O Estado de São Paulo (2020-06-04)

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A10 Política QUINTA-FEIRA, 4 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Conteúdo sexual

● A lista inclui páginas que difundem notícias falsas,
que promovem jogos de azar e até sites pornográficos

CONTEÚDO INADEQUADO

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

CATEGORIA
TOTAL

Desrespeito a direitos de
autor ou de transmissão
Canais removidos do YouTube por
descumprimento de diretrizes
Jogos de azar ilegais

Notícias falsas

Ofertas de investimentos ilegais

Promoção pessoal de autoridades

Titular de cargo eletivo

CANAIS IMPRESSÕES

27

843 2.065.

477.

240.

657.

653.

4.

5.

26.

4

22

741

12

47

7

5

5

Adriana Fernandes
Breno Pires
Camila Turtelli / BRASÍLIA


Alexandre Borges Cabral foi
demitido ontem da presidên-
cia do Banco do Nordeste, 24
horas depois de tomar posse,
indicado pelo Centrão. A deci-
são do governo foi tomada
após o Estadão revelar que
Cabral é alvo de uma apura-
ção conduzida pelo Tribunal
de Contas da União (TCU) so-
bre suspeitas de irregularida-
des em contratações feitas pe-
la Casa da Moeda durante
sua gestão à frente da estatal,
em 2018. O prejuízo é estima-
do em R$ 2,2 bilhões.
Cabral tomou posse anteon-
tem e, no dia seguinte, o conse-
lho de administração do banco
o destituiu do cargo e nomeou
Antônio Jorge Pontes Guima-
rães Júnior, atual diretor finan-
ceiro e de crédito, como presi-
dente interino. Ele vai acumu-
lar as duas funções.
Na nota em que confirmou a
saída de Cabral, o superinten-
dente responsável pelas rela-
ções com investidores, Sérgio
Brito Clark, afirma que o banco
tomou conhecimento pela im-
prensa das investigações do
TCU do período em que Cabral
esteve à frente da Casa da Moe-
da. “Assim sendo, (o Banco do
Nordeste) reitera seu compro-
misso de transparência e tem-
pestividade de comunicação
dos fatos aos seus acionistas.”
A nomeação de Camargo pa-
ra chefiar o BNB foi mais uma
indicação política do Centrão –
a primeira na equipe do minis-
tro da Economia, Paulo Guedes



  • em troca de apoio ao governo
    no Congresso. Bolsonaro bus-
    cou a aliança, que até então cha-
    mava de “velha política”, para
    tentar evitar um eventual pro-
    cesso de impeachment. A Câma-
    ra acumula 30 pedidos. Até en-
    tão, o presidente não tinha base


de apoio definida, mesmo as-
sim, conseguiu aprovar no Con-
gresso matérias que exigem
quórum qualificado, como a Re-
forma da Previdência.
O Estadão apurou que o blo-
co de partidos vai indicar o subs-
tituto de Cabral e, assim com
ele, o nome também deve apre-
sentado pelo PL, de Valdemar
Costa Neto – condenado no
mensalão. A preferência é por
alguém de carreira do BNB.
Após a exoneração de Cabral,
o ministro-chefe da Secretaria
de Governo, Luiz Eduardo Ra-
mos, negou que a indicação te-
nha sido fruto da articulação po-
lítica da pasta com o Centrão.

Em reposta aos questionamen-
tos feitos pelo Estadão, afir-
mou que não teve responsabili-
dade. “Foi uma indicação feita
fora do âmbito da SeGov, não
estando, portanto dentro do
contexto da articulação políti-
ca do governo”, disse.
Em outro trecho, a pasta des-
taca que “tem a responsabilida-
de de fazer a interlocução junto
aos ministérios”, mas que nada
impede que algum pedido “em
caráter excepcional, possa sur-
gir em algum ministério espe-
cífico.” A nota não informa de
quem partiu a indicação. Na res-
posta, a pasta afirma que “as in-
dicações políticas são advindas

de partidos aliados que podem
ou não ser do núcleo chamado
‘Centrão’”.
O Ministério da Economia foi
procurado, mas não informou
quem indicou Cabral. O minis-
tro da Casa Civil, general Braga
Netto, também não revelou. Os
líderes do Centrão e do governo
no Congresso corroboraram
com o mistério. Cabral garante
que sua indicação foi “técnica”
e se deu por causa da sua “expe-
riência exitosa” à frente da Ca-
sa da Moeda.
A indicação de Cabral contra-
ria o próprio presidente, que ne-
gou na semana passada tratati-
vas para repassar a chefia de

bancos públicos ao Centrão.
“Em nenhum momento nós ofe-
recemos ou eles pediram minis-
térios, estatais ou bancos ofi-
ciais”, disse o presidente Jair
Bolsonaro, durante transmis-
são nas redes sociais.

