O Estado de São Paulo (2020-06-04)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 4 DE JUNHO DE 2020 Política A


Ao receber um pedido de ajuda
de um policial militar do Rio de
Janeiro, o presidente Jair Bolso-
naro provocou o governador do
Estado, Wilson Witzel (PSC).
“Eu não vou conversar com o
Witzel. Até porque brevemente


já sabe onde ele deve estar,
né?”, disse Bolsonaro, na saída
do Palácio da Alvorada, ontem
pela manhã. O presidente não
conversou com jornalistas, só
com apoiadores.
O comentário de ontem foi
feito após um apoiador, que se
apresentou como sargento re-
formado da Polícia Militar, re-
clamar de uma taxação sobre a
Previdência de policiais afasta-
dos por incapacidade, e pedir
que o presidente fizesse algo a
respeito. Diante de outros pedi-

dos feitos por apoiadores, Bol-
sonaro disse não ter poder de
resolver tudo, mas que logo “vai
passar do limite” para muita
gente. “Sou um sozinho. É um
grande sistema que a gente tem
pela frente, mas vai chegar um
tempo que vai passar o limite de
muita gente”, disse.
Witzel é investigado pela Pro-
curadoria-Geral da República
(PGR) por suposto esquema de
fraudes na área da saúde. Adver-
sário político de Bolsonaro, o
governador do Rio foi alvo de
uma operação da Polícia Fede-
ral no dia 26 de maio.
A ação levantou suspeitas de
interferência de Bolsonaro na
corporação – um dia antes, a
deputada bolsonarista Carla

Zambelli (PSL-SP) indicou sa-
ber que haveria ações contra
governadores. Um inquérito
em curso no Supremo Tribu-
nal Federal (STF) apura acusa-
ções do ex-ministro Sérgio Mo-
ro de que Bolsonaro interferiu
politicamente na PF. O presi-
dente nega.

Hospitais. Uma semana depois
de ser alvo da Operação Place-

bo, Witzel decretou interven-
ção nos hospitais de campanha
do Estado. Atrasadas, as sete
unidades vinham sendo geridas
pela organização social Iabas,
um dos focos da investigação so-
bre fraudes em contratos.
Além disso, há indícios de des-
vios de recursos por meio de su-
perfaturamento, segundo o Mi-
nistério Público. A empresa fir-
mou contrato de R$ 835 mi-
lhões com o governo, de forma
emergencial, para administrar
os hospitais de campanha. E ha-
veria, segundo os investigado-
res, “prova robusta” de que há
um esquema de corrupção em
torno deles.
Após a operação, Assembleia
Legislativa do Rio (Alerj) instau-

rou, anteontem, uma comissão
especial para analisar os contra-
tos assinados pelo Executivo
no âmbito da pandemia.
Presidido pela deputada esta-
dual Martha Rocha (PDT), o
grupo já determinou, por exem-
plo, a oitiva do secretário de Saú-
de, Fernando Ferry, e do ex-che-
fe da pasta Edmar Santos, além
da presença de integrantes do
Ministério Público e do Tribu-
nal de Contas para acompanhar
os trabalhos.
Além da comissão, Witzel vi-
ve na Alerj a iminência da aber-
tura de um processo de impea-
chment por causa do suposto
esquema de corrupção. Três pe-
didos já foram apresentados. /
J.L. e CAIO SARTORI

Presidente afirma que


‘possibilidade’ existe,


mas não cita data nem


nomes para o cargo;


