O Estado de São Paulo (2020-06-07)

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A12 DOMINGO, 7 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


10
ABR

9
MAI

21
MAI


JUN


JUN

28
MAR

17
MAR

EVOLUÇÃO

FONTES: MINISTÉRIO DA SAÚDE E UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS INFOGRÁFICO/ESTADÃO

0

5.

10.

15.

20.

25.

30.

35.

40.

Total de óbitos

20.

31.

10.

1 114 1.

83,

60,
58,
55,

45,
43,

34,
34,

33,
22,
20,

20,
18,

16,
16,

14,
10,
10,

10,
10,

7,
3,

2,
1,
0,

0,
0,

0,
0,

0,

Bélgica
Reino Unido
Espanha

Itália
Suécia

França
Países Baixos

Irlanda
Estados Unidos
Suíça

Canadá
Equador

Luxemburgo
Brasil

Peru
Portugal
Alemanha

México
Mônaco

Dinamarca
Chile

Bolívia
Colômbia
Argentina

Japão
Uruguai

Coreia do Sul
China

Venezuela
Paraguai

Ranking mundial de mortes a cada 100 mil habitantes

35.

Bélgica tem a maior taxa de mortalidade por covid-19 no mundo;
Brasil figura na 14ª. posição, com 16,

País levou 82 dias após primeiro óbito para chegar a esse patamar;
governo diz que vai recontar mortes

BRASÍLIA


O presidente do Conselho Na-
cional de Secretários de Saúde
(Conass), Alberto Beltrame,
afirmou que há uma tentativa
“autoritária, insensível, desu-
mana e antiética” de dar invisi-
bilidade aos mortos. Ele repu-


diou com “veemência e indigna-
ção” o que chamou de “levianas
afirmações” do secretário Car-
los Wizard sobre fraudes. “(Es-
quecer mortos) não prosperará.
Nós e a sociedade brasileira não
os esqueceremos e tampouco a
tragédia que se abate sobre a na-
ção”, completou.

Beltrame rebateu Wizard e
disse que os secretários não são
“mercadores da morte”. “Ao
afirmar que secretários de Saú-
de falseiam dados em busca de
mais ‘orçamento’, o secretário,
além de revelar profunda igno-
rância sobre o tema, insulta a
memória de todas aquelas víti-
mas indefesas desta pandemia
e suas famílias”, afirmou. “Wi-
zard menospreza a inteligência
de todos os brasileiros, que
num momento de tanto sofri-
mento e dor veem seus entes

queridos mortos tratados co-
mo “mercadoria”. Sua declara-
ção grosseira, falaciosa, despro-
vida de qualquer senso ético, de
humanidade e de respeito, me-
rece nosso profundo desprezo,
repúdio e asco”, afirmou.

Outras entidades. A possibili-
dade de recontagem dos núme-
ros pelo governo Bolsonaro
também provocou reações de
outras entidades de fora da área
da Saúde. O presidente da Or-
dem dos Advogados do Brasil,

Felipe Santa Cruz, disse em sua
conta no Twitter que “Ministé-
rio da Saúde não adverte mais”.
“Acéfalo e militarizado, presta-
se ao papel de empoeirar e retar-
dar informações sérias sobre a
pandemia, apenas para satisfa-
zer o apetite conspiratório do
presidente e sua batalha pes-
soal contra a imprensa livre.
Um perigoso e letal vexame.”
Estado com o maior número
de casos confirmados e óbitos
do País, São Paulo diz que “man-
terá os critérios para contabili-

zação de casos e óbitos. “As di-
vulgações levam em conta o nú-
mero de casos e óbitos confir-
mados laboratorialmente por
serviços devidamente aptos a fa-
zer diagnósticos”, disse a ges-
tão João Doria (PSDB). Já o Con-
selho de Secretários Munici-
pais de Saúde de São Paulo pu-
blicou uma nota de “repúdio”
às declarações de Wizard. “A fa-
la do representante do ministé-
rio demonstra ignorância e des-
conhecimento da complexida-
de do SUS. / A. B. e L. R.

