O Estado de São Paulo (2020-06-06)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-1:20200606:B1 SÁBADO, 6 DE JUNHO DE 2020 INCLUI CLASSIFICADOS O ESTADO DE S. PAULO


E&N


ECONOMIA & NEGÓCIOS


Variação da moeda de países emergentes

●Ativos brasileiros estão entre os que mais se desvalorizaram no ano

MERCADO

ATÉ DIA 4/JUNHO, EM PORCENTAGEM
Real
Rand (África do Sul)
Peso mexicano

Peso argentino
Lira turca
Rublo russo
Peso colombiano

Rúpia indiana
Won (Coreia do Sul)
Coroa checa
Novo sol (Peru)

Zloty (Polônia)
Peso chileno
Renminbi (China)
Dólar de Hong Kong

Em relação ao dólar, no acumulado do ano

-21,39
-17,24
-13,66
-13,10

-11,94
-10,41
-8,73
-5,55

-5,14
-3,56
-3,51
-3,09

-2,55
-2,08
0,53

Variação das principais Bolsas
ATÉ DIA 4/JUNHO, EM PORCENTAGEM

Nasdaq (EUA)
Coreia do Sul
S&P (EUA)

China
Alemanha
Dow Jones (EUA)
México

Hong Kong
Reino Unido
Chile
Índia

Brasil
Peru
Espanha
Colômbia

7,17
-2,12
-3,67
-4,29

-6,18
-7,91
-13,15
-13,56

-15,92
-16,8
-17,63
-18,87

-19,04
-20,76
-29,99

0 0

Aumento da dívida das empresas comeram os bons resultados do primeiro trimestre

Lucro líquido em queda

EM MILHÕES DE REAIS

Lucro líquido final

Geração de caixa

Receita com vendas

Lucro antes de impostos e dívidas

Despesas financeiras

1º/TRI/2019 VARIAÇÃO

10.402

220.745

309.691

30.435

25.447

1º/TRI/2020

3.167

329.815

336.835

39.483

58.490

-69,6%

49,4%

8,8%

27,7%

129,8%

0

FONTES: TENDÊNCIAS E ECONOMATICA INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Douglas Gavras


Apesar de o Brasil ser motivo de
preocupação quanto ao avanço
de novos casos da covid-19, os
resultados positivos da Bolsa
brasileira têm elevado as expec-
tativas de que o fim do confina-
mento na China e em países eu-
ropeus pode ser um sinal de
alento para a economia brasilei-
ra. Para alguns analistas ouvi-
dos pelo Estadão, no entanto,
pode não ser bem assim.
Os resultados recentes do
Ibovespa, principal índice da
B3, mostram esse “otimismo”.
No fim do primeiro trimestre,
com a propagação do novo co-
ronavírus pelo País e a adoção
das medidas de isolamento so-
cial para conter o contágio, hou-
ve uma queda de 47% em rela-
ção ao início do ano. Estava em
quase 120 mil pontos e chegou
aos 63 mil em março. Mas, nas


últimas semanas, com as notí-
cias de reabertura na China e
em países europeus, a Bolsa su-
biu mais de 40% desde o ponto
mais baixo. Ontem, voltou para
perto dos 100 mil pontos, fe-
chando em alta de 0,86% aos
94.637,06 pontos.
O dólar também teve trajetó-
ria semelhante. Estava cotado
na casa dos R$ 4 em janeiro, che-

gou a R$ 5,97 no mês passado,
mas depois disso engatou uma
sequência de quedas e ontem
terminou o dia a R$ 4,99, queda
de 2,73%.
Para o economista Nathan
Blanche, sócio da Tendências
Consultoria, porém, é uma me-
lhora artificial. “O câmbio e o
preço dos ativos do Brasil não
têm hoje influência de melhora

ou piora dos preços ou dos ati-
vos. Há uma disfuncionalidade
no mercado. Ela é provocada
pelo excesso de liquidez no
mundo. E vai piorar, porque vai
aumentar a liquidez no merca-
do internacional”, diz. “Hoje, a
maior parte dos países ricos já
está com juros negativos. O pró-
prio Brasil pode passar a ter ju-
ros negativos em breve.”
Para Blanche, o Brasil enfren-
tará daqui para a frente um de-
safio para colocar a situação fis-
cal em ordem. “Teremos dois
caminhos: ou o País retoma as
reformas e reequilibra a situa-
ção fiscal ou corremos o risco
da volta da inflação.”
Também para a economista
Monica De Bolle, do Peterson
Institute, o mercado brasileiro
não tem razão alguma para fi-
car otimista. No Brasil, nada vai
melhorar, as coisas estão em
franca trajetória de piora, diz.
“O excesso de otimismo é uma
marca do mercado brasileiro,
que só sabe apostar para cima.”
Os dados de comércio exte-
rior, por exemplo, dão pouca
margem para otimismo. “A Bol-
sa tem decisões que não têm
sentido prático. É um indica-

dor, mas não é um fato por si
mesmo. A pandemia jogou as
exportações de manufatura-
dos para 23% do total, o País
voltou ao patamar em que esta-
va em 1974”, diz José Augusto
de Castro, da Associação Brasi-
leira de Comércio Exterior.
Ele avalia que o mercado po-
de achar que a crise não é tão
feia, mas isso não quer dizer
que não seja. “Basta olhar para
o que está acontecendo nos
EUA e na falta de gestão federal
da crise aqui no Brasil para sa-
ber que não está tudo bem. En-
quanto não houver uma vacina
testada e eficaz, não haverá mo-
tivo para ficar otimista com o
cenário internacional.”

Pessimismo. Mesmo os países

que já começaram a reabrir
suas economias após a quaren-
tena ainda estão pessimistas
quanto ao futuro, segundo da-
dos mais recentes do Índice de
Confiança nos Negócios, da Or-
ganização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Nesse indicador, em
que números abaixo de 100
mostram pessimismo com o ru-
mo dos negócios, o Brasil esta-
va na lanterna entre as 20 maio-
res economias, com 95,8 pon-
tos em abril. Mas em nações
que já passaram pelo pior da
pandemia há mais pessimismo
também, como China (98,8),
Itália (99,3) e Espanha (98,1).
Há pessimismo quanto ao fu-
turo mesmo na Alemanha, país
europeu considerado um caso
de sucesso na contenção da
doença e que começou a rela-
xar as medidas de isolamento.
“Estamos caminhando sobre
gelo fino”, disse a chanceler An-
gela Merkel em abril.
“É preciso cuidado para di-
mensionar os primeiros sinais
de retomada pós-covid”, avalia
Castro, da AEB. “Na China, as
informações disponíveis nun-
ca são completas e algumas me-
didas tomadas pelo governo su-
gerem que o comércio interna-
cional ainda esteja longe da nor-
malidade.”

Altamiro Silva Junior
Luciana Dyniewicz


O Brasil perdeu peso impor-
tante nas carteiras de investi-
dores estrangeiros em meio
ao aumento do risco político,
à fraca atividade econômica e
aos juros historicamente bai-
xos. Gestores ouvidos pelo
‘Estadão/Broadcast’ calcu-
lam que, nos fundos globais, a
participação do País, que já
foi de 2,5%, caiu para 0,3% no
fim de maio, a menor desde
2015, ano marcado pela reces-
são e pela crise política que
desencadeou o impeachment
de Dilma Rousseff. Nas cartei-
ras dedicadas aos mercados
emergentes, a fatia baixou pa-
ra 7%, também o menor nível
desde 2015.
Gestores alertam ainda para
o risco de, com os juros perto de
zero, não só estrangeiros dei-
xem de aplicar aqui, mas tam-
bém brasileiros comecem a re-
meter recursos para o exterior.
Nos fundos dedicados a
emergentes, o Brasil chegou a
ter participação de 16,5% em
2011, mesmo nível da China.
Desde então, Coreia do Sul, Ín-
dia e Taiwan passaram a ter
maior participação nessas car-
teiras que os ativos brasileiros,
mostram dados da consultoria
americana EPFR. A China tem
hoje fatia perto de 30%.
O Brasil teve, neste ano, fuga
de capital externo bem acima
do nível de outros emergentes,


de acordo com o Instituto Inter-
nacional de Finanças (IIF), for-
mado pelos 450 maiores bancos
do mundo. No primeiro trimes-
tre, a saída de capital foi quase o
dobro da verificada na crise de


  1. Dados do Banco Central
    mostram que US$ 33 bilhões dei-
    xaram o País neste ano pelo ca-
    nal financeiro até 22 de maio.
    Na B3, foram R$ 76 bilhões.
    “O retorno no Brasil ficou
    muito baixo para um país de ris-
    co alto”, diz um gestor em Lon-
    dres de um fundo dedicado a
    emergentes. Ele afirma que ou-
    tros países oferecem juros maio-
    res que o Brasil a um risco me-
    nor e cita o México como exem-
    plo. Lá a taxa de juros está em
    6% e o risco-país medido pelo
    Credit Default Swap (CDS), de-
    rivativo de crédito que protege
    contra calotes na dívida sobera-
    na, em 140 pontos. No Brasil, o
    CDS está em 240 pontos e o juro
    em 3%, além de ser crescente a
    aposta de corte para 2,25%.
    “O mundo virou as costas pa-
    ra o Brasil faz tempo”, afirma o
    gestor e sócio da Mauá Capital
    Luiz Fernando Figueiredo, ex-
    diretor do Banco Central. “A
    imagem do Brasil está péssima
    no exterior”, completa ele, res-
    saltando que a forma como o
    País lida com a crise do corona-
    vírus, “o enorme barulho políti-
    co” e os juros baixos contri-
    buem para afastar os investido-
    res, sobretudo os de curto pra-
    zo, que aplicam no mercado fi-
    nanceiro, na Bolsa ou renda fi-
    xa. Os de mais longo prazo, que
    olham para projetos de infraes-
    trutura, ainda mantém o país na
    radar, continuou ele em live rea-
    lizada recentemente pela Febra-
    ban. “A percepção do Brasil lá
    fora hoje é a pior possível.”
    Para o economista sênior pa-
    ra América Latina da consulto-
    ria inglesa Pantheon Macroeco-
    nomics, Andres Abadia, a forma
    “surreal” como o presidente
    Jair Bolsonaro está lidando