Denúncia. O Estadão revelou
anteontem que auditores do
TCU atribuem a Cabral “possí-
vel ato de gestão temerária” na
presidência da Casa da Moeda e
o descrevem como um dos “po-
tenciais responsáveis” por pre-
juízos em contratos firmados
durante sua gestão.
As supostas irregularidades
estão relacionadas à fraude e di-
recionamento de licitações pa-
ra as empresas Sicpa e Ceptis,
que resultaram em contratos
destinados à operação do Siste-
ma de Controle de Bebidas (Si-
cobe) e do Sistema de Controle
e Rastreamento da Produção de
Cigarros (Scorpios). Os valores
dos pagamentos, somados, su-
peram R$ 11 bilhões. Como pre-
sidente da Casa da Moeda, se-
gundo o relatório de fiscaliza-
ção do TCU, Cabral assinou em
2018 contratos com a Sicpa,
sem que fosse exigida compro-
vação dos custos do serviço.
Ao Estadão, Cabral negou
qualquer ilegalidade e disse es-
perar que o TCU reconheça is-
so. Sobre a contratação de em-
presa investigada, afirmou que
ainda não houve a declaração
de inidoneidade e, por isso, não
faria sentido interromper a exe-
cução do serviço que já vinha
sendo feita desde gestões ante-
riores. Além disso, afirmou que
a exigência de estudos compara-
tivos para firmar parcerias –
que teria sido ignorada de acor-
do com auditores do TCU – não
está prevista na Lei das Esta-
tais. “Tenho 34 anos de funcio-
nário de carreira do Banco do
Nordeste construindo minha
imagem. Não há sobrepreço,
não há ilegalidade”, disse.

Patrik Camporez
Breno Pires / BRASÍLIA


Relatório produzido pela Co-
missão Parlamentar de Inquéri-
to (CPI) das Fake News mostra
que o governo federal investiu
dinheiro público para veicular 2
milhões de anúncios publicitá-
rios em canais que apresentam
“conteúdo inadequado”. A lista
inclui páginas que difundem
fake news, promovem jogos de
azar e até sites pornográficos.
Canais que promovem o presi-
dente Jair Bolsonaro também
receberam publicidade oficial.
O documento, produzido por
consultores legislativos, tem co-
mo base informações da própria
Secretaria de Comunicação So-
cial da Presidência (Secom) refe-
rentes ao período de junho a ju-
lho do ano passado. Os dados


foram obtidos via Lei de Acesso
à Informação pela CPI, que os
divulgou em sua página. O rela-
tório foi noticiado na noite de
terça-feira pelo jornal O Globo e
obtido também pelo Estadão.
Segundo a análise dos consul-
tores, a maior parte dos anún-
cios está relacionada à campa-
nha do governo para promover a
reforma de Previdência, aprova-
da no ano passado no Congres-
so. A verba da Secom foi distri-
buída por meio do programa
Google Adsense, que paga um va-
lor determinado ao site a cada
vez que um usuário clica na pu-
blicidade. O relatório não apon-
ta quanto foi pago por canal.
Em entrevista no Palácio do
Planalto, o secretário de Comu-
nicação, Fabio Wajgarten, afir-
mou que cabe à empresa de in-
ternet definir as páginas que re-
ceberão os anúncios com base
em critérios técnicos. “Na Se-
com do presidente Bolsonaro
não há desvios, não há favoreci-
mento de A, B ou Z. A Secom
preza a tecnicidade e a economi-
cidade”, afirmou ele.
Na ferramenta do Google, no

entanto, é possível adicionar fil-
tros que bloqueiam a veicula-
ção em sites determinados.
A empresa afirmou ontem,
em nota, que as suas platafor-
mas “oferecem controles robus-
tos que permitem o bloqueio de
categorias de assuntos e sites es-
pecíficos, além de gerar relató-
rios em tempo real sobre onde
os anúncios foram exibidos”.
Ou seja, segundo o Google, o
anunciante – no caso, o governo
federal – é informado onde os
anúncios são exibidos e pode

bloqueá-los.
De acordo com o Secretário
de Publicidade da Secom, Glen
Valente, o governo já faz uma
seleção e exige do Google que
sites impróprios não tenham
publicidade oficial. Ele afir-
mou, no entanto, que a secreta-
ria não pretende alterar os cri-
térios para incluir páginas que
disseminam notícias falsas na
lista. “A Secom não vai definir
o que é site de fake news ou
não. Não vamos fazer censu-
ra”, afirmou.

Apoiadores. Ao todo, a comis-
são identificou que os mais de 2
milhões de anúncios foram exi-
bidos em 843 canais diferentes.
Destes, 741 eram no YouTube,
mas foram removidos após a
página de vídeos apontar irregu-
laridades, como conteúdo ina-
dequado ou que desrespeita di-
reito autoral.
Há também publicidade ofi-
cial em páginas de apoiadores e
que promovem Bolsonaro. O re-
latório cita como exemplo o ca-
nal de YouTube “Bolsonaro
TV” e os aplicativos para celular
“Brazilian Trump”, “Top Bolso-
naro Wallpapers” e “Presiden-
te Jair Bolsonaro”. A destinação
de dinheiro público para este ti-
po de conteúdo pode gerar ques-
tionamentos legais ao governo
com base no princípio constitu-
cional da impessoalidade, pois,
segundo a consultoria legislati-
va, “abre a possibilidade de se
interpretar tal fato como utiliza-
ção da publicidade oficial para
promoção pessoal, conduta ve-
dada pela Carta Magna.”
O site Terça Livre, do bloguei-
ro Allan dos Santos, também
aparece na lista dos que recebe-
ram dinheiro público por meio
de anúncios da Nova Previdên-
cia. Santos é um dos alvos do
inquérito das fakes news, no Su-
premo Tribunal Federal, e teve
documentos e equipamentos
apreendidos na semana passa-
da pela Polícia Federal. Ele nega
irregularidades.