Alberto Fraga é cotado


Bolsonaro confirma intenção de recriar pasta da Segurança


BRASÍLIA


O presidente Jair Bolsonaro
confirmou que tem intenção de
recriar o Ministério da Seguran-
ça Pública. Como mostrou o Es-
tadão, a decisão já é dada como
certa nos corredores do Palácio
do Planalto, mas ainda não tem


data para ser efetivada. “Existe
a possibilidade”, afirmou Bolso-
naro na noite de anteontem.
O presidente tem um encon-
tro hoje com o líder da Frente
Parlamentar da Segurança Pú-
blica – a chamada bancada da
bala –, Capitão Augusto (PL-
SP), para tratar do assunto. Se-
gundo o deputado, a ideia é que
a recriação ocorra até julho. O
nome indicado pela bancada pa-
ra assumir a pasta é o do ex-de-
putado Alberto Fraga (DEM),
que é amigo de Bolsonaro.
“Se decidir voltar (com o Mi-
nistério da Segurança Pública), já

vou anunciar o nome do minis-
tro antes de começar a tramitar
o projeto”, afirmou Bolsonaro,
em referência ao fato de que a
criação de pastas deve passar pe-
lo Congresso.
Questionado por jornalistas,
Bolsonaro não quis se compro-
meter com a indicação de Fra-
ga. “Não vou dizer que seja ele
nem que não seja. Sou amigo do
Fraga desde 1982. Ele está livre
de todos os problemas que teve
aí, é um grande articulador. Ele
é cotado aí, mas nada de bater o
martelo não”, declarou.
Bolsonaro afirmou que o es-

colhido “tem que ser alguém
que entenda do assunto” da se-
gurança pública.
A ideia de dividir a pasta ga-
nhou força com a exoneração
do ex-ministro Sérgio Moro,
que exigiu a unificação da Justi-
ça e da Segurança Pública em
um superministério antes de as-
sumir o cargo. Com a mudança,
a estrutura hoje comandada
por André Mendonça ficaria es-
vaziada, sem seus órgãos mais
importantes, como a Polícia Fe-
deral, o Departamento Peniten-
ciário Nacional (Depen) e a Polí-
cia Rodoviária Federal (PRF).

Quando assumiu o cargo, no
fim de abril, André Mendonça
chegou a sondar o coronel Araú-
jo Gomes, ex-comandante da
Polícia Militar de Santa Catari-
na, para assumir a Secretaria Na-
cional de Segurança Pública.
A nomeação, no entanto, não
saiu e o cargo está vago desde a
demissão do antigo titular da se-
cretaria, o general Teophilo
Gaspar, no início do mês passa-
do. “Eu estou em conversa com
o ministro (Mendonça), mas em
relação à Secretaria Nacional
da Segurança Pública. Nos
próximos dias é que vou saber

como vai se encaminhar”, afir-
mou o coronel.

Depoimento. Na mesma entre-
vista, Bolsonaro afirmou que
pode prestar depoimento pre-
sencialmente à PF no inquérito
que investiga se houve interfe-
rência política na corporação.
Para ele, o inquérito acabará
sendo arquivado. “A PF vai me
ouvir, estão decidindo se vai ser
presencial ou por escrito, para
mim tanto faz”, afirmou o presi-
dente. “Posso conversar presen-
cialmente com a Polícia Fede-
ral, sem problema nenhum.”
Na semana passada, a PF afir-
mou ser “necessária a realiza-
ção” do depoimento de Bolso-
naro. / J.L.

Parlamentares


recorrem ao MPF


contra Camargo


Entidade também reage após presidente da Fundação Palmares


chamar movimento negro de ‘escória’; citada em áudio presta queixa


Julia Lindner
Vera Rosa / BRASÍLIA


Um grupo de parlamentares
pediu que o Ministério Públi-
co Federal (MPF) instaure in-
quérito para investigar afir-
mações do presidente da Fun-
dação Palmares, Sérgio Ca-
margo, que classificou o movi-
mento negro de “escória mal-
dita”. A entidade Educação e
Cidadania de Afrodescenden-
tes e Carentes (Educafro)
também apresentou repre-
sentação ao MPF contra Ca-
margo, por crime de racismo.
Os áudios de uma reunião a
portas fechadas, no dia 30 de
abril, foram revelados ontem pe-
lo Estadão. Os parlamentares
consideram que o presidente da
autarquia cometeu crime de res-
ponsabilidade. Entre os deputa-
dos que assinam o documento
estão Áurea Carolina (PSOL-
MG), Benedita da Silva (PT-RJ),
Talíria Petrone (PSOL-RJ), Bira
do Pindaré (PSB-MA), Damião