com a pandemia, minimizando
seus efeitos, vai contribuir para
estender sua duração, piorando
ainda mais a atividade e trazen-
do mais preocupações sobre as
contas fiscais locais, que já esta-
vam deterioradas.

Moeda e Bolsa. A postura do
presidente, aliada à queda dos
então ministros Luiz Henrique
Mandetta (Saúde), Nelson Tei-
ch (Saúde) e Sérgio Moro (Justi-
ça), além dos rumores de que o
ministro Paulo Guedes (Econo-

mia) também estava com o car-
go ameaçado, contribuiu para
deixar o Brasil com a imagem
abalada entre investidores, que
fugiram do País.
No acumulado do ano até 4
de junho, o real foi a moeda

emergente que mais se desvalo-
rizou, com recuo de 21%. “O
real perdeu muito nesse perío-
do mais turbulento, com a saída
de ministros e o risco de uma
mudança na agenda econômi-
ca, quando se falou no plano
Pró-Brasil (programa da ala mili-
tar do governo para reativar a eco-
nomia com obras públicas). Nes-
se momento, o mercado ‘precifi-
cou’ o pior dos mundos”, diz o
economista Silvio Campos Ne-
to, da Tendências Consultoria.
A B3 também foi uma das Bol-
sas que mais se desvalorizou(-
18,9%), ficando atrás apenas da
colombiana (-30%), da espanho-
la (-21%) e da peruana (-19%).
Nas últimas semanas, porém,
os ativos brasileiros começa-
ram a se recuperar. O economis-
ta Álvaro Frasson, do BTG Pac-
tual Digital, destaca que esse
movimento se deu mais por cau-
sa do alívio no mercado interna-
cional, com o início da reabertu-
ra da economia europeia, do que
por questões domésticas. As me-
didas adotadas pelas autorida-
des monetárias dos EUA e da Eu-
ropa, que inundaram o mercado
com dólares e euros, também fa-
voreceram a recuperação do
real e da B3. “Quando os merca-
dos maduros têm uma expectati-
va de retomada, os investidores
tomam mais risco”, diz.
Foi esse cenário internacio-
nal – e não uma onda de otimis-
mo com a economia do País –
que favoreceu o governo brasi-
leiro na captação de US$ 3,5 bi-
lhões em títulos da dívida exter-
na, feita na quarta-feira, em
uma operação considerada de
sucesso. “A captação foi bem su-
cedida e é explicada pela grande
liquidez. Claro, as contas exter-
nas estão sob controle, o que
ajuda. Mas, superado o período
de pânico, o investidor busca
maior rentabilidade, acaba sain-
do dos títulos americanos e os
papéis brasileiros chamaram
atenção”, diz Campos Neto.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lTrégua

Para analistas, melhora do mercado no País é ‘disfuncional’


lAvaliação


Participação do Brasil na carteira de


investidores estrangeiros cai a 0,3%


Votação de marco de saneamento deve ser retomada. Pág. B3}


-2,73%
foi a queda ontem da
moeda americana ficando
cotada no fim do dia a
R$ 4,99; já a Bolsa brasileira
subiu 0,86% fechando
o pregão aos 94.647,06 pontos

ALY SONG/REUTERS-4/6/2020

Alento. Retomada em países como a China anima mercados

Mesmo com Bolsa perto


dos 100 mil pontos e


dólar abaixo de R$ 5,


avaliação é que não há


razão para otimismo


“O real perdeu muito no
período mais turbulento,
com a saída de ministros
e o risco de uma mudança
na agenda econômica,
quando se falou no plano
Pró-Brasil.”
Silvio Campos Neto
ECONOMISTA DA TENDÊNCIAS


Peso do País em fundos internacionais já foi de 2,5%, mas crise política, juros baixos e debilidade econômica assustam investidores;


real é a moeda emergente que mais se desvalorizou no ano e B3 só não perdeu mais que bolsas colombiana, espanhola e peruana

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