Valor Econômico (2020-06-05)

(Antfer) #1

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Legislação&Tributos|SP


E2|Valor|SãoPaulo| Sexta-feira, 5 dejunhode 2020

Devedor contumaz e o Direito Penal


Opinião Jurídica


FilipeLovatoBatiche
RhasmyeElRafih

A


pesarde aindanão
se ter sido
publicadoo
acórdãodo
julgamentodo
recurso ordinárioem habeas
corpus nº 163.334/SC,
realizado pelo Plenário do
SupremoTribunal Federal(STF)
no fim do ano passado, um
pontotratadodurantea
discussão entreos ministros
deve ser analisado:o
entendimentodo contribuinte
comodevedorcontumazcomo
requisitopara configuraçãodo
crimetipificado no art. 2º, II,
da Lei 8.137/90.
Embreveslinhas,adecisão
julgouqueonãopagamentode
ICMSpróprio,apesarde
declarado,istoé,semomissãoou
qualquerartifíciofraudulento
queimpossibiliteacobrança,
podeconfigurarcrimeformal

contraaordemtributária.
ParaoSTF,ocontribuinteque
realizaessadeclaraçãoreteriaos
valoresdestacadosdaoperação
realizadacomodestinatário
final,emsimilitudeà
apropriaçãodevalores
decorrentesdoinadimplemento
emhipótesedesubstituição
tributária.Aofinal,amaioriados
ministrosfixouaseguintetese:
“Ocontribuinteque,deforma
contumazecomdolode
apropriação,deixaderecolhero
ICMScobradodoadquirenteda
mercadoriaouserviçoincideno
tipopenaldoart.2º,II,daLeinº
8.137/1990".Porém,oSTFnão
definiuoqueseriaumdevedor
contumazesequerhádefinição
naleinessesentido,oque
menoscabaoprincípioda
reservalegal.
Deacordocomareferidatese,
oSTFdispôssobreaexistênciade
umelementodotipopenal,que
nãoestáprevistonaredação
originaldoart.2º,II,daLeinº
8.137/1990:ododevedor
contumaz.Masoqueseriaum
devedorcontumazparaa
configuraçãodotipopenal?O
usodesseelementonormativo
estádeacordocomosprincípios
queregemoDireitoPenalemum
EstadoDemocráticodeDireito?
E,especialmente,ocontribuinte
quenormalmenteseexsurge
judicialmentecontraosautosde
infraçãolavradoscontrasipode
serprejudicado?

Nãoexistenalegislação
federalemvigordispositivo
queconceituedevedor
contumaz,lembrando-seque
cabeexclusivamenteàUnião
legislarsobrematériapenal,
sobpenadeseterdiferentes
condutascriminaisno
territórionacionaloumesmo
“ilhasdeimpunidade”.
Atualmente,tramitaperantea
CâmaradosDeputadoso
ProjetodeLeinº1.646/2019
(PL),queestabelecemedidas
paraocombateaodevedor
contumazedefortalecimento
dacobrançadadívidaativa.O
parágrafoúnicodoartigo
inicialdoPLdefinedevedor
contumazcomo“o
contribuintecujo
comportamentofiscalse
caracterizapelainadimplência
substancialereiteradade
tributos”,oquenãodeixadeser
umconceitoaberto,passívelde
afrontaroprincípioda
taxatividadecasodeslocado
paraaesferacriminal.OPL
tambéméomissopornão
tratardagarantiado
contribuintedesesocorrerao
PoderJudiciáriopara
impugnaçãodailegalidadede
autosdeinfraçãotributários.
Assim,enquantonãohá
definiçãojurídicadedevedor
contumaz,acondutadeveria
serconsideradaatípica,de
acordocomprecedentesdo
próprioSTF(RHC124.082/RJ).

Enquanto nãohádefinição
jurídicadedevedor
contumaz,a conduta
deveriaserconsiderada
atípica,deacordocom
precedentes doSTF

DentrodeumEstado
DemocráticodeDireito,asanção
penal,emrazãodeseramais
gravepenaasercominada,deve
serlastreadaemfatosindividuais
previstosemlei,ouseja,no
DireitoPenaldoFatoa
punibilidadeestávinculadaa
umaaçãoouomissãoindividual
concretaeasançãoresultadessa
açãoouomissão,devendoainda
acondutalesarouexporaperigo
bensjurídicosessenciais.Dessa
forma,restailegalrelacionara
personalidadeouo
comportamentoasuposta
periculosidadeparaaimposição
dasançãopenal,oDireitoPenal
doAutor,pressupondo-seuma
probabilidademaiordeesse
agenterealizarumaconduta
criminosaemrazãodeuma
condiçãopessoal.
Todavia,aindasevê
contemporaneamente
resquíciosdeDireitoPenaldo
Autor,comoaexistência,até
2005,daexpressão“mulher
honesta” comoelemento
normativodotipopenaldoart.
216doCódigoPenal,oude
“pessoaafeitaaocrime”como
severificaemdiversosjulgados
parajustificaraspenas
aplicadasaréusemrazãode
posiçãosocial,raça,orientação
sexualouidentidadedegênero.
Assimsendo,aoserelacionar
ocomportamentodedever,
frequenteounão,como
elementonormativopara

configuraçãodeumdelito,
criminaliza-seuma
idiossincrasiaenãoumaação
ouomissãoconcretaque
ofendaaumbemjurídico,
sendoincompatívelcomos
princípiosdeDireitoPenal,pois
ninguémpodeser
responsabilizadopeloqueé,
massópeloquefez.

Chamatambémaatençãoo
fatodeateseeditadapeloSTF
nãoconsiderarodireitodeo
contribuintequestionaradívida
quelheécobrada.Nãoé
incomumasautoridadesfiscais
desconsiderareminterpretações
àsnormastributáriasjá
consolidadaspelasCortes
brasileiras,especialmente
aquelasconsideradas
pró-contribuinte.Asituaçãode
umcontribuintequetem
diversosautosdeinfração
lavradoscontrasi,mascujo
comportamentobaseia-seem
precedentesjudiciaisouemum
planejamentotributáriolícito,
nãopoderesultarem

responsabilizaçãocriminal,por
lhesergarantido
constitucionalmentea
possibilidadedeoPoder
Judiciárioapreciaravalidadedo
débitoimposto(art.5º,XXXVda
ConstituiçãoFederal).
Dessaforma,autilizaçãode
comportamentos,mesmocom
critériosobjetivospara
caracterizá-los,paraa
configuraçãodecondutas
criminosasnãonosparecea
melhoropção.Aproteção
penaldaordemtributáriadeve
serrealizadapormeioda
sançãodeaçõesouomissões
que,claraeobjetivamente,
lesionemouexponhamarisco
essebemjurídico,enãopor
atitudesqueinclusivepodem
muitasvezesrefletiroexercício
deumagarantiaconstitucional.

FilipeLovatoBatiche RhasmyeEl
Rafihsão,respectivamente, mestre em
Direito PenalpelaUniversidade deSão
Paulo(FD-USP); mestrandaemDireito
pelaUniversidadedeSãoPaulo,campus
deRibeirãoPreto (FDRP-USP) e
advogadosassociadodapráticaDireito
Econômico,White Collar& Compliance
doMadronaAdvogados.

Esteartigoreflete asopiniõesdoautor,
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