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esmoenquantocriança,Waltraud
Plessnãopôdedeixardeperceber
a maneiracomomuitosalemães
beneficiavamdoregimenazi.Não
tevedeesforçar-semuito:ospais
estavamfalidosquandoHitler
ascendeuaopoderem1933.Seis
anosmaistarde,o paieraoficial
dasWaffen-SS,a divisãomilitarde
elitedopartidonazi.Quandopartiuparacomba-
ternainvasãodeFrança,a famíliapossuíadois
automóveis,umabelacasae umarmazémcheio
demobiliáriovalioso“emsegundamão”.
“Deondeveiotodoaqueledinheiro?”,pergun-
taWaltraud.“Agora,tudomeparececlaro:sópo-
deriatervindodosagregadosfamiliaresjudai-
cos.Ninguémmepodedizerquenãosabiaque
osjudeuseramperseguidos.”
Umdia,o pailevou-aconsigodecarroatéao
campodeconcentraçãodeSachsenhausen,nos
arredoresdeBerlim.“Euviaspessoasqueláesta-
vam,a maneiracomoviviam”,conta.E sentiu-se
chocada?Amulherde 84 anos,impecavelmente
vestida,abanoua cabeçae encolheuosombros.
“Coisascomoaquelaeramaceitescomofactos.”
Atéque,derepente,deixaramdeo ser.NoOu-
tonode1944,Waltraudviuasestradasemredor
dasuacasa,cercade 200 quilómetrosa lestede
Berlim,encherem-sedefamíliasquefugiamao
exércitosoviético.Duranteváriassemanas,dor-
miucoma roupavestida,prontaparasejuntar
aorioderefugiadosa qualquerinstante.Porfim,
numagélidanoitedeFevereirode1945,chegou
a ordemdeevacuação.
“Acheique eratemporária”, recorda. “Logo
que os russosfossem derrotados,regressaría-
mosa casa.Eraassim,poderosa,a propaganda
[nazi]nessaépoca.”
Depoisde várias semanasem viagem, dor-
mindoemapartamentosdeestranhose emes-
taçõesferroviárias,ela,a mãe,o irmãoe a irmã
embarcaram parauma penínsulanacosta do
marBáltico,ondeexistiammuitascamasnum
destinoturístico.Noentanto,emAbril,o rápido
avançodossoviéticoscortouo acessoaoconti-
nentee nãohavianadaparacomer.
Semelectricidade nem rádio,Waltraude os
seusfamiliaressóseaperceberamdarendiçãoda
Alemanhaaoouviremtirosdecomemoraçãonas
unidadessoviéticasaquarteladasnascasasvizi-
nhas.Semprecomfome,Waltraudpassouessa
Primaveraà procuradealimento.Umdia,seguiu
acarroçadeumagricultor,queiapelaestrada
oscilandosobreo empedrado,e recolheuasba-
tatasquecaíamparaa suasaia.Semdarporisso,
viu-senomeiodeumcampo,longedacidade.
“Foientãoqueumsoldadorussomeagarroue
meviolou”,diz.Elatinha9 anos.Waltraudconta
quefugiuparacasaparacontaro sucedidoà mãe,
masosseusgritosforamrecebidoscomsilêncio.
NesseOutono,a família soube que opai de
Waltraudsobreviveraà quedadeBerlime estava
presopelosbritânicosnoNortedaAlemanha.No
entanto,elesnãotinhamcomoregressara casa:a
suaaldeiapertenciaagoraaoterritóriodaPolónia.
Aolongodadécadaqueseseguiu,afamília
reunidapassoudificuldades,vivendoempocil-
gase celeiros,acotovelando-se,maistarde,em
pequenos apartamentos com outras famílias.
Nosanosdeescassezapósa guerra,muitosale-
mãesolhavamparaWaltraude milhõesdeoutras
pessoas deslocadas pelo conflito com rancor,
considerando-as bocasa maispara alimentar.
“Discriminavam-nos e amaldiçoavam-nos por-
queéramosrefugiados”,conta.
Setentae cincoanosmaistarde,Waltraudnão
sente raiva nem culpa. “Contam-se histórias
verdadeiramente mágicas. Aminha,em com-
paração,é quasebanal”,diz.“Eutinha9 anose
a guerranãofoiculpaminha.Mastambémnão
souumavítima.”
Hoje,WaltraudvisitaescolasnazonadeHam-
burgoparacontarassuasexperiênciasdotempo
daguerra.“Olhemparao mundo:aspessoasnão
aprenderam.Éhorrívelassistiraoregressodos
neonazis,nãosónaAlemanha,mastambémnos
EUAe naEscandinávia.Aspessoasaindasãotão
facilmentemanipuladas.”—AndrewCurry
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 33
“Discriminavam-nos e rogavam-nos pragas só
porque éramos refugiados...
eu tinha 9 anos e não tinha culpa da guerra.”