O Estado de São Paulo (2020-06-05)

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A10 Internacional SEXTA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


N


o sábado, um novo tipo de fo-
guete americano se acoplou à
estação orbital e, dois dias de-
pois, nos Estados Unidos, a morte de
um homem negro por um policial in-
cendiou as principais cidades america-
nas. Duas Américas se chocaram: a da
genialidade e a do racismo.
Poucas horas depois, Paris e algu-
mas das maiores cidades europeias já
estavam nas ruas para denunciar a mor-
te, por estrangulamento policial, de
um homem negro no Val d’Oise, em


  1. E, em meio a todos esses episó-
    dios, todas essas convulsões, o corona-


vírus seguia seu rumo de silêncio e horror.
É forte a tentação de misturar esses
dramas no mesmo discurso, principal-
mente os dois mortos, o de Val d’Oise,
em 2016, e o de Minneapolis, em 2020. A
passagem entre os dois casos é bastante
clara: dois negros, na França e nos EUA,
foram vítimas de um policial.
De fato, o amálgama entre os dois “ex-
cessos” se deu em manifestações em Pa-
ris e em outras cidades europeias que se
apressaram para passar por essa porta
aberta. Nas manifestações de rua, nas re-
des e nos subúrbios da Europa, aponta-
se para o mesmo culpado: o racismo que

empesteia tanto a polícia americana
quanto a francesa.
A imprensa francesa evitou esse argu-
mento. Mesmo dedicando grandes arti-
gos aos dois episódios, a maioria se recu-
sa – com indignação o Fígaro e condes-
cendência o Libération – a colocar na mes-
ma cesta as polícias americana e france-
sa. Os números sublinham essa diferen-
ça: a polícia americana mata de 800 a mil
pessoas por ano. A polícia francesa, me-
nos de 30.
O recorde é da Inglaterra, que mata
apenas 5 pessoas a cada ano. As compara-
ções continuam. Os EUA são um país ter-
rivelmente violento. As armas de fogo
são autorizadas e onipresentes. “Sempre
que estamos lidando com um criminoso,
achamos que ele pode estar armado e às
vezes sacamos a arma antes dele”, disse
um policial americano.
Na França, ainda que as redes sociais
se embebedem com o caso francês e o
americano, há mais restrições. Nos círcu-
los políticos, tudo é silêncio ou reserva. O

partido comunista, até agora, não disse
nada. Apenas Jean-Luc Mélenchon, elo-
quente porta-voz das ideias anarco-sindi-
cal-trotskistas, explicou que os subúr-
bios franceses estão em guerra perpétua.
Marine Le Pen, que antes defendia as
teses negacionistas de seu pai, acaba de
prestar homenagem ao general De Gaul-
le. Certamente é uma boa escolha, pois
ele sem dúvida foi um dos maiores políti-
cos (franceses) de seu tempo. É sincera a
adesão de Marine ao gênio do general?
Ou, então, Marine só considera proveito-
so colocar De Gaulle em seu kit de campa-
nha para as eleições presidenciais que se
aproximam e nas quais ela tem chance?
De qualquer maneira, precisamos con-
ceder que, mesmo se a polícia francesa
não puder se igualar à americana, perma-
nece um ponto comum: tanto aqui quan-
to lá, as relações entre a polícia e os ne-
gros (e os imigrantes em geral) são violen-
tas. Deve-se dizer que os subúrbios fran-
ceses – habitados por imigrantes mal-
quistos – não são felizes. Nessas áreas o

desemprego está crescendo como um
vírus.
Perdidos diante de uma educação
inadequada, os jovens negros “aban-
donam” o ensino médio muito cedo.
O que você pode fazer com as tragé-
dias de Racine, a filosofia de Voltaire
ou as equações de Blaise Pascal quan-
do você é pobre e não entende a cultu-
ra francesa? Adeus, escola!
E olá solidão, desespero, drogas e
subemprego! Assim como as mino-
rias que habitam as cidades america-
nas, as minorias africanas dos subúr-
bios franceses estão fadadas a criar
“homens e mulheres cheios de raiva”.
Nem François Hollande ontem, nem
Emmanuel Macron hoje ousaram cui-
dar desse espinho que gangrena a so-
ciedade francesa. Mal sabem que “os
amanhãs cantam”. / TRADUÇÃO DE
RENATO PRELORENTZOU

]
É CORRESPONDENTE EM PARIS

GILLES


LAPOUGE


EMAIL: [email protected]

MADELEINE ESTÁ


MORTA, ACREDITA


JUSTIÇA ALEMÃ


Procuradoria de Braunschweig investiga pedófilo
que vivia no Algarve quando menina sumiu

MOSCOU


Um grande derramamento
de petróleo no Rio Ambar-
naya, na Sibéria, levou o presi-
dente russo, Vladimir Putin,
a declarar ontem estado de
emergência e repreender pu-
blicamente as autoridades lo-


cais pelo que ele disse ser
uma resposta ruim e lenta.
Um tanque de combustível
em uma usina perdeu pressão
no dia 29 em Norilsk – acima do
Círculo Polar Ártico, no norte
da Rússia – provocando o vaza-
mento de pelo menos 20 mil to-
neladas de petróleo e lubrifican-

tes, ou mais de 2,4 milhões de
litros.
Os funcionários da estação
tentaram conter o vazamento
por conta própria e não relata-
ram o incidente aos serviços de
emergência por dois dias, se-
gundo o chefe do Ministério de
Situações de Emergência, Evge-

ni Zinichev, durante uma reu-
nião na quarta-feira, que foi pre-
sidida por Putin e televisiona-
da nacionalmente.
O governador da região de
Krasnoyarsk, Alexander Uss,
disse a Putin que tomou conhe-
cimento do derramamento de
óleo no domingo, depois que
“informações alarmantes apa-
receram nas mídias sociais”.
Putin atacou Serguei Lipin,
chefe da subsidiária proprietá-
ria da usina, Norilsk-Taimyr
Energy Co. “Vamos ficar saben-
do de situações de emergência
pelas redes sociais?”, questio-
nou o presidente. Putin afir-
mou que um estado de emer-
gência nacional era necessário
para obter mais recursos para
os esforços de limpeza.
Como parte da investigação,
Viatcheslav Starostine, funcio-
nário da usina termoelétrica,
foi colocado em prisão preven-
tiva por um mês, informou um
tribunal da cidade de Norilsk.
Ontem, lagos e cursos de água a
mais de 20 quilômetros do lo-

cal continham concentrações
de petróleo em quantidade mui-
to superior ao limite máximo
permitido, de acordo com a
agência reguladora da Rússia
para recursos naturais.

Impacto. O órgão ambiental
responsável disse que 15 mil to-
neladas de produtos petrolífe-
ros penetraram no sistema flu-
vial e outras 6 mil no subsolo.
Segundo a agência nacional de
pesca, o rio necessitará de déca-
das para se recuperar do impac-
to. O diesel era armazenado pa-
ra manter as operações em ca-

so de interrupção do forneci-
mento de gás.
Com o derramamento de pe-
tróleo, uma grande extensão de
água vermelha podia ser vista,
de costa a costa do rio, em ima-
gens aéreas divulgadas nesta se-
mana. Em 2016, em outra tragé-
dia ambiental, o Rio Daldykan
havia ficado vermelho e a sus-
peita foi a de vazamento de mi-
nério.
De acordo com o Serviço de
Emergência Marítima da Rús-
sia, especializado nesses aci-
dentes, os reforços enviados pa-
ra a área, muito isolada e panta-
nosa, enfrentam um desafio
complexo. “Nunca houve um
vazamento desse tipo no Árti-
co antes. Precisamos trabalhar
muito rapidamente, porque o
combustível está se dissolven-
do na água”, disse o porta-voz
do Serviço de Emergência Ma-
rítima, Andrei Malov.
Segundo ele, seis rampas de
contenção foram colocadas no
rio para bloquear o fluxo de po-
luição para o lago, enquanto o
combustível é bombeado para
a superfície. As medidas, no en-
tanto, todas reativas, irritaram
Putin. “Pedirei às agências com-
petentes de monitoramento e
aplicação da lei que descubram
que tipo de informação foi rela-
tada, onde e qual foi a resposta
de todos que deveriam agir de
acordo com as instruções”, afir-
mou o presidente.
O Comitê de Investigação da
Rússia disse que iniciou um pro-
cesso criminal por poluição e
suposta negligência. A cidade
de Norilsk tem 180 mil habitan-
tes e está a 300 quilômetros
dentro do Círculo Polar Ártico.
Ela está construída em torno
da Norilsk Nickel, a maior pro-
dutora de níquel e paládio do
mundo.
O Greenpeace da Rússia des-
creveu ontem o derramamento
como “o maior da história do
Ártico”, comparando-o ao der-
ramamento de óleo do petrolei-
ro Exxon Valdez, de 1989, que
encalhou e derramou 750 mil
barris de petróleo na costa do
Alasca. Agora, a limpeza no Árti-
co pode custar mais de US$ 86
milhões, de acordo com o
Greenpeace. / WP, NYT, AFP e
REUTERS

Coincidências da raiva


A


identificação de um
novo suspeito no desa-
parecimento da garo-
ta britânica Madeleine Mc-
Cann em Portugal deu espe-
rança de resolução a um mis-
tério de 13 anos. Mas, apesar
de considerarem os novos de-
talhes significativos, seus
pais mantêm cautela após
tantas decepções.
A menina sumiu dias antes
de completar 4 anos teve sua
fotografia estampada por me-
ses nas páginas da imprensa
europeia. Em 3 de maio de

2007, ela desapareceu do quarto
em que dormia com seus dois
irmãos gêmeos mais novos, sem
vigilância, em um complexo tu-
rístico do Algarve. Seus pais jan-
tavam com amigos em um res-
taurante a alguns metros dali.
O anúncio s dá mais uma gui-
nada ao caso. Trata-se de um ale-
mão já condenado por pedofilia
e identificado por fontes em Por-
tugal, segundo o jornal Guar-
dian, como o alemão Christian
Brückner, de 43 anos. Segundo a
polícia alemã, ele viveu por vá-
rios anos em uma casa perto da

Praia da Luz e trabalhou na re-
gião com restauração.
Ele foi identificado graças à co-
laboração entre as polícias ale-
mã, britânica e portuguesa, após
informações recebidas pelos bri-
tânicos depois de um apelo lan-
çado no décimo aniversário do
desaparecimento. Segundo a po-

lícia alemã, há indícios de que o
suspeito também ganhava a vi-
da “cometendo crimes”, incluin-
do assaltos e tráfico de drogas.
Depois de anunciar que inves-
tigava o suspeito, o procurador
de Braunschweig, Hans Chris-
tian Wolters, declarou acreditar
que a menina esteja morta. O ca-

so, que vinha sendo tratado co-
mo desaparecimento, passa a ser
visto como assassinato – apesar
de a polícia britânica ainda consi-
derar a menina desaparecida. O
corpo de Madeleine nunca foi en-
contrado. As declarações de que
ela pode estar morta foram as
mais categóricas até agora. A fa-
mília e os amigos sempre tive-
ram a esperança de que Madelei-
ne estivesse viva em algum lugar.
O foco da investigação agora es-
tá em dois veículos, na casa onde
o suspeito viveu na Praia da Luz
e na identidade de uma pessoa
que conversou com o suspeito
no momento do desaparecimen-
to. O primeiro carro é uma van
Volkswagen T3 do início dos
anos 80, de cores branca e amare-
la e com placa portuguesa. A polí-
cia acredita que o homem “teve
acesso” ao veículo de abril a
maio de 2007. Para os alemães, o
suspeito pode ter morado ou uti-
lizado a van no desaparecimento
da menina.
O segundo carro é um Jaguar
modelo XJR 6, de 1993, com pla-

ca alemã, que pode ter sido
conduzido na Praia da Luz en-
tre 2006 e 2007, originalmen-
te registrado no nome do sus-
peito. Um dia após o desapa-
recimento, ele foi registrado
com outro nome na Alema-
nha. Os investigadores ressal-
tam que para alterar o regis-
tro não é necessário que o car-
ro esteja fisicamente presen-
te no país, mas acreditam
que, naquela altura, o Jaguar
ainda estava em Portugal.
A polícia ainda quer con-
versar com uma segunda pes-
soa, até agora não identifica-
da, que falou com o suspeito
por um número de telefone
português no dia do desapa-
recimento. O porta-voz da fa-
mília McCann, Clarence Mit-
chell, disse ontem que os no-
vos eventos são “significati-
vos”. “O desejo do casal é que
as atenções continuem na po-
lícia”, afirmou. “Foi a primei-
ra vez em mais de 13 anos que
a polícia está focando em um
indivíduo.” / REUTERS e EFE

AFP

lDanos

Busca. Pais exibem foto de como Madeleine estaria em 2012

FACUNDO ARRIZABALAGA/EFE-2/5/

Desaparecimento

Petróleo vaza na


Sibéria e Putin


declara emergência


2,4 milhões
de litros de petróleo foram
derramados no Rio Ambarnaya

180 mil
habitantes tem a cidade de
Norilsk, que fica perto do Ártico

Pelo menos 20 mil toneladas de combustível foram parar em rio


depois que tanque perdeu a pressão em usina da cidade de Norilsk


Ártico. Trabalhadores tentam conter petróleo que vazou no Rio Ambarnaya na cidade russa de Norilsk: recuperação ambiental deve levar décadas

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