National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1
60 NATIONALGEOGRAPHIC

Talvez inspirado pelas sagas do comandan-
te Jacques Cousteau, um jovem investigador
de biologiacom 28 anosdirige-seconfianteao
MinistériodaMarinhaemplenoEstadoNovo
com umapropostaabsolutamenteextraordiná-
ria paraa época:classificara costadaArrábida
comoParqueMarinho.Corriaoanode 1965 e
os trabalhosdecampoparao doutoramentode
Luiz Saldanhacentravam-senaquelaporçãode
territórioque,porumadádivadanatureza,se
formou com uma posição geográfica orienta-
da parasul.Essacircunstânciaprotegea costa
dos ventosdominantesdenortee noroeste,tor-
nandoa Arrábidaumlugarcomcaracterísticas
únicasemtodaa costacontinentalportuguesa.
A elevadabiodiversidadeexpressa-senaocor-
rênciademaisde1.400espéciesanimaise ve-
getais. Pelas suas condições naturais, muitos
peixesencontramnestaságuasumlugardere-
fúgio,crescimentoe reprodução.
Na verdade,oprojectodeLuizSaldanhateve
de esperarnagavetamais 33 anosatéfinalmente
avançarnaagendapolítica.Aconteceuem1998,
em plenacelebraçãodosOceanoscoma Expo’98.
Foi criadaa áreaprotegida.
A classificaçãodeumaáreaatéalideusodesre-
gradocriouinúmerasresistênciasquesóo tempo
tem conseguidoatenuar.Em2003,tiveramlugar
sessõesacaloradasdeesclarecimento,emquepar-
ticiparamosbiólogosMiguelHenriques,do Par-
que NaturaldaArrábida,e EmanuelGonçalves,do
ISPA –InstitutoUniversitário.Direccionavam-seà
comunidadepiscatóriae denavegaçãoderecreio
com oobjectivodeestabelecerumplanodeorde-


namento para o Parque Natural da Arrábida depois
do seu alargamento para inclusão desta área mari-
nha, mas quase degeneraram em conflitos. Foram
as dores de crescimento de uma área marinha pro-
tegida então muito jovem.
O mar e os seus recursos, ao contrário da terra,
foram geridos durante séculos como um território
de recolecção sem qualquer estratégia de conser-
vação. Esta visão simplista levou a que vastas zo-
nas dos oceanos estejam hoje quase em colapso.

PASSARAM ENTRETANTO 22 ANOS. Nos bastidores
de um parque marinho com 53 quilómetros quadra-
dos de extensão, existe todo um trabalho pouco
conhecido que é vital para perceber a saúde do ecos-
sistema e compreender se valeu a pena colocar em
prática a brilhante ideia de Luiz Saldanha, honrando
desta forma a sua memória. Chegou a altura de a
ciência apresentar resultados.
Diferentes equipas de investigação de várias uni-
versidades estão quase em permanência na Arrábi-
da numa avaliação constante ao abrigo do progra-
ma InforBiomares, que resulta de uma candidatura
da Liga para a Proteção da Natureza ao Programa
Operacional da Sustentabilidade e Eficiência no
Uso de Recursos, tendo como parceiro o Instituto
da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
A execução do projecto está a cargo do consórcio
ISPA – Instituto Universitário e Centro de Ciências
do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve.
Nas sessões de esclarecimento do início do sécu-
lo XXI, foi prometido às comunidades locais trans-
parência na apresentação de resultados e uma
esperança concreta de recuperação da biomassa e
da biodiversidade perdidas nas águas da Arrábida.
Bem gerida, uma área protegida apresenta benefí-
cios para todas as comunidades limítrofes, seja na
exploração sustentada de velhos recursos, seja na
criação de novas oportunidades económicas.
Mais de duas décadas depois, existem evidên-
cias científicas de que algumas espécies já estão
em recuperação. É o caso do sargo e da sargueta.
Nas várias saídas para o mar com David Abeca-
sis, biólogo da Universidade do Algarve, acompa-
nhei o projecto de marcação de raias e robalos com
transmissores acústicos. Que efeitos positivos tem
afinal uma reserva nos mananciais de peixe?
“A telemetria permite perceber os movimentos
dos peixes entre as zonas de proteção total do parque
marinho e as áreas de conservação parciais e com-
plementares”, diz o biólogo. “Esses dados são im-
portantes porque melhoram o conhecimento sobre
a biologia das espécies e o espaço que estas ocupam.

T


TEXTO E FOTOGRAFIAS
DE HUGO MARQUES
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