontar-lhesa verdade.”
Sómuitasdécadasmaistardeé que os funcio-
náriosdeBletchleyParkforamautorizados a falar
sobreo seutrabalhodurantea guerra. “Nessa al-
tura,jáosmeuspaistinhammorrido e, por isso,
nuncasouberam”,contaBetty.“Todo esse secre-
tismo dificultoubastante atarefa de encontrar
empregodepoisdaguerra,particularmente para
os homens,uma vezque ninguém podia dizer
nadaaosempregadores
sobreosanosdaguerra,
exceptoquetinhamtra-
balhadonumsítiocha-
madoBletchleyPark.”
Betty Webb acabou
por arranjar trabalho
numa escola cujo di-
rector trabalhara tam-
bémemBletchleyPark.
“Nãoo conheceranessa
época,mas,quandoele
viunaminhacandida-
turaqueeutambémes-
tiveraemBletchley,não
foramprecisasmaispa-
lavras, nem perguntas
complicadas”, conta.
“Fiquei com o empre-
g o.”—RoffSmith

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“Eu queria fazer algo mais


pelo esforço de guerra do que


cozinhar folhados de salsicha.”


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