No ano passado, em depoi-
mento à CPI das Fake News no
Congresso, Santos chegou a
afirmar que não recebia dinhei-
ro público em seu site.

Oposição. O relatório também
mostrou que até mesmo um ca-
nal do YouTube do deputado
Paulo Pimenta (PT-RS) rece-
beu verba pública. Segundo o
documento, a publicidade vei-
culada foi da campanha em defe-
sa da reforma da Previdência. O
parlamentar militou contra a
mudança nas regras de aposen-
tadoria.
“Deve ser uma mistura de fal-
ta da controle com provocação.
Pois um canal que publicamen-
te trabalhou contra a reforma
da Previdência ter um post de
um vídeo de defesa da posição
do governo é no mínimo estra-
nho”, disse Pimenta ao Esta-
dão. O parlamentar era líder da
bancada do PT na Câmara na
época em que os anúncios ofi-
ciais foram exibidos em seu ca-
nal. / COLABOROU THIAGO FARIA

lCargo

Indicado pelo Centrão, Alexandre Cabral é exonerado 24 horas depois de tomar posse; ‘Estadão’ relevou que ele é alvo de investigação


l‘Censura’

L


ord Byron dizia que o amor é apressa-
do e o ódio, vagaroso. Em tempos de
internet já não se sabe qual dos dois
está mais acelerado. O volume de informa-
ções falsas ou inflamatórias parece deman-
dar uma solução urgente.
Foi a partir desse apelo que o Senado en-

saiou a votação do Projeto de Lei 2630/20,
que procura combater a desinformação e au-
mentar a transparência na rede. Atropelan-
do consulta pública, o texto chegou à forma
para votação na sua própria véspera. Não dei-
xa de ser surpreendente que o projeto que
procura melhorar o debate na sociedade seja
o mesmo que, pela pressa, o inviabiliza. A vo-
tação ficou marcada para a próxima semana.
Um projeto para combater a desinforma-
ção precisa compreender que as fake news
são a ferramenta e a desinformação, o resul-
tado. Existe todo um ecossistema que envol-
ve quem decide o conteúdo, quem paga por

ele, quem cria e quem dissemina (pelos mais
variados motivos). Uma lei sobre o tema pre-
cisa seguir a rota do dinheiro e cortar os la-
ços financeiros que sustentam essa rede. De-
sinformar em larga escala custa caro.
Nas idas e vindas de sua redação, o PL (e
seu substitutivo) flertaram com a necessida-
de de se exigir dos usuários das redes sociais
a confirmação “de sua identificação e locali-
zação, inclusive por meio da apresentação
de documento de identidade válido”. Obri-
gar a todos a andar de crachá na internet é o
sonho dourado do vigilantismo e a antítese
da liberdade que o PL procura preservar.

Para durar, uma lei sobre tecnologia preci-
sa ser tecnologicamente neutra – ela não po-
de impor obrigações de olho na forma pela
qual um ou outro provedor funciona agora.
O PL ainda tem muito a melhorar nesse as-
pecto, sobretudo ao desenhar um regime de
transparência que precisa ser mais principio-
lógico e menos detalhista. Um relógio sem-
pre mostra as horas, mas a forma dos pontei-
ros e do mostrador evolui com o tempo.

]
DIRETOR DO INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE
(ITS) E PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UERJ

MARCOS CORRÊA/PR - 6/5/

Banco do Nordeste demite presidente


“O Banco do Nordeste
reitera seu compromisso
de transparência e
tempestividade de
comunicação dos fatos
aos seus acionistas.”
Sérgio Brito Clark
SUPERINTENDENTE DO
BANCO DO NORDESTE

“Foi uma indicação
feita fora do âmbito
da SeGov.”
Luiz Eduardo Ramos
MINISTRO-CHEFE DA SECRETARIA
DE GOVERNO

‘Gestão temerária’. Auditores do TCU veem Alexandre Cabral como potencial responsável por prejuízo na Casa da Moeda

Lista inclui páginas que


difundem notícias falsas


ou promovem jogos


de azar e até sites de


conteúdo pornográfico


“A Secom não vai definir o
que é site de fake news ou
não. Não vamos fazer
censura.”
Glen Valente
SECRETÁRIO DE PUBLICIDADE
DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO
SOCIAL DA PRESIDÊNCIA

CPI detecta anúncios


do governo em canais


de teor ‘inadequado’


]
ANÁLISE: Carlos Affonso

Lei sobre fake news


precisa seguir


rota do dinheiro

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