O Estado de São Paulo (2020-06-07)

(Antfer) #1

Giovanna Wolf


T


erminar a faculdade e co-
meçar a vida profissio-
nal é geralmente um mo-
mento marcado por incertezas
e ansiedades. Mas para os uni-
versitários que estão se forman-
do em 2020, em meio a uma pan-
demia, essa fase está ainda mais
difícil: além de não terem a ceri-
mônia dos sonhos, com becas,
canudos e a família reunida,
eles terão pela frente um merca-
do de trabalho desanimador.
A estudante de Direito Anna
Valéria Licarião, que termina o
curso na FMU neste mês, tem
ficado bastante apreensiva com
a situação. “O choro tem sido
comum. Começar a carreira
sem saber o que fazer, e na incer-
teza se vai dar certo ou não, é
desesperador”, diz ela, que tem
23 anos e está nas suas últimas
semanas de estágio em um escri-
tório de advocacia, sem saber
ainda se será efetivada. Depois
que começou a pandemia, Anna
se mudou temporariamente de
São Paulo para a casa dos pais
em Lorena, no interior do Esta-
do. “Muita gente que está se for-
mando agora está passando por
esse medo.”
No caso de Vinicius Martins,
que acabou de se formar em En-
genharia Civil na Universida-
de Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) em uma cerimônia on-
line, o período de formatura te-
ve uma quebra de expectativa:
depois de ter sido contratado
em fevereiro na área de logísti-
ca de uma grande varejista, e
ter saído da faculdade da me-
lhor forma possível (com um
emprego), ele foi demitido em
maio em decorrência da crise
gerada pela pandemia.
“Foi muito frustrante. Estava
animado que tinha consegui-
do”, afirma o jovem de 25 anos,
que mora em uma comunidade
no Rio e trabalhou como Uber
durante a faculdade para ajudar
na renda em casa. “Estou pen-
sando também em trabalhos au-
tônomos. Por enquanto, reduzi
ao máximo os custos”, conta.
Nas últimas semanas, a página
inicial do navegador de Vinicius
virou um site de busca por va-
gas de emprego.
Renan Pieri, professor de Eco-
nomia da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), explica que essa
nova geração de jovens que está
se formando agora encontrará
um mundo com menos vagas
de trabalho. “O mercado de tra-
balho para o jovem é sempre
mais difícil, porque os emprega-
dores buscam contratar profis-
sionais com mais experiência.
Em crises, a tendência inicial é
o jovem perder o emprego, uma
vez que as empresas preferem
manter os trabalhadores expe-
rientes, que são mais caros para
demitir e têm um conhecimen-
to necessário para a empresa
continuar produzindo”, diz.
Ele explica que nesse período
de pandemia as contratações
também foram fortemente afe-
tadas, o que é um problema ex-
tra para os jovens que estão ten-
tando entrar no mercado: de
acordo com dados do Cadastro
Geral de Empregados e Desem-
pregados (Caged), as admis-


sões em empregos formais dimi-
nuíram 56% em abril de 2020,
em comparação com o mesmo
mês do ano passado.

Perspectiva. Para Rodrigo
Vianna, CEO da Mappit, empre-
sa do Talenses Group especiali-
zada em recrutamento para iní-
cio de carreira, esse cenário vai
exigir que os recém-formados
se abram para diferentes opor-
tunidades. “Talvez não seja o
momento de conseguir o em-
prego dos sonhos. Mas os jo-
vens não devem perder a con-
fiança, e precisam entender que

o problema não é com eles, mas
algo muito maior”, diz.
A estudante de Direito Anna
está tentando manter o pensa-
mento nesse sentido. “Mesmo
que eu esteja bastante ansiosa,
sei que essa situação não depen-
de só de mim. Por isso tento
manter o otimismo de que a gen-
te vai sair desse cenário e de que
vai dar tudo certo.”
Na visão da psicóloga Caioá
Lemos, especialista em orienta-
ção profissional, esses jovens,
apelidados de geração Z (nasci-
dos entre 1995 e 2010), também
vão precisar exercitar a resiliên-

