O Estado de São Paulo (2020-06-08)

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A10 Metrópole SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Reprovação e


notas são polêmica


durante pandemia


Escolas discutem como avaliar os alunos em educação a distância;


estudo do MIT mostra que nos EUA não houve repetência


ENTREVISTA


Renata Cafardo


Depois de mais de dois meses
de aulas a distância e com o
fim do semestre chegando, es-
colas passam a se preocupar
com a possibilidade de se ava-
liar ou não os alunos durante
a pandemia. Estudo feito pe-
lo Massachusetts Institute of
Technology (MIT) mostra
que em todos os 50 Estados
americanos houve flexibiliza-
ção de exames e aprovações
durante a quarentena. No Bra-
sil, as redes públicas, em ge-
ral, deixaram de dar notas e já
se discute até um ano sem re-
provações. Muitas escolas
particulares, no entanto, pas-
saram a aplicar provas online
e até a avaliar por meio de pro-
jetos sobre a quarentena.
“Não tem ninguém te contro-
lando, você está com a própria
ética e moral”, conta Bernardo
Savaya Lima, de 17 anos, sobre
sua experiência em fazer provas
pela internet, de casa, durante a
pandemia. “É bem difícil se con-
trolar, porque é só abrir uma aba
no Google ou perguntar para al-
guém em casa. Mas a gente está
no 3.º ano, vai fazer vestibular,
não posso me enganar”, diz ele,


que é aluno do Colégio Porto Se-
guro, onde agora as avaliações re-
motas se tornaram frequentes.
“É responsabilidade da esco-
la ter estratégias para diferen-
ciar a aprendizagem nesse mo-
mento”, diz a educadora e mes-
tre pelo Teachers College da
Universidade de Columbia, Le-
ticia Lyle. Este ano, ela abriu a
Camino School, uma escola tri-
língue na Barra Funda, que já te-
ve mais aulas online do que pre-
senciais por causa da pandemia.
“A criança que está em casa po-
de estar aprendendo outras coi-
sas que não têm na escola.” Para
avaliar os alunos, os professo-
res pediram que eles elaboras-
sem projetos sobre como tem
sido o período de quarentena,
houve quem enviasse vídeos, de-
senhos e até um trabalho sobre
Minecraft, o jogo de videogame.
Estudo feito pelo Teaching
Systems Lab, do MIT, analisan-
do escolas americanas em to-
dos os Estados durante a pande-
mia mostrou um consenso: fa-
zer ajustes para ajudar os alu-
nos do último ano a se formar. A
pesquisa, trazida ao Brasil pela
Fundação Lemann, também de-
monstrou preocupação com
questões de equidade, já que os

alunos que mais reprovam são
de bairros pobres. “Não faz sen-
tido, de forma nenhuma, penali-
zar os estudantes que estejam
em condições desfavoráveis de
aprendizagem por causa do seu
contexto social e familiar. É pre-
ciso atenção às necessidades de
cada estudante”, diz o diretor
de políticas educacionais da Le-
mann, Daniel De Bonis
Estados como Massachusetts
e Delaware, por exemplo, incen-
tivaram as escolas a não dar no-
tas e apenas avaliar os alunos pe-
la participação em atividades.
Em Nova York, os estudantes
que se saíram bem no período

pré-pandemia já podiam rece-
ber os diplomas, já que o corona-
vírus chegou aos EUA faltando
poucos meses para o fim do ano
letivo, que é em junho.
“Não é ano para a escola se
preocupar com nota e, sim, para
acolher, incluir, remotivar os alu-
nos”, diz o especialista em educa-
ção Mozart Neves, titular da cáte-
dra Sérgio Henrique Ferreira, da
Universidade de São Paulo
(USP). Ele se diz totalmente
contrário à reprovação em
2020, principalmente na rede
pública. “Os meninos estão vi-
vendo um momento muito di-
fícil de isolamento social, pais
perderam emprego, parentes
perderam a vida. Quando a esco-
la deveria ser mais solidária, pa-
ra que não abandone de vez os
estudos, vai reprovar?”
Pesquisas internacionais
mostram que a repetência é um
dos principais fatores para eva-
são de jovens. Ele recomenda
que, mesmo as escolas particula-
res, façam apenas avaliações pa-
ra verificar a aprendizagem.
“Mesmo no ambiente mais favo-
recido, há estresse, ansiedade,
desigualdade”, diz Mozart.