Lorenna Rodrigues
André Borges / BRASÍLIA
Felipe Resk
Gonçalo Junior


O Ministério da Saúde quer
recontar as mortes por co-
vid-19, alegando óbitos a
mais por outras doenças. Na
avaliação da cúpula da pasta,
Estados e municípios esta-
riam manipulando informa-
ções para se beneficiar de re-
cursos federais. Já cientistas
brasileiros afirmam o opos-
to: o número de vítimas é mui-
to maior e essa mudança de
discurso, aliada à alteração
na metodologia de divulga-
ção e na omissão de dados, se-
ria manobra para se criar a fal-
sa sensação de que a doença
já estaria sob controle.
Ontem, pelo quarto dia segui-
do, o governo deixou de publi-
car dados por volta das 19 horas.
O boletim só saiu às 22 horas:
mais 904 óbitos e mais 27.
contaminações – os números
gerais, de 35.930 óbitos e
672.846 infecções – deixaram
de ser apresentados. Ainda nes-
te sábado, o mais prestigiado
ranking científico sobre a co-
vid-19, da Universidade Johns
Hopkins, nos EUA, deixou de
apresentar dados sobre Brasil,
após a mudança feita pelo gover-
no. Mas depois voltou a compi-
lar os dados do País.
A polêmica sobre a qualidade
dos dados foi levantada ontem
pelo futuro secretário da Ciên-
cia, Tecnologia e Insumos Estra-
tégicos do Ministério da Saúde,
Carlos Wizard, em entrevista a
Bela Megale, de O Globo, em que
apontava que o órgão vai recon-
tar óbitos no Brasil porque os
dados atuais seriam “fantasio-
sos ou manipulados” e as esta-
tísticas deveriam ser reduzidas.
Indagado pelo Estadão, dis-
se que o governo Bolsonaro não
pretende “desenterrar mor-
tos”. “O que pretendemos é re-
ver os critérios dessas mortes”,
comentou. Segundo ele, uma
“equipe de inteligência militar”
identificou sinais de fraude em
dados prestados por Estados e
municípios, mas evitou dizer
quais e quantos. “Estão inflacio-
nando os dados da doença.”
Wizard disse que a pasta leva-
rá o assunto “à esfera competen-
te”, sem detalhar. “Temos uma
equipe de militares trabalhan-
do nisso, sob o comando do ge-
neral Pazuello.” Na avaliação
do futuro secretário, o governo
“tem enfrentado quatro guer-
ras, a da covid, a da economia,
da informação e a da política.”
Procurados pelo Estadão, vi-
rologistas e epidemiologistas
consideram quadro oposto.
Nas contas de Domingos Alves,
da USP em Ribeirão Preto, o nú-
mero de mortes no Brasil seria
40% maior. “Sem ser alarmis-
ta”, diz o integrante da equipe
Covid-19 Brasil. Levantamento
da UFPel em 90 municípios, di-


vulgado semana passada, apon-
ta que só um em sete casos vai
para estatísticas oficiais.
Alves explica que a subnotifi-
cação ocorre pelo atraso na con-
tabilização dos óbitos, que po-
de levar uma semana. Outro
problema é o excesso de mortes
de síndrome respiratória aguda
grave (SRAG). No ano passado,
de 6 de março a 6 de junho, fo-
ram 359 mortes; em 2020,
7.676. Ou seja, grande parte dos
casos pode ser de covid-19.
Pesquisador da Unicamp,
Marcelo Mendes Brandão des-
taca outros aspectos. “Há pes-
soas que são infectadas, mas
não vão ao médico. Outro pro-
blema são os casos de dados pa-
rados, esperando comunica-
ção. Isso acontece porque falta
o resultado do exame ou o hos-
pital nem tem internet.” Bran-
dão levanta dúvidas até sobre
recontagem. “Não existe um
banco de dados formal no Bra-
sil: fora do DataSus, não há na-
da? Quais serão as métricas?”
Outra questão é a alteração
na veiculação de dados pelo mi-
nistério. Na semana passada, o
boletim passou das 19h para
22h. “Dizer que acabou matéria
no Jornal Nacional (como afir-
mou Bolsonaro), não justifica”,
afirma. “Transparência de da-
dos é importante para estabele-
cer políticas públicas.”
Depois de retirar do ar por

um dia o site que mantinha so-
bre a covid-19, o ministério atua-
lizou a página só com informa-
ções básicas de recuperados, ca-
sos e óbitos em 24 horas. Os ar-
quivos digitais que traziam deta-
lhes de todo o histórico no País
também foram apagados e não
há informações a respeito.
A partir da mudança, Bran-
dão vê risco de distorções entre
o número total de casos infor-
mado no País e o índice de casos
ativos – ou seja, o número de
pessoas infectadas no momen-
to. “O governo diz: ‘Olha, há
muito mais casos sendo falados
pelos secretários do que casos
novos’. Isso pode servir para
criar uma narrativa de que está
tudo bem.” Eduardo Flores, vi-
rologista da UFSM, vê intenção
de denegar a gravidade da doen-
ça. “Rever critérios das mortes,
postergar a divulgação de resul-
tados e diminuir a transparên-
cia nos números fazem parte de
uma atitude negacionista.”

