Valor Econômico (2020-06-05)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 5 da edição"05/06/20201a CADA" ---- Impressa por ccassianoàs 04/06/2020@21:32:3 2


Sexta-feira, 5 de junhode 2020| Valor|A

Brasil


IMPACTOSDO


CORONAVÍRUS


AmbientePesquisadorAdalbertoVeríssimotemeque


desmatamentoestejapertodopontode‘nãoretorno’


“A mazônia enfrenta

crise ambiental,

econômica e social”

Adalberto Verissimo: “Boa parte da economiada Amazônia já opera, hoje,semdesmatamento, menos invasão e grilagem”

SILVIA COSTANTI/VALOR

Daniela Chiaretti
De São Paulo

Para o agrônomoAdalberto Ve-
ríssimo, que estuda o desenvolvi-
mento sustentável da Amazônia
há 30 anos, há três “Amazônias” —
umadesmatada,outrasobpressão
euma terceira,florestada. As abor-
dagens na região teriamque levar
em conta trêsrealidades. Recupe-
rar, apoiar e investir em uma eco-
nomiavibrante na primeira área,
conter odesmatamento na segun-
da, e buscar ajuda internacional
para desenvolver, mantendo aflo-
resta em pé, a terceira.“O que te-
mos agoraéopior dos mundos.
Continuamosadestruiraflorestae
continuamospobres.
NavisãodeVeríssimo,fundador
epesquisador sêniordoImazon,
renomado institutos de pesquisa
da região, o Brasil tem pouco a co-
memorar neste5 de junho,Dia
MundialdoMeioAmbiente.“Vive-
mos umatempestadeperfeita na
Amazônia Legal”, resume ele,
apontandoacrise ambiental,so-
cial eeconômica. Odesmatamen-
to estáem alta,aregião continua
com indicadores sociais ruins e a
economiaseguepífia.
O pesquisador, contudo, vê saí-
das. Nos municípios do arcodo
desmatamento, recomendaque o
Estado invistana melhoriadas es-
tradas, na regularização fundiária,
naassistênciatécnicaaosproduto-
res rurais ena recuperaçãodas
áreasdegradadas. Na Amazônia
maisameaçada, a ação deveria ser
de conter o desmatamento e a ati-
vidadeilegal. Ali, diz, a“indústria
da invasão”está destruindo“como
umanuvemdegafanhotos”.
Finalmente, na Amazônia“flo-
restada”, comoele diz, a estratégia
deveria serbuscar mecanismosin-
ternacionaisque ajudemo Brasila
desenvolversem devastar e com-
batendoapobreza.
Veríssimo,quecriouoCentrode
Empreendedorismo da Amazônia
emBelémehojeétambémpesqui-
sador visitantena Universidadede
Princeton, nos EUA,deu entrevista
aoValor,por telefone.A seguir,al-
gunstrechos:

Três crisessimultâneas
AAmazôniaviveumatempesta-
de perfeita.Estamos enfrentando
umatripla crise na região—am-
biental, econômica e social. As
queimadasde 2019foramaface
visíveldo problemaambiental,
queseexpressapelodesmatamen-
to em alta.OPIB per capita da
Amazônia, na maiorparte dos Es-
tados, está abaixo que a média na-
cional. E não foi por acaso quea
crise da covid-19 explodiu na
Amazônia. A região tem estrutura
de saúde precária.Os quatropio-
res Estados, no rankingnacional
de leitosde UTI por 100 mil habi-
tantes, são amazônicos: Amapá,
Pará,RoraimaeMaranhão.

O déficit social
AAmazôniaéregiãopobre,
com serviçossociaisprecários.
Tem déficitde infraestrutura,sa-
neamento, saúde,comunicação,
cidades com problemassériosde
mobilidadeesegurança.Faltatu-
do oque compõeacesta de qua-
lidadedevidahoje.

Trajetóriado desmate
Odesmatamentoatingiu opico
em 2004, com 27 mil km^2. Depois
caiu até 2012, quando chegamos a
4500 km^2 , amenortaxa da histó-
ria. A partir de 2013começou asu-
bir e aoscilar, ficando entre 5mil e
6mil km^2 .No primeiro ano do go-
verno de Jair Bolsonaro, com um
pedaço de Michel Temer —de
agosto de 2018 a julhode 2019—,
atingimos10 mil km^2. Este é oúlti-
mograndenúmeroem10anos.

Cenárioatual
Este ano, segundo os dadosdo
sistemaDeter (do Inpe) e do Ima-
zon, a indicação é que continua-
mos aumentando.Faltam aindaos
dadosde maio, junho ejulho, mas
oretratodenovemesesdasafrado
desmatamentoindicamquepode-
mos ternovo aumento.Oresulta-
do podeser maior do que o ano
passado. Faltam três meses, pode-
mos ter uma boa surpresa. Mas os
dados acumulados nos últimos
novemesesmostramumaumento
de81%,comparandooperíodoen-
treagostode2019eabrilde2020a
igualperíodoanterior.

Semfloresta e desenvolvimento
O desmatamento sobe na Ama-
zônia,deformaexpressiva,mesmo
em um momento em que as ativi-
dades econômicasestão reduzidas
comapandemia.Issomostraquea
derrubada da floresta não tem re-
lação com a economiaecom cres-
cimento econômico. Os anos em
que oPIB brasileiro maiscresceu
foramtambém os que o desmata-
mento maiscaiu.O desmatamen-
to e a curva do PIB não se encon-
tram.Sãocurvasdiferentes.
O desmatamento na Amazônia
não está relacionado com o cresci-
mentoeconômico.Éfenômenore-
lacionado com ainvasão de flores-
taspúblicas.Trata-sederouboein-
vasãodepatrimôniopúblico.

Ilhasde prosperidade
A base da economiada Amazô-
nia é matéria-prima. Exportamos
matéria-primaeproduzimospou-
cos produtos de valor agregado.
Temos umaeconomiasem dina-
mismo, sem atrair investimentos,
compoucas exceções. Aminera-
ção da Amazônia tem capacidade
de geração de renda.Há algumas
ilhasde relativa prosperidade eco-
nômica,como áreasdoagronegó-
cionoMatoGrossoouumaprodu-
ção de cacau de qualidade ao lon-
godaTransamazônica.

Pouca riqueza e muitaemissão
No final da década de 70, o total
desmatado da Amazônia era pró-
ximoa 2%, e a participação da
Amazôniano PIB nacional, 8%. O
modelo que vigorou por décadas
eraoquediziaqueaflorestanãoti-
nha valor eque era preciso derru-
bá-la para ter atividades econômi-
cas comopecuária e agricultura.
Que isso geraria prosperidade. O
resultadoéquenãogerou.
A Amazônia Legal aindapartici-
pa com 8% do PIB.Mas perdeu 20%
das florestas, degradou outra par-
te e continua com participação pí-
fia no PIB nacional.Pior: 42% das
emissões de gases-estufado Brasil
vêm da Amazônia. Esta é uma eco-
nomiareprovada no século 21:
produz poucariquezaparatanta
pegadadecarbono.
Nos anosem que reduzimos
muitoodesmatamento, não con-
seguimosmudar abase da econo-
miadaAmazônia.Quepudesseser
umaeconomialigadaà floresta,
baseadanalegalidade emais vi-
brante. O Brasil ainda não montou
um projeto de desenvolvimento
sustentávelparaaregião.

O que fazer na área desmatada
Podemosdividir aAmazônia
em três. No arco do desmatamen-
to, que vai do lesteesuldo Pará,
nortedo Mato Grosso, corta Ron-
dônia,chega ao Acreebordeja o
suldoAmazonas,ficaa“Amazônia
desmatada”. Aquiapenas10% da
área desmatadaestá sendo usada
comprodutividade na médiada
agropecuária brasileira. Outros
60% têm uso agropecuário com
baixíssima produtividade. Há
muito espaçopara melhorar.E
existem30% de terras desmatadas,
degradadas eabandonadas. Preci-
sainvestirpararecuperarosolo.
Nesta Amazônia,que corres-
pondea20% do total, aagenda
tem que ser de intensificação do
uso da terra, de aproveitar as áreas

já abertas, dar assistência técnica.
Transformaro abandono em áreas
de boa produtividade agropecuá-
ria queirão produzir carne, soja,
dendê,milho, florestas de eucalip-
to,tersistemasagroflorestais.
Se precisarfazer regularização
fundiária nesta área, excelente,
porqueali há gente assentadahá
muitotempo.Éprecisomelhorara
rede de estradas vicinais. O Estado
brasileiro tem que fazer investi-
mentospara que esta região possa
servibranteegerarempregoeren-
da. Tem queter investimento em
boaspráticas para queseaumente
a produtividade.São investimen-
tosqueoBrasilpodefazer.
Essa agenda de intensificação
de uso da terraeinfraestrutura re-
querinvestimentospúblicos.O
Brasil deveria priorizar estasáreas
paraquefossemmelhorusadas.

O que fazer na área sob pressão
Digo que 40%da regiãoé a
“Amazônia sob pressão”. É São Fé-
lix do Araguaia, NovoProgresso,
Itaituba,Altamira, Humaitá, mu-
nicípios com bastante floresta,
masondeháumaceleradoproces-
so de desmatamentoexplodindo,
comdinâmicabaseadana grila-
gem ena invasão de florestaspú-
blicas. Esta ocupação irá gerarcri-
se, conflitos e pobreza. São cidades
que depois ficamdependendo de
transferênciaspúblicas.
Isso aconteceporquehá várias
tentativas de fazercom que estas
áreasrecéminvadidaseocupa-
das sejamlegitimadas.Éuma in-
dústriade invasãode florestas
públicas.A má imagembrasilei-
ra no mundovem daqui. Fazer a
regularizaçãofundiáriaécorre-
to, mas lá na Amazôniadesmata-
da. Mas fazerprocessosde regu-
larização subsequentes irá criar
uma indústriada invasãoque vai
acabar com a Amazônia.É como
umanuvemde gafanhotoe cu-
pimconsumindotudo.

A regiãodos serviçosambientais
Na região que chamo de “Ama-
zônia florestada” há reservas indí-
genasef lorestaem bomestado.
Aquiaagendaimportanteédeser-
viços ambientais. Esta floresta pro-
duz muito. Está bombeando água,
forma “riosvoadores” que vão ao
Centro-Sule ajudam a irrigar o
agronegócio brasileiro, enchem os
reservatórios de água.Éuma re-
gião compobreza, mas não misé-
ria.Temqueterumaagendadede-
senvolvimento social para esta re-
gião.Trata-sede manter afloresta
em pé etentarencontrarmecanis-
mos de transferência de renda. O
Brasil merecia receber pagamento
de serviços ambientais do resto do
planeta porque afloresta desem-
penhaumpapelimportante.Claro
que para issoopaístem que con-
trolarodesmatamento.

Controle de danos
É umaagenda em três etapas.
Primeiro é preciso parar de perder
floresta. É ocontrolede danos: te-
mos que conterodesmatamento,
o fogo, a ilegalidade com coman-
do e controle. É precisoimporalei
e evitar um saqueao patrimônio
público brasileiro que estásendo
destruídoparanada.
Temque haver uma boa pecuá-
ria na Amazônia, intensificada, ca-
paz de agregar tecnologia com
produtividade maior. Tem osetor
agroflorestal que está crescendo.É
uma agendaque precisaser cons-
truída por uma década, precisa de
políticas públicas einvestimentos
de longoprazo.OBrasil não tem
caixa para bancartudoisso. Acho
que omundodeveria pagarpelos
serviços ambientais que a Amazô-
nia presta e contribuirpara oseu
desenvolvimento. Não vamos pro-
tegeraAmazôniacommiséria,
mascom desenvolvimento que
mantenha afloresta em pé. Oque
temos agora é o pior dos mundos.
Continuamosadestruiraflorestae
continuamospobres.

Fontes:IBGE;SEEG

Barrildepólvora
Raiox da AmazôniaLegal

Dadossocioeconômicos Desmatamentoacumuladoaté 2019= 20%
Área=5 milhõeskm^2 Emissõesde gasesde efeito-estufa:46%das emissõestotaisdo Brasilpara^2018
População(estimadaem
2019)=27, 7 milhões
PIBtotalano 2017=
R$ 584bilhões
PIB% em relaçãoao totaldo
Brasilno ano 2017=8,8%
PIBper capitada Amazônia
Legal(em2017)=R$ 20,6mil
(equivalentea 65%do PIBper
capitado Brasil)
PIBper capitado Pará(estado
commaioráreadesmatada)=
R$16,1mil (equivalenteà metade
do PIBPer capitado Brasil)

30

25

20

15

10

5

0
1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013

km^2 desmatadospor ano Valorda produçãoagrícolaem R$ bi
Produçãoagropecuária
crescemesmo
comdesmatamento
em queda

Milhares

de km

2

R$ b ilhões

Vai Corinthianssssssss

Free download pdf