O Estado de São Paulo (2020-06-05)

(Antfer) #1
Maria Fernanda Rodrigues

Quando for seguro sair de casa
novamente, não vamos encon-
trar mais algumas lojas da Sarai-
va espalhadas por shoppings de
São Paulo, Brasília, Belo Horizon-
te, Canoas e São Caetano. En-
frentando a pior crise de sua his-
tória, que vem de antes mas foi
agravada pela pandemia, a rede,
que está em recuperação judi-
cial, está fechando pelo menos 7
livrarias – mas esse número pode
chegar a 19 num futuro próximo.
No mesmo barco, a Cultura
acaba de apresentar um novo pla-
no de recuperação e tenta nego-
ciar com editoras outra forma de
voltar a ter crédito com elas e li-
vros para vender, propondo divi-
dir o pagamento na hora, o Split,
com uma porcentagem extra pa-
ra amortecer a dívida recente.
Enquanto as duas lidavam
com seus problemas nesses dois
meses, outras livrarias e redes
usavam a criatividade para se-
guir vendendo, mesmo com as
portas fechadas. Usaram What-
sApp, investiram no e-commer-

ce, aprenderam a fazer marke-
ting digital, ouviram o cliente. Al-
guns deram férias aos funcioná-
rios. Houve alguma demissão. E,
embora os números não sejam
animadores – segundo a Niel-
sen, o varejo registrou queda de
33% em maio, em relação a 2019,
e acumula perdas de 13% em
2020 –, elas estão conseguindo,
com mais ou menos dificuldade,
passar por isso. E algumas até já

se preparam para a reabertura.
Não há uma data certa para
isso acontecer. A Associação
Nacional de Livrarias está ou-
vindo seus associados para apre-
sentar uma proposta para a pre-
feitura de São Paulo. Quando es-
sa resposta sair, Alexandre Mar-
tins Fontes já estará com a sua
Livraria Martins Fontes mini-
mamente adaptada. Nesta se-
mana, foram instalados escu-

dos protetores nos caixas e ade-
sivos no chão, demarcando um
distanciamento seguro além de
máscara para funcionários, ál-
cool em gel. Tudo conforme
manda o novo figurino.
Apesar disso, Martins Fontes
não acredita que haverá um movi-
mento minimamente parecido
com o de antes do coronavírus, e
continua apostando no e-com-
merce, que já era importante pa-

ra a empresa, no serviço de tele-
vendas que criou agora e em
marketplace (por exemplo, é pos-
sível comprar pela Amazon um
livro que será vendido e entregue
pela Martins Fontes). “A pande-
mia chegou para mudar para
sempre a maneira como as pes-
soas consomem bens e serviços
e confirmou a importância da tec-
nologia. Vamos investir mais do
que nunca em infraestrutura lo-
gística, comunicação e marke-
ting digital”, disse o livreiro que
projetava faturar 30% do que ha-
via sido previsto antes, mas que
fechou abril e maio com 75%.
O que salvou a Leitura, a maior
rede em número de lojas, foi o
caixa anterior, principalmente,
e as vendas online – e olha que,
até o ano pas-
sado, a minei-
ra nem tinha
mais um e-
commerce (a
regra lá é não
manter aberta
uma loja defici-
tária por mui-
to tempo, e o site era). Entre 20
de março e o final de abril, com
as 73 lojas fechadas e atendimen-
to só pelo e-commerce e deli-
very, a venda caiu 96%, diz Mar-
cus Telles, sócio da rede. A Leitu-
ra demitiu 10% dos funcionários
e, mesmo agora com o início da
reabertura em algumas cidades,
ele prevê demitir mais 10% de
seus funcionários em julho – e
diz que dará preferência a eles
quando retomar as contrata-
ções em novembro. Os planos,
porém, não foram desacelera-
dos e a Leitura quer encerrar es-
te ano estranho com 79 lojas (u-
ma foi fechada mês passado).
E como foi a reabertura? “As
duas lojas de rua de Belo Hori-
zonte voltaram acima das ex-
pectativas e venderam quase
igual a antes. As seis de Brasília
recomeçaram faturando 60%
do que seria o normal.”

Voltando para um cenário
mais modesto e menos virtual.
Samuel Seibel, dono da Livraria
da Vila, disse que, por ser uma
livraria de loja física, o impacto
foi muito forte. “Nossa filosofia
sempre foi a de criarmos uma
relação pessoal com o cliente,
indicando livros e trocando
ideias. Por priorizar as lojas físi-
cas, o e-commerce só foi lança-
do em dezembro. Janeiro e feve-
reiro serviram de teste sem sa-
ber o que viria pela frente. E,
quando houve o fechamento
das lojas, tínhamos pelo menos
o site para vender”, comentou.
O crescimento tem sido dia a
dia, e as vendas online equiva-
lem ao faturamento de uma pe-
quena loja da rede, que já rea-
briu em Curitiba e em Londrina.
A Travessa também sofreu o
baque. “Muito doloroso ver as lo-
jas fechadas”, disse Rui Campos,
que não demitiu, mas suspen-
deu contratos e reduziu jornada.
Segundo ele, o site teve um incre-
mento de 50% nas vendas e, so-
mado ao televendas, a Travessa
está faturando cerca de 20% do
que faturaria em condições nor-
mais. Rui citou Vinicius de Mo-
raes, que diz a vida é arte do en-
contro, e completou: “A Traves-
sa é um espaço pensado para en-
contros. Do livro com o leitor e
de pessoas que gostam de livros
com pessoas que gostam de li-
vros. Vai continuar a ser.”
A Blooks também aposta na
livraria como ponto de encon-
tro, e Elisa Ventura acha que os
eventos não voltam tão cedo.
Por outro lado, com algum in-
vestimento no site, as vendas
online melhoraram – mas elas
representam 10% do que ven-
diam nas lojas antes. A lição que
fica? “Que é fundamental olhar
melhor para o cliente, fazer um
atendimento personalizado e
atender demandas de regiões
onde não há lojas físicas”, disse.
A Mandarina estava começan-
do a entender o mercado quan-
do teve que fechar as portas, se-
te meses depois da inauguração,
em Pinheiros. De lá para cá, tem
vendido pelo WhatsApp porque
o e-commerce só começa a fun-
cionar na semana que vem.
“Conseguimos manter a receita
para pagar as contas e aceitamos
todas as ajudas. Fizemos parce-
ria com Milton Hatoum, que as-
sinou livros para os clientes;
com a Companhia das Letras,
que ofereceu linha de crédito pa-
ra mantermos a folha; e com edi-
toras menores, como a Nós, que
destinou parte das vendas de
abril para a livraria”, contou Ro-
berta Paixão.
Muitas editoras estão tentan-
do ajudar pe-
quenas livra-
rias, mas exis-
te uma sensa-
ção de que
uma nova fase
conturbada
vai começar –
com as edito-
ras, receosas de novos calotes,
endurecendo negociações. “A
indústria vai precisar dar crédi-
to para o varejo, embora ela já
faça isso consignando os livros.
Esperávamos que a ajuda do go-
verno chegasse com mais facili-
dade”, disse Marcos da Veiga Pe-
reira, presidente do Sindicato
Nacional de Editores de Livros.
Há uma proposta de projeto de
lei, do senador Jean Paul Prates,
para ajudar o mercado durante
o período de calamidade, mas
ela ne sequer entrou na pauta.
“Para o ecossistema do merca-
do editorial, a livraria é funda-
mental. Uma importante vitri-
ne. O varejo online não dá conta
da quantidade novos títulos”,
afirmou Pereira. “Torço muito
para que esse processo de rea-
bertura não tenha um soluço
mais grave. O medo de todos é a
segunda onda do coronavírus.”

ENQUANTO ESPERAM
DEFINIÇÕES PÚBLICAS,
LIVREIROS FAZEM
ADAPTAÇÕES NAS LOJAS

NA


LIVRARIA


Paladar


Dona Onça e outros agora têm delivery PÁG. H6


QUARENTENA


Mais conectados, livreiros avaliam impacto


das portas fechadas e preparam reabertura


ILUSTRAÇÃO CATARINA BESSELL

A NOVA


lNova fase

Livreiro. Alexandre
Martins Fontes
reformou a loja, mas
ainda aposta no virtual

Precaução. Caixa protegido e adesivos no piso

“Vamos investir mais em
logística e comunicação”
Alexandre Martins Fontes,
MARTINS FONTES

“As lojas de BH voltaram
acima da expectativa”
Marcus Telles
LEITURA

“Torço para que a
reabertura não tenha
um soluço mais grave”
Marcos da Veiga Pereira,
SNEL

FOTOS WERTHER SANTANA/ESTADÃO

MAURO HOLANDA

%HermesFileInfo:H-1:20200605:H1 SEXTA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 2020 (^) O ESTADO DE S. PAULO

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