O Estado de São Paulo (2020-06-06)

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B8 Economia SÁBADO, 6 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Negócios


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Cleide Silva


Com parte das fábricas de vol-
ta às atividades, a indústria
automobilística produziu em
maio 43,1 mil veículos, volu-
me 84,4% inferior ao de igual
mês do ano passado e o pior
resultado para o período em
35 anos. Em abril, com prati-
camente todas as linhas para-
das em razão da crise do coro-
navírus, apenas 1,8 mil unida-
des foram produzidas.
No acumulado do ano foram
fabricados 630,8 mil automó-
veis, comerciais leves, cami-
nhões e ônibus, 600 mil a me-
nos em relação a igual intervalo
de 2019. Ao longo deste mês, oi-
to marcas vão retomar opera-
ções, completando assim a rea-
bertura de todas as montado-
ras, a maioria com operações
parciais de um turno.
As concessionárias de várias
capitais, incluindo São Paulo,
também estão reabrindo as por-
tas, mas o cenário para o setor
ainda é “dramático”, segundo
Luiz Carlos Moraes, presidente
da Associação Nacional dos Fa-
bricantes de Veículos Automo-
tores (Anfavea).
Com base nas projeções de re-
tração da economia brasileira,
que pode chegar a 7% segundo
estimativas, a entidade projeta
vendas de 1,67, milhão de veícu-
los neste ano, queda de 40% em
relação ao ano anterior – previ-
são que já tinha sido feita por
executivos do setor.
Em janeiro, a expectativa da
Anfavea era de crescimento de
9,4% nas vendas deste ano, para
3 milhões de unidades. “Vamos
vender quase 1,4 milhão de veí-
culos a menos do que planeja-
mos e voltaremos ao ano de
2004”, afirma Moraes. Para pro-
dução e exportações ainda não
foi possível fazer estimativas.


De janeiro a maio foram ven-
didos 676 mil veículos, volume
37,7% inferior ao do mesmo pe-
ríodo do ano passado. Fábricas
e revendas ainda têm 200 mil
carros em estoque, suficientes
para três meses de vendas.
Moraes informa que a indús-
tria busca canais para tentar me-
lhorar as vendas, como ir atrás
de 300 mil consorciados que já
foram contemplados mas não
retiraram os bens e formas mais
atrativas de financiamento, co-
mo o leasing.
Com a ociosidade das fábri-

cas, que têm capacidade instala-
da para produzir cerca de 5 mi-
lhões de veículos ao ano, Moraes
não descarta demissões. Hoje a
maioria das montadoras têm
acordos de manutenção de va-
gas com base na MP 936 (que es-
tabelece redução de jornada e sa-
lários) até julho e, em alguns ca-
sos, até dezembro. A partir daí,
segundo o executivo, vai depen-
der da demanda do mercado.
As montadoras de veículos e
máquinas agrícolas empregam
atualmente 125,1 mil trabalha-
dores, 600 a menos que em mar-

ço, quando começou a pande-
mia. Em um ano, porém, ocorre-
ram 4,9 mil demissões.

Tensão adicional. Outro dado
que afeta a capacidade produti-
va é o das exportações. Foram
enviados para fora do País ape-
nas 3,9 mil veículos, o menor vo-
lume para meses de maio em
mais de quatro décadas.
No ano foram exportadas
100,1 mil unidades, queda de
44,9% ante 2019. O setor já pre-
via redução nas vendas exter-
nas antes da pandemia do coro-

navírus, mas não nessa magnitu-
de. Para complicar, a Argentina,
principal mercado brasileiro e
que passa por crise econômica
desde o ano passado, voltou a
dificultar a entrada de produtos
no País em razão da falta de re-
servas cambiais.
Segundo fontes do setor, há
pelo menos 10 mil carros para-
dos nos portos do país, a maio-
ria exportada por fabricantes
brasileiras. Moraes afirma que
empresas e governos dos dois
países estão tentando resolver
essa “tensão adicional”.

ENTREVISTA


Fernando Scheller


O secretário-geral da Organiza-
ção Mundial do Turismo
(OMT), Zurab Pololikashvili,
acredita que há grandes chan-
ces para o desenvolvimento de
novas tecnologias para fomen-
tar o setor de turismo na estei-
ra das mudanças de procedi-
mentos exigidas após a pande-
mia de coronavírus. À medida
que o setor se reerguer, ele
acredita que haverá necessida-
de de inovações. Entre as mu-
danças que diz ser possíveis,
em um futuro próximo, é a en-
trega das bagagens a passagei-
ros diretamente nos hotéis –
evitando, assim, a aglomera-
ção nas esteiras de terminais.
Pololikashvili viria ao Brasil


pela primeira vez, no início de
abril, mas a visita foi adiada pe-
la crise do covid-19. Na sema-
na passada, o secretário-geral
da OMT participou de um de-
bate online com o secretário
de Turismo de São Paulo, Vini-
cius Lummertz, sobre o uso de
tecnologia no setor. O evento
foi promovido pela secretaria
e pela FIA Business School.
“Novas startups vão se dedicar
ao turismo, terão mais apoio fi-
nanceiro para mudar práti-
cas”, disse. “Acredito que, em
alguns anos, teremos um setor
muito melhor.”
Leia, a seguir, os principais
trechos da entrevista:

lParte do setor de turismo criti-
ca o fato de não haver protocolos
claros para a retomada das ativi-
dades. O que o sr. acha do traba-
lho feito até agora?
Tivemos um momento de cho-
que, em que não sabíamos o
que fazer. Semana a semana
nós estamos evoluindo. Os nú-
meros de casos de covid-19 es-
tão crescendo em diferentes re-
giões. Em um primeiro mo-
mento, a situação era muito in-
certa (para se fazer um protoco-
lo). Então, logo de início, era
necessário garantir apoio às
companhias para que elas ti-
vessem liquidez para enfrentar
a crise. E isso deu certo.