Aprovação automática. Redes
públicas de ensino do País ouvi-
das pela reportagem informa-
ram que não estão fazendo pro-
vas ou dando notas aos alunos
neste momento. “Nem todos
poderiam ser avaliados porque
nenhum Estado conseguiu dar
acesso à educação a distância
para 100% dos alunos”, diz o vi-
ce-presidente do Conselho Na-
cional de Secretários de Educa-
ção (Consed) e secretário de
Pernambuco, Fred Amâncio.
“A nota não deve ser a priorida-
de neste momento.”
O consenso aqui, segundo
ele, é que as redes precisam fa-
zer uma grande avaliação diag-
nóstica na volta às aulas para en-
tender o que cada aluno conse-
guiu aprender no período em ca-

sa. “Os Estados Unidos esta-
vam encerrando o ano letivo.
Nós não precisamos definir
questões de aprovação agora,
podemos acompanhar e anali-
sar no fim do ano.”
O temor de alguns secretá-
rios é de que alunos ou professo-
res se esforcem menos na volta
às aulas para recuperar o apren-
dizado se houver uma determi-
nação para não reprovar nin-
guém. Fora isso, há a lembrança
da chamada “aprovação auto-
mática”, como ficou conhecido
o sistema de progressão conti-
nuada que permitia repetência
em apenas algumas séries.
Como ela foi mal implemen-
tada no País, sem preparação
dos professores para uma ava-
liação contínua dos alunos, go-
vernadores e prefeitos foram
acusados de passar as crianças
de ano sem que elas aprendes-
sem. “A discussão sobre repro-
vação tem que ser feita com cal-
ma, há ainda uma lembrança
ruim na população da aprova-
ção automática”, diz a secretá-
ria de Educação de Minas Ge-
rais, Julia Sant’Anna.

Vestibulares. Nos EUA, deze-
nas de instituições, como Har-
vard e Universidade da Califór-
nia, deixaram de exigir este ano
que os vestibulandos fizessem o
SAT e o ACT, exames de admis-
são importantes do país.
No Brasil, só depois de muita
pressão, o Ministério da Educa-
ção (MEC) adiou o Exame Na-
cional do Ensino Médio (E-
nem) para data ainda indefini-
da. O governo já estuda também
fazer a prova em apenas um dia
este ano para diminuir aglome-
rações e torná-la mais simples.
Na semana passada, o vestibu-
lar da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) anunciou
que a prova terá menos ques-
tões e será dividida em dois dias.
Esperam-se também mudanças
no vestibular da Fuvest.

Para especialista, neste


momento o papel da
educação deve ser mais


de acolhimento do que


de passar conteúdos


Justin Reich, pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT)


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Escolas não


são proibidas


de fazer provas


lExpectativa

Para o pesquisador do Massa-
chusetts Institute of Techno-
logy (MIT) Justin Reich, res-
ponsável pelo estudo que
acompanha as escolas america-
nas durante a pandemia da co-
vid-19, o papel da educação
nesse momento deve ser mais
de acolhimento do que de pas-
sar novos conteúdos. “Na vol-
ta às aulas, o ideal seria que as


escolas se concentrassem em
celebrar a resiliência e o apren-
dizado dos alunos durante o
isolamento”, diz.

lQual deve ser o objetivo do en-
sino remoto neste momento?
As escolas são instituições
com diversos objetivos. Prepa-
ram as pessoas para o traba-
lho, para a cidadania, para uma
vida ética, preparam para o fu-
turo, dando conhecimento e
sabedoria. Acho que o mais im-
portante para as comunidades
escolares é identificar esse ob-
jetivo. Pelo que vimos no estu-
do, estou convencido que o
aprendizado remoto pode apoi-

ar a resiliência dos jovens,
mantendo relacionamentos
com colegas e adultos de con-
fiança, a rotina – e os estimu-
lando intelectualmente. Estou
menos preocupado com o pro-
gresso acadêmico durante o fe-
chamento.

lComo as escolas devem lidar
com notas e aprovações?
No contexto americano, onde
o fechamento das escolas ocor-
reu no fim do ano letivo, acho
que era preciso flexibilidade.
Se os fechamentos tivessem
ocorrido no início do ano, mui-
tos Estados poderiam ter pen-
sado sobre as coisas de manei-

ra diferente, oferecendo algu-
ma flexibilidade de curto pra-
zo enquanