O Estado de São Paulo (2020-06-05)

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 2020 A


Internacional

RICHARD DREW/AP-3/6/


“Testemunhamos as consequências de três anos sem uma liderança madura


WASHINGTON


A resposta agressiva de Do-
nald Trump aos protestos
contra a violência policial
causaram um efeito raro nos
EUA: uma revolta de ex-gene-
rais contra o presidente, acu-
sado de politizar as Forças Ar-
madas ao ameaçar enviar tro-
pas para esmagar as manifes-
tações. Nesta semana, pelo
menos quatro importantes lí-
deres militares romperam o
silêncio e criticaram Trump.
A dissidência mais surpreen-
dente foi a do general James
Mattis, que foi chefe do Pentágo-
no até 2018. “Donald Trump é o
primeiro presidente da minha
geração que não tenta unir o po-
vo americano – nem finge ten-
tar. Em vez disso, ele tenta nos
dividir”, disse Mattis, em carta
publicada pela revista The Atlan-
tic. “Estamos testemunhando
as consequências de três anos
sem uma liderança madura.”
Mattis é um dos militares
mais respeitados dos EUA. Cha-
mado de “Cachorro Louco”, ele
foi chefe do Comando Central
das Forças Armadas e secretá-
rio de Defesa de Trump. Em de-
zembro de 2018, pediu demis-
são por não concordar com a de-
cisão de retirar as tropas ameri-
canas da Síria. Mesmo assim,
saiu dizendo que jamais critica-
ria o comandante. O limite, se-
gundo ele, foi a “militarização”
da repressão aos protestos.
“A militarização da resposta
às manifestações cria um falso
conflito entre as Forças Arma-
das e a sociedade civil”, disse o
ex-general, em referência aos
eventos de segunda-feira, vis-
tos pelo comando militar como
um gesto autoritário de Trump.
A opinião foi compartilhada
por vários analistas. “Ao criar
a sensação de que as Forças Ar-


madas são um ator político par-
tidário, Trump ataca a nature-
za do pacto civil-militar dos
EUA”, disse Kori Schake, pes-
quisadora do centro de estu-
dos American Enterprise Insti-
tute. “As Forças Armadas são
profissionais”, disse Steven Le-
vitsky, cientista político da
Universidade Harvard. “O
prestígio dá aos militares a ca-
pacidade de reagir, como esta-
mos vendo agora.”
O estopim foi a decisão de re-
primir um protestos pacífico, na
segunda-feira, na Praça Lafayet-
te, em frente à Casa Branca. O
objetivo era limpar o local para
que Trump pudesse caminhar
até a Igreja de St. Johns, do ou-
tro lado da praça, para tirar uma
foto com uma Bíblia na mão.
Desde sexta-feira, o presiden-

te estava furioso com os relatos
de que ele havia sido levado pa-
ra um bunker da Casa Branca,
por razões de segurança, por
causa dos protestos na Praça La-
fayette. Segundo assessores,
Trump precisava de uma de-
monstração de força.
Ao lado dele, na caminhada
até a igreja, estavam Mark Es-
per, chefe do Pentágono, e
Mark Milley, presidente do Es-
tado-Maior Conjunto das For-
ças Armadas, que usava roupa
de combate. Ambos foram acu-
sados de violar o juramento do
cargo – e pelo menos dois altos
funcionários do Pentágono pe-
diram demissão.
O desconforto também foi
causado pela linguagem usada
por Esper, que havia se referido
às cidades tomadas por protes-

tos como “espaços de batalha”,
sugerindo que os militares assu-
missem a repressão. De fato, na
mesma segunda-feira, Esper re-
manejou cerca de 1,6 mil ho-
mens das bases de Fort Bragg e
Fort Drum para os arredores da
capital, deixando os veteranos
militares em estado de choque.
Na quarta-feira, Esper foi
obrigado a dizer que não concor-
dava com Trump e era contra o
uso de tropas na repressão, o
que irritou o presidente e colo-
cou o Pentágono em rota de coli-
são com a Casa Branca.
Além de Mattis, o ex-general
John Allen, que comandou as
tropas americanas no Afeganis-
tão, e o ex-almirante Mike Mul-
len, que já ocupou a chefia do
Estado-Maior Conjunto, criti-
caram o presidente. “Como se

não bastasse os manifestantes
pacíficos terem sido privados
de seus direitos constitucionais
(de protestar), a foto de Trump
legitimou esse abuso com uma
camada religiosa”, escreveu Al-
len na revista Foreign Affairs.
“Até agora, estava reticente

em falar sobre questões que en-
volvem a liderança do presiden-
te Trump, mas estamos em um
ponto de inflexão e os eventos
das últimas semanas tornaram
impossível permanecer em si-
lêncio”, disse Mullen. “Nossos
cidadãos não são nossos inimi-
gos, e nunca serão.”
Ontem, Trump chamou Mat-
tis de “o general mais supervalo-
rizado do mundo”. “A única coi-
sa que Barack Obama e eu te-
mos em comum é que ambos
tivemos a honra de demitir Mat-
tis”, tuitou o presidente – o que
atraiu críticas de mais um ex-ge-
neral. John Kelly, que foi seu
chefe de gabinete, desmentiu o
presidente. “Mattis não foi de-
mitido. Trump claramente se
esqueceu do que ocorreu ou es-
tá confuso”, disse. / NYT e WP

WASHINGTON


Donald Trump vive o momen-
to mais crítico de seu mandato.
Além da convulsão social, com
protestos se espalhando pelo
país, ele enfrenta também uma
crise de saúde, com mais de 100
mil mortos pela covid-19, e o
colapso econômico causado pe-
la pandemia, que deixou 40 mi-
lhões de desempregados. Tudo
isso se reflete nas pesquisas di-
vulgadas nos últimos dois dias.
Três pesquisas da Fox News