lMas qual a recomendação pa-
ra a retomada, que começa a
acontecer em todo o mundo?
A nossa recomendação é no
sentido de coordenação, para
que se criem regras e padrões
harmonizados. A partir de ago-
ra, o setor de turismo vai ter
de se comportar de forma dife-
rente, um novo protocolo vai
ter de ser estabelecido para ho-
téis, por exemplo. Não é fácil
se criar esse padrão. A OMT
criou um guia com recomenda-
ções sanitárias para hotéis, mu-
seus, aeroportos e assim por
diante. E o novo turista vai se
comportar de forma diferente.
Não será uma questão de cur-
to prazo, de 3 ou 6 meses. Acre-

dito que, com a inevitável mu-
dança, venham também novas
tecnologias, novos produtos
para o setor de turismo.

lQue tipo de mudança o sr. vê
acontecendo?
Como aconteceu depois do
atentado de 11 de Setembro, te-
remos normas mais restritivas


  • mas dessa vez não estamos
    falando de uma ameaça à segu-
    rança, mas sim de um risco à
    saúde das pessoas. E as evolu-
    ções já começaram a aconte-
    cer. Hoje, já se consegue fazer
    a checagem de temperatura de


uma pessoa em dois segundos.
Agora já se fala de aeroportos
entregando as bagagens das
pessoas diretamente nos ho-
téis. Novas startups vão se de-
dicar ao turismo, terão mais
apoio financeiro para mudar
práticas. Vai ser necessário re-
duzir as filas na imigração.
Acredito que, em alguns anos,
teremos um setor muito me-
lhor. É o que todo mundo quer
fazer depois da pandemia: via-
jar. Isso é, depois de ir cortar o
cabelo.

lO sr. já viu algum tipo de avan-

ço? Como está a situação do Bra-
sil, em sua opinião?
Em fevereiro, ninguém pode-
ria imaginar que a pandemia
se transferiria da China para a
Europa. Agora, estamos olhan-
do para as Américas, onde o
Brasil é um dos países mais afe-
tados. Estamos trabalhando
em conjunto com o País para
estabelecer diretrizes, da mes-
ma maneira que fizemos na Eu-
ropa. O Brasil é um destino tu-
rístico importante, tanto para
negócios quanto para lazer, e
vai continuar assim. E o vírus
virá e irá embora, apesar de
agora tudo ser tão difícil. Acho
que precisamos de mais uns
dois ou três meses para enten-
der, em todo o mundo, qual
vai ser o futuro do setor aéreo.

lA retomada deve começar por
voos domésticos?
Aos poucos, tudo vai voltar ao
normal, e vai começar pelos
voos domésticos. Mas os voos
internacionais também vão re-
tornar. É importante que retor-
nem, pois o setor gera milhões
de empregos no mundo.

lComo tem sido a interlocução
com o governo brasileiro?
O governo brasileiro tem se co-
municado conosco e se mostra-
do bastante preocupado em
ajudar, em especial, pequenas
e médias empresas do setor.

lDe volta a 2004

Indústria deve deixar de vender mais


de 1,3 milhão de veículos neste ano


lProcedimentos

Para secretário-geral


da organização, será


necessário incentivar


startups para modificar


procedimentos atuais


WASHINGTON ALVES/REUTERS-20/5/2020

Com base nas estimativas de retração da economia brasileira, a Anfavea, associação do setor, reduziu a projeção de vendas para 2020 de


3 milhões de unidades para 1,67 milhão; montadoras produziram em maio 43,1 mil veículos, 84,4% menos do que no mesmo mês de 201 9


40%
deve ser a queda neste ano nas
vendas de veículos na compara-
ção com 2019. Com isso, setor
volta ao patamar de 2004

125,1 mil
é o total de trabalhadores nas
montadoras, 600 a menos
que em março, quando começou
a pandemia

De volta. Ao longo deste mês, oito marcas vão retomar operações, completando assim a reabertura de todas as montadoras, a maioria com um turno

“Como aconteceu depois do
atentado de 11 de Setembro,
teremos normais mais
restritivas – mas dessa vez
não estamos falando de
uma ameaça à segurança,
mas sim de risco à saúde.”

OMT

Crise. Covid-19 cancelou vinda de Pololikashvili ao Brasil

‘Pandemia vai


incentivar inovação


no setor de turismo’


Zurab Pololikashvili, secretário-geral da Organização Mundial do Turismo (OMT)

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