Internações e testes. Domin-
gos Alves observa que o núme-
ro de casos está baseado nas in-
ternações hospitalares. De acor-
do com ele, existe um consenso
internacional na área de saúde
que aponta esse número como
apenas 15% do total de infecta-
dos pelo vírus. Existiria, portan-
to, um contingente de 85% que
não estaria sendo observado –

outra distorção. No dia 5 de ju-
nho, o Brasil registrou oficial-
mente 654.771 casos. As pesqui-
sas dos cientistas da rede Co-
vid-19 Brasil indicam que, na
realidade, teria 5.670.650.
É nesse ponto que o virologis-
ta Rômulo Neris, mestre em mi-
crobiologia pela UFRJ, cobra a
realização de testes. “Aqui, ge-
ralmente só são testados casos
graves/hospitalizados.” Para
ele, sem uma testagem ampla
não há como dimensionar a pan-
demia. O Brasil tem taxa de tes-
tagem de 29 a 13 vezes menor do
que a da Alemanha, Itália, Esta-
dos Unidos e Coreia do Sul.
O biólogo Fernando Reinach,
colunista do Estadão, vai além.
“Se o governo quer usar esse ti-
po de método para diminuir o
número de mortos é mais fácil
proibir totalmente os testes no
Brasil. Aí, o número de mortes
confirmadas baixa a zero. To-
dos terão morrido de gripe ou
insuficiência respiratória”, criti-
ca o especialista.
Diretor do Laboratório de
Imunopatologia Keizo Asami
(Lika), da UFPE, José Luiz de
Lima Filho concorda que a mu-
dança pode transmitir falsa sen-
sação de controle. “Pode incen-
tivar as pessoas a saírem de casa
e retomar as atividades, o que
não seria correto.” Para Lima Fi-
lho, não há critério técnico para
reduzir a divulgação aos dados

das últimas 24 horas, como vem
defendendo o governo. “Vão ex-
cluir exames que demoraram al-
guns dias para sair. Na prática,
cidades com falta de teste não

vão mais ter mortes por covid-
19 pelas contas oficiais.” O pró-
prio ministério apontava até a
semana passada mais de 4 mil
mortes em investigação.

Futuro secretário sugere rever critérios e diz que os militares detectaram fraudes em balanços estaduais, sem dar detalhes; já os


especialistas afirmam que os registros são pelo menos 40% menores do que a realidade. Ministério ainda muda sistema e omite dados


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lA projeção do avanço do coro-
navírus no Brasil feita pela Uni-
versidade de Washington foi atua-
lizada pela segunda vez ontem, e

prevê 165,9 mil mortes pela co-
vid-19 no País até 4 de agosto. A
primeira estimativa, feita em 12
de maio, projetava 88 mil mortes.
O Brasil é o terceiro país no
mundo com o maior número ab-
soluto de mortes: são mais de 34
mil. Mas, se analisada a quantida-
de de mortes a cada 100 mil habi-
tantes, o Brasil figura na 14ª posi-

ção (veja ao lado). “Parece que
esse pessoal gosta de dizer que
o Brasil é recordista em mortes
(pelo novo coronavírus). Falta,
inclusive, seriedade. Mortes por
milhões de habitantes nem se
faz”, reclamou Jair Bolsonaro
anteontem, desconsiderando os
casos de subnotificação. /
BEATRIZ BULLA e ÉRICA MOTODA

TIAGO CALDAS/FOTOARENA - 5/6/

Sepultamento na BA. Com atraso em notificação, há risco de alguns casos ‘sumirem’

Há ‘tentativa autoritária’ de


dar invisibilidade a mortos


Ex-ministro Mandetta diz que ao omitir informações governo se mostra pior do que a doença. Pág. A13 }


Projeção americana


prevê 165,9 mil


óbitos até agosto


Governo fala em números ‘inflados’ de


covid; para cientistas, há subnotificação


Metrópole

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