cia. “Eles são nativos digitais e
se acostumaram a ter tudo pron-
to na mão: pedem comida pelo
celular e ela chega em meia hora.
Eles têm essa dificuldade para
esperar e isso será um desafio.”
No caso especificamente dos
formandos que estão desempre-
gados, Miguel Perosa, profes-
sor de Psicologia da PUC-SP,
aponta que é importante não
perder de vista o futuro profis-
sional. “Esses jovens precisam
se enxergar como futuros pro-
fissionais e pensar o que eles po-
dem fazer hoje para incremen-
tar a carreira, como cursos, por

exemplo.” É este caminho que o
carioca Vinicius, demitido du-
rante a pandemia, está tentan-
do: ele começou a fazer cursos
online gratuitos na área de pro-
gramação e participa de proje-
tos voluntários pela internet.

Fechando ciclos. Outra ques-
tão aflitiva para esses jovens é a
transição abrupta da faculdade
para o mundo profissional. A es-
tudante de Jornalismo Gabriela
Silva Leite, de 22 anos, que se
forma no final de 2020, conta
que a pandemia transformou o
seu último ano de faculdade.
“Mesmo que eu esteja fazen-
do aulas online e o trabalho de
conclusão de
curso, como
tudo é remo-
to, dá a sensa-
ção de que
não estou fa-
zendo faculda-
de e de que fi-
cou um bura-
co nessa conclusão. Acabo sen-
tindo insegurança e fico me
questionando se eu me formei
de verdade ou não – e se estou
de fato preparada para o merca-
do de trabalho”, diz.
Enquanto isso, as cerimônias
presenciais também foram obri-
gadas a mudar: algumas cola-
ções de grau estão acontecendo
online, enquanto bailes estão
sendo adiados para não se sabe
quando. Para Miguel Perosa, da
PUC-SP, isso é uma perda para
os jovens. “Em todo ritual você
sai diferente da forma que en-
trou. Quando um jovem se for-
ma na faculdade, ele entra aluno

e sai profissional. Acabamos per-
dendo essa passagem bonita.”

No Minecraft. Sem a possibili-
dade de fazer a formatura onli-
ne, alunos da Universidade Fe-
deral de Mato Grosso (UFMT)
deram um jeito de a data não
passar em branco: eles fizeram
uma colação de grau online
dentro do jogo Minecraft, on-
de é possível criar ambientes
virtuais – mais de 70 alunos par-
ticiparam, e os professores
também aderiram à ideia.
Caio Eduardo Meirelles, um
dos formandos de Ciência da
Computação, conta que a expe-
riência não foi a mesma de uma
cerimônia pre-
sencial, mas
acabou sendo
emocionante.
“Fico triste de
não ter me
despedido
dos amigos di-
reito, mas is-
so vamos resolver um dia, quan-
do tudo se acalmar. No Mine-
craft foi um fim diferente, mas
foi um fim”, diz. Esse é justa-
mente um ponto forte desses
jovens, afirma a psicóloga
Caioá Lemos: “A juventude
tem muita flexibilidade e em
situações de crise os jovens cos-
tumam pensar fora da caixa e
se adaptar melhor do que os
mais velhos”.

NA


QUARENTENA


‘ESSA GERAÇÃO TEM
DIFICULDADE PARA
ESPERAR E ISSO SERÁ UM
DESAFIO’, DIZ PSICÓLOGA

A VEZ DA TURMA


DE 2020


Jovens falam do


desafio de entrar


no mercado em


uma pandemia


Irmãs. Luiza, no 1º ano, e Gabriela Leite, que se forma em 2020: dificuldades do momento

Relatos de quem está no 1º ano
da faculdade ou de olho no Enem

Dia dos Namorados


Presentes para curtir a dois PÁG. H12


LUIZ CARLOS LEITE / ACERVO PESSOAL

ILUSTRAÇÃO: MARCOS MÜLLER

PÁGS. H8 e H9

%HermesFileInfo:H-1:20200607:H1 DOMINGO, 7 DE JUNHO DE 2020 (^) O ESTADO DE S. PAULO

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