O Estado de São Paulo (2020-06-05)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 2020 A


FERNANDO


REINACH


P


ara o bem e para o mal, o Bra-
sil se encaminha para um rela-
xamento gradual do distancia-
mento social. Nesse cenário, empre-
sas e escolas terão de combinar o
distanciamento parcial com um pro-
grama de testagem capaz de evitar
que repetidos surtos de novos casos
provoquem o efeito abre-e-fecha. Is-
so ocorre quando, após a abertura,
uma nova onda de infecções força o
fechamento, que é seguido por ou-
tra tentativa de abertura, e assim su-
cessivamente até que tenhamos va-
cina ou a imunidade do rebanho.
Para implementar sistemas de tes-
tagem que evitem repetidos surtos
em uma comunidade é preciso en-
tender a cronologia das etapas ini-
ciais da infecção e como os testes se
relacionam com essas etapas. O ob-
jetivo da testagem é muito simples:
identificar e isolar rapidamente as
pessoas que estão transmitindo o ví-
rus e as pessoas que podem ter sido
infectadas pelo indivíduo inicial, an-
tes que elas também passem a disse-
minar o vírus. É para isso que são
usados os testes.
Quando o SARS-CoV-2 infecta
uma pessoa podem ocorrer duas si-
tuações: ou a pessoa vai desenvolver
sintomas ou os sintomas não vão
aparecer (são os tais casos assinto-

máticos). Vamos primeiro analisar o
que acontece com pessoas que apre-
sentam sintomas. Depois de a pessoa
ser infectada existe um período de in-
cubação (em média 5,2 dias) antes do
aparecimento dos primeiros sinto-
mas. Uma das grandes dificuldades em
conter a pandemia é que as pessoas in-
fectadas começam a contaminar ou-
tras pessoas antes de os sintomas apa-
recerem. Os estudos indicam que uma
pessoa infectada passa a infectar ou-
tras pessoas 2,3 dias antes de os sinto-
mas aparecerem e o pico de transmis-
são ocorre 0,7 dia antes dos sintomas.
Se estima que 44% das chances de
uma pessoa contaminar outra ocor-
rem antes do aparecimento dos sinto-
mas. Esse período de alta transmissão
dura de 7 a 10 dias. Ou seja, aproximada-
mente uma semana depois do apareci-
mento dos sintomas a pessoa deixa de
infectar outra pessoa com facilidade.
Os exames de RT-PCR, que detectam a
presença do vírus nas cavidades nasal e
bucal, são eficientes para identificar a
infecção exatamente nesse período: a
partir de 2 dias antes do aparecimento
dos sintomas e até 10 dias depois. À
medida que o sistema imune começa a
combater o vírus, sua quantidade na
boca e nariz diminui, e o RT-PCR come-
ça a dar resultados negativos. Essa cro-
nologia demonstra que o RT-PCR é um

exame que possibilita identificar pes-
soas durante o tempo em que elas têm
maior possibilidade de infectar outras.
Por este motivo o RT-PCR é a principal
arma para descobrir pessoas que po-
dem estar transmitindo o vírus. O RT-
PCR não serve para detectar as pessoas
que já tiveram a doença e se curaram.
E os testes sorológicos, para que ser-
vem? Eles detectam a presença de anti-
corpos contra o vírus (do tipo IgG e
IgM) no sangue. Esses anticorpos fa-
zem parte da resposta imune que leva as
pessoas a se curarem. Quando os anti-
corpos aparecem, sua presença indica
que o vírus já está sendo combatido e
sua quantidade no nariz e na boca está
diminuindo. Os anticorpos começam a
ser detectados (se o método for bom) 7
dias depois do aparecimento dos sinto-
mas (IgM) ou até 10 dias depois do apa-
recimento dos sintomas (IgG). A quan-

tidade de anticorpos vai aumentando
com o tempo e chega a níveis facilmen-
te detectáveis 20 dias depois do apareci-
mento dos sintomas. Quando os anti-
corpos aparecem, a maioria das pessoas
já não transmite a doença ou tem maior
dificuldade de transmitir. Isso demons-
tra que os anticorpos servem para saber-
mos se uma pessoa já teve a doença (no
passado) ou está em processo de cura.
Os exames de anticorpos não servem
para identificar pessoas que estão trans-
mitindo a doença.
Dito isso, como esses testes são usa-
dos para conter o espalhamento da
doença? A receita usada em todos os

países consiste em primeiro isolar ime-
diatamente em casa qualquer pessoa
que apresente os sintomas iniciais de
infecção. Além disso é preciso identifi-
car as pessoas que tiveram contato
com essa pessoa nos últimos 3 a 5 dias
(lembre que quando aparecem os sin-
tomas a pessoa já espalhava o vírus por
2,3 dias) e também pedir a elas que se
isolem. Feito isso, a pessoa com sinto-
ma é testada com RT-PCR. Se o resulta-
do for positivo ela deve ficar em casa
até se curar e, nos dias seguintes, todos
os seus contatos que estão isolados
também devem ser testados. Se o resul-
tado da pessoa inicial for negativo, ela
é liberada do isolamento juntamente
com todos os seus contatos. Se algum
dos contatos for positivo, é necessário
que ele permaneça isolado e os conta-
tos dessa pessoa também devem ser
identificados e isolados. E assim por
diante até que a cadeia de contágio seja
interrompida (quanto todos os testes,
em todas as pessoas isoladas, forem
negativos). Como é fácil perceber, isso
exige um nível de organização, colabo-
ração e controle enorme, além de ne-
cessitar de testes de RT-PCR, cujos re-
sultados sejam oferecidos rapidamen-
te para não manter em isolamento por
muito tempo os negativos.
Esse sistema só não é perfeito pois
existem os casos de pessoas assinto-
máticas. Essas, apesar de sabermos
que existem, ainda não sabemos quan-
tas são e com que eficiência transmi-
tem o vírus. Para identificar pessoas
assintomáticas infectadas na popula-
ção, a única maneira conhecida é tes-
tar semanalmente toda a população de
uma escola ou empresa com RT-PCR,
uma proposta que só é viável para gru-
pos muito pequenos.

Bom, e qual o papel dos testes que
detectam anticorpos em um progra-
ma para evitar o efeito abre-e-fe-
cha? Eles só tem duas funções: saber
se uma pessoa já foi infectada no pas-
sado, ou, em levantamentos no am-
biente escolar ou de trabalho saber
em um dado momento que porcen-
tagem das pessoas já teve contato
com o coronavírus (nesses estudos
eles podem ajudar a identificar pes-
soas assintomáticas depois que elas
tiveram a doença).
Os epidemiologistas acreditam
que em pequenas cidades, com pou-
cos casos, em escolas e em empre-
sas, esse sistema é capaz de evitar o
efeito abre-e-fecha, mantendo as ati-
vidades em funcionamento de ma-
neira ininterrupta, impedindo que
um número grande da casos surja de
maneira inesperada. Dada a incapa-
cidade organizacional dos gover-
nos, esses esquemas de testagem e
isolamento terão de ser implemen-
tados, gerenciados e custeados pe-
las escolas e empresas. Feliz ou infe-
lizmente no Brasil vai caber a cada
organização adotar sistemas desse
tipo para garantir a continuidade
das atividades na presença do vírus.

]
MAIS INFORMAÇÕES: TEMPORAL DYNA-
MICS IN VIRAL SHEDDING AND TRANSMIS-
SIBILITY OF COVID-19. NATURE MEDICI-
NE HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-
0869-5 ANTIBODY RESPONSES TO SARS-
COV-2 IN PATIENTS WITH COVID-19. NATU-
RE MEDICINE
HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-
0897-

É BIÓLOGO

E-MAIL: [email protected]

A partir de hoje concessioná-
rias de veículos e escritórios
de prestação de serviços po-
derão voltar a funcionar na ci-
dade de São Paulo. O prefeito
Bruno Covas (PSDB) anun-
ciou ontem a assinatura de
protocolos para a reabertura
controlada dos dois setores.
As empresas já poderão rea-
brir desde que cumpram exi-
gências para evitar a dissemi-
nação do novo coronavírus.
A liberação de concessioná-
rias e escritórios faz parte do
plano de reabertura econômica
conduzido pelo governo esta-
dual. Por esse planejamento, a
capital paulista foi enquadrada
na fase 2 (laranja) de flexibiliza-
ção, em que é permitida a aber-
tura de alguns setores da econo-
mia, como concessionárias,
shoppings e imobiliárias, desde
que sejam seguidos protocolos
para evitar a disseminação do
novo coronavírus.
Entre as exigências para as
concessionárias e os escritó-
rios estão a abertura por, no
máximo, quatro horas por dia,
horários de entrada e saída que
não coincidam com os horários
de pico de trânsito e transporte
público da cidade, medidas de
higienização dos ambientes,
uso de máscaras e álcool em gel,
distância mínima de 1,5 metro
entre as pessoas e uso de pági-
nas na internet e e-mail para in-
formar as condições a trabalha-
dores e clientes. As empresas te-
rão também de fazer testes em
funcionários que apresentem