  • emissora preferida dos conser-
    vadores americanos –, indicam


o democrata Joe Biden à frente
de Trump em Estados-chave:
no Arizona (46% a 42%), em
Ohio (45% a 43%) e em Wiscon-
sin (49% a 40%). Em uma quar-
ta sondagem, da Quinnipiac
University, o presidente lidera
no Texas, tradicional reduto re-
publicano, mas por apenas um
ponto porcentual (44% a 43%).
As pesquisas estaduais são im-
portantes porque a eleição ame-
ricana é indireta, decidida por
um colégio eleitoral de 538 vo-
tos, que são alocados de acordo
com a população de cada Esta-
do. Ou seja, são 50 eleições dife-
rentes, mas apenas uma dúzia
delas interessa de fato. Na maio-
ria dos Estados não existe dispu-
ta, porque os partidos – Demo-
crata e Republicano – dominam
completamente o eleitorado.
Para poupar recursos e ener-
gia, a campanha presidencial se

resume a pouco mais de dez Es-
tados-chave, que serão palco de
batalha na votação de novem-
bro. Por isso, os resultados das
pesquisas preocupam os alia-
dos de Trump, que vêm tendo
de gastar muito dinheiro em pu-
blicidade em Estados que antes
eram considerados seguros.
O último democrata a vencer
uma eleição presidencial no Ari-

zona foi Bill Clinton, em 1996.
No Texas, um democrata não
leva o Estado desde Jimmy Car-
ter, em 1976. Em 2016, Trump
também venceu Hillary Clin-
ton em Ohio e Wisconsin.
Segundo projeções da CNN, a
campanha do presidente já gas-
tou mais de U$ 1 milhão em pro-
paganda em Ohio, Wisconsin e
Arizona desde o início do ano.
Segundo o analista Chris Cilliz-
za, os recursos empregados nes-
ses Estados significam que a
mensagem de Trump, mesmo
sendo exibida em massa nas
TVs, não tem surtido efeito.
Diante desse cenário, Trump
se reuniu ontem com os princi-
pais conselheiros de campanha.
Duas fontes que estiveram na
reunião relataram à Reuters que
Trump demonstrou frustração
com a situação. Pesquisas inter-
nas do Partido Republicano tam-
bém mostram Trump perdendo
a disputa para Biden. A Casa
Branca aposta na volta à norma-
lidade para que o presidente pos-
sa retomar seus megacomícios
e eventos de arrecadação de fun-
dos. / REUTERS e NYT

James Mattis, ex-secretário de Defesa dos EUA

George Floyd teve covid


em abril, indica autópsia


lPolitização

Ex-generais criticam Trump e acusam


presidente de politizar Forças Armadas


lPesquisas

MINNEAPOLIS, EUA

George Floyd, o negro morto
por um policial branco em Min-
neapolis, na semana passada,
teve covid-19 no início de abril,
quase dois meses antes de ser
assassinado durante uma abor-
dagem policial em Minneapo-
lis, nos EUA. A informação foi
revelada na autópsia.
No documento, Andrew
Baker, principal médico legista
do condado de Hennepin, afir-
ma que o Departamento de Saú-
de de Minnesota havia colhido
uma amostra do nariz de Floyd
após sua morte. O resultado po-
sitivo, segundo ele, provavel-
mente revela uma infecção cau-
sada no início de abril.
Não há indicação de que o ví-
rus tenha desempenhado qual-
quer papel na morte de Floyd,
segundo Baker. O legista afir-
mou ainda que “as chances são

altas de Floyd estar assinto-
mático no momento do assassi-
nato”.
Michael Baden, ex-médico le-
gista de Nova York que reali-
zou na semana passada uma au-
tópsia encomendada pela famí-
lia de Floyd, disse que as autori-
dades do condado não o infor-
maram do resultado do teste da
covid-19. “Se você faz a autóp-
sia e há um resultado positivo
para o coronavírus, o normal é
dizer a todos que entrarão em
contato com o corpo. Teríamos
sido mais cuidadosos.”
Ontem, parentes e amigos
de Floyd participaram de uma
cerimônia em uma capela na
North Central University em
memória do ex-segurança. A ce-
rimônia em Minneapolis teve a
presença do ativista Martin Lu-
ther King III, último filho vivo
de Martin Luther King Jr. / AFP e
EFE

“Ao criar a sensação
de que as Forças Armadas
são um ator político
partidário, Trump
ataca a natureza
do pacto civil-militar
dos EUA”
Kori Schake
PESQUISADORA DO
CENTRO DE ESTUDOS
AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE

Fogo cerrado. Líderes influentes do alto comando militar, entre eles James Mattis, ex-chefe do Pentágono, condenam uso político das


tropas e as ameaças do presidente americano de enviar soldados para reprimir as manifestações contra o racismo e a violência policial


KEVIN LAMARQUE /REUTERS

Irritação. Manifestante grita com policial perto da Casa Branca; generais ficaram revoltados com decisão de reprimir um protesto pacífico na segunda-feira

1 ponto
porcentual é a vantagem do presi-
dente Trump sobre Biden (44% a
43%) no Texas, tradicional redu-
to republicano.

3
Estados-chave Biden lidera

Sondagens mostram


Trump atrás de Biden em


Ohio, Arizona e Wisconsin,


e à frente por 1 ponto


porcentual no Texas


Pesquisas colocam presidente em


situação difícil em Estados-chave

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