Feliciano (PDT-PB), David Mi-
randa (PSOL-RJ) e Orlando Sil-
va (PCdoB-SP).
Para eles, Camargo promove
o “desvirtuamento dos objeti-
vos legais” da fundação que co-
manda, criada para promover e
preservar a cultura negra, o que
configura desvio de finalidade,
abuso de poder e improbidade
administrativa. “Não podem as
instituições públicas permitir
que o presidente da fundação,
seguindo o ideário bolsonarista
de promoção de ódio e de intole-
rância, contrarie as normas le-
gais que fundaram e devem
orientar a atuação do gestor pú-
blico”, diz o documento.
Ao Estadão, Orlando Silva
afirmou que é “inaceitável ter
um racista à frente da Fundação
Palmares”. “Ali é lugar de pro-
mover políticas para superar o
racismo estrutural, não fazer
proselitismo político.” David
Miranda disse que as falas de Ca-
margo demonstram que ele es-
tá “operando para manter o ra-

cismo estrutural no País”. “Ele
está fazendo apologia à violên-
cia contra a população negra”,
afirmou o parlamentar.
Até a conclusão desta edição,
o Palácio do Planalto não tinha
se manifestado sobre o caso.

Queixa. No áudio ao qual o Es-
tadão teve acesso, Camargo
também afirma que não vai des-
tinar “um centavo” para terrei-
ros, em referência aos locais
usados por religiões de matriz
africana. Ele também ofende
Adna dos Santos, conhecida co-
mo Mãe Baiana, ao chamá-la de

forma pejorativa de macumbei-
ra. Ontem, ela prestou queixa
contra Camargo na Delegacia
Especial de Repressão aos Cri-
mes por Discriminação Racial
do Distrito Federal.
“Tem gente vazando informa-
ção aqui para a mídia, vazando
para uma mãe de santo, uma fi-
lha da puta de uma macumbei-
ra, uma tal de Mãe Baiana, que
ficava aqui infernizando a vida
de todo mundo”, disse Camar-
go, na reunião, numa referência
a Adna dos Santos.
Mãe Baiana é uma das lideran-
ças mais atuantes do candom-
blé no Distrito Federal e ocupa
cargo de coordenadora de Po-
líticas de Promoção e Proteção
da Diversidade Religiosa da Sub-
secretaria de Direitos Huma-
nos e Igualdade Racial no gover-
no distrital. Ela também atuou
na Fundação Palmares por cer-
ca de quatro anos.
Ao Estadão, Mãe Baiana afir-
mou que ficou assustada com as
declarações de Camargo porque
não o conhece. Ela afirmou que
fez Boletim de Ocorrência na de-
legacia pelo respeito que possui
“pela sua comunidade e por sua
ancestralidade”. Também defen-
deu que Camargo precisa respei-
tar a função, já que tem como pa-
pel promover políticas públicas.
Já a Educafro considerou que
Camargo incorreu no artigo 20
da Constituição que veda “prati-
car, induzir ou incitar a discrimi-
nação ou preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou procedên-
cia nacional”.
Em nota divulgada anteon-
tem, Camargo lamentou o que
chamou de “gravação ilegal” de
uma reunião interna. Afirmou
que a Palmares está em “sinto-
nia” com o governo Bolsonaro.

]
CENÁRIO: Vera Rosa

Presidente ironiza Witzel:


‘Sabe onde vai estar, né?’


l‘Racismo estrutural’

lDPU
Após Sérgio
Camargo dizer
que a Defenso-
ria Pública da
União (DPU) é
“totalmente
aparelhada”, o
órgão afirmou
ontem que é
“inaceitável a
admissão de
qualquer vincu-
lação ou prefe-
rência partidá-
ria” por parte
da instituição.

Palácio do Planalto


endossa ‘nova


gestão’ na fundação


A apoiador, Bolsonaro


faz comentário sobre


governador do Rio, alvo


de investigação sobre


fraudes na Saúde


GABRIELA BILO/ ESTADÃO - 6/5/

“É inaceitável ter um
racista na Palmares. Ali é
lugar de promover políticas
para superar o racismo
estrutural, não fazer
proselitismo político.”
Orlando Silva
DEPUTADO (PCdoB-SP)

Palmares. Sérgio Camargo afirmou em reunião com assessores que em sua gestão a fundação não vai liberar recursos para terreiros


D


epois do show de horrores da
reunião ministerial do dia 22 de
abril, uma conversa do presiden-
te da Fundação Palmares, Sérgio Camar-
go, classificando o movimento negro de
“escória maldita”, mostrou que tudo
sempre pode piorar. No momento em
que o mundo se levanta contra o racis-
mo, após o segurança George Floyd ter
sido asfixiado até a morte nos EUA, Ca-
margo resumiu não apenas opiniões pes-
soais, mas um veredicto do governo de
Jair Bolsonaro.
O Palácio do Planalto não só aprovou
as afirmações do presidente da Funda-
ção Palmares na reunião de 30 de abril,
com dois servidores, como endossou a
nota divulgada por ele, anteontem. No
texto, Camargo sustenta que a Palma-
res está sob um novo modelo de coman-
do, em “sintonia” com Bolsonaro.
Em um governo no qual até mesmo o
ministro da Educação, Abraham Wein-
traub, é alvo de inquérito por racismo,
após manifestação depreciativa sobre
os chineses, a crise institucional em que
o País se encontra parece não ter fim.
No áudio da conversa na Palmares,
ocorrida oito dias após a reunião minis-
terial na qual Bolsonaro afirma que o
barco pode estar indo “em direção a um
iceberg”, Camargo diz que o movimen-
to negro abriga “vagabundos” e desde-
nha da cultura afrodescendente. “Eu
não vou querer emenda dessa gente
aqui. Para promover capoeira? Vai se
ferrar.” É, na prática, o mesmo discurso
de Bolsonaro, que chama manifestantes
contra seu governo de “marginais”.
No Brasil, João Pedro Mattos Pinto,
de 14 anos, atingido dentro de casa por
um tiro de fuzil nas costas, e João Vitor
da Rocha, 18 anos, baleado durante en-
trega de cestas básicas no Rio, fazem
agora parte das estatísticas de mortes
de negros. Para o governo, no entanto,
não há racismo, assim como não houve
interferência na PF e a pandemia do co-
ronavírus é uma “gripezinha”.
Poucos se lembram, mas, na campa-
nha de 2018, o então candidato Jair Bol-
sonaro enfrentou julgamento apertado
no Supremo. À época, a Procuradoria
apresentou denúncia contra o então o
deputado do PSL por crime de racismo.
A acusação foi feita porque, em palestra
no Rio, em 2017, Bolsonaro afirmou ter
percebido, ao visitar um quilombola em
Eldorado Paulista, que “o afrodescen-
dente mais leve lá pesava sete arrobas”.
E concluiu: “Não fazem nada! Acho que
nem para procriador servem mais”.
Por 3 votos a 2, porém, a Primeira Tur-
ma do STF rejeitou a denúncia. E quem
“salvou” Bolsonaro, naquele julgamen-
to, foi justamente o ministro Alexandre
de Moraes, hoje visto como seu algoz no
inquérito das fake news. Na escalada de
tensão entre os Poderes, o desfecho des-
sa crise é cada vez mais imprevisível.

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