os sintomas da covid-19.
“É importante lembrar que a
proposta de protocolo feita pe-
la Fecomércio (Federação do Co-
mércio de Bens, Serviços e Turis-
mo) prevê a testagem em seus
funcionários. Estamos falando
aqui de uma nova realidade. Pa-
ra poder funcionar, precisa res-
peitar os protocolos. São custos
que as empresas vão ter para po-
der operar na cidade de São Pau-
lo. É um momento de exceção, é
uma pandemia. Não tem como
a Prefeitura arcar com os custos
de ações que precisam ser im-
plementadas”, disse.
A exigência de testes para os
trabalhadores que apresenta-
rem sintomas provocou um im-
passe entre a Prefeitura e o se-
tor do comércio que deve atra-
sar a reabertura das lojas. Segun-
do o vice-presidente da Feco-
mércio, Ivo Dall'acqua, o setor
reconhece a importância dos
testes, mas não pode obrigar os
lojistas a arcar com este encar-
go. Por isso, no protocolo de rea-
bertura enviado pela Fecomér-
cio à Prefeitura, a realização
dos testes aparece como reco-
mendação e não como imposi-
ção. De acordo com ele, 98%
das empresas do setor são pe-
quenas, com até 20 funcioná-
rios, e estão sofrendo com os
efeitos da quarentena.
Já a Prefeitura exige que o se-
tor se comprometa a testar to-
dos os funcionários com sinto-
mas do coronavírus. Segundo
fontes da administração muni-
cipal, por causa do impasse não
há previsão para reabertura das
lojas até o fim da semana que
vem. Entre os setores com as
negociações mais avançadas es-
tá o das imobiliárias. A Prefeitu-
ra também espera assinar nos
próximos dias um protocolo
com os supermercados, que fun-
cionam normalmente desde o
início da pandemia por se en-

quadrarem na categoria de ativi-
dades essenciais. A ideia é au-
mentar as medidas de controle
e prevenção no setor.
Questionado sobre um plano
para a manutenção do emprego
das mulheres nessa retomada,
Covas disse que “o plano não é
único para cada setor”. “Quan-
do o setor apresenta sua propos-
ta, precisa apresentar o que vai
fazer para evitar a demissão das
mulheres.” Segundo ele, os dois
setores com os quais a Prefeitu-
ra vai assinar a proposta previ-
ram que as mães serão as últi-
mas a serem chamadas para o
trabalho presencial.
Segundo o prefeito, foram en-
tregues até agora 74 protocolos.
Desses, 42 são de setores que se
enquadram na fase 2 de reaber-
tura, na qual a cidade está classi-
ficada, e 32 de setores que se en-
quadram nas fases 3, 4 e 5.

Novas etapas. Indagado sobre
a previsão de que São Paulo seja
promovida à fase 3 (amarela),
em que é permitido abrir restau-
rantes, Covas disse esperar que
isso aconteça neste mês, mas
pontuou que a classificação de-
pende do governo do Estado.
Covas reforçou que a capital
tem 64% de ocupação de leitos
de UTI e registra 4.480 óbitos
por coronavírus. “É importante
destacar que a pandemia conti-
nua na cidade de São Paulo.”
A reabertura econômica no
Estado de São Paulo é vista com
ressalvas por especialistas. Mes-
mo diante de aumento no núme-
ro de casos registrados nos últi-
mos dias, o governo afirma que
o Estado é heterogêneo e isso
permite uma flexibilização.
/RICARDO GALHARDO, PAULO
FAVERO, LUDIMILA HONORATO e
PALOMA COTES

Medida vale a partir de amanhã e empresas poderão abrir no máximo 4 horas por dia, com entrada e saída que não coincidam com o pico


de trânsito, além de obedecer uso de máscaras e medidas de higienização. Funcionários com sintomas de covid terão de ser testados


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


SP libera abertura de concessionárias


e escritórios em horário reduzido


lCrescimento
Na última semana, foram regis-
trados os maiores números de
casos por dia no Estado, desde
março: 6.382, na quinta; 5.691,
na sexta; e 5.586 no sábado. O
Estado tem 129 mil infectados.


Pandemia faz crescer em dez vezes a migração de escolas privadas para públicas. Pág. A12 }


Empresas e escolas terão de
combinar distanciamento com
um programa de testagem

Metrópole

●São Paulo liberou funcionamento de escritórios desde que
sigam protocolos

AS REGRAS

TESTAGEM E MEDIÇÃO DE TEMPERATURA

1,5 M ENTRE
AS PESSOAS

USO DE
MÁSCARAS DISPONIBILIZAR
ÁLCOOL EM GEL

DEMARCAÇÕES E
BARREIRAS FÍSICAS
INFOGRÁFICO/ESTADÃO

PAULO GUERETA/AGÊNCIA O DIA

Covas e Doria. Prefeito espera que reabertura de restaurantes ocorra neste mês, mas dependerá da evolução da doença

Evitar o abre-e-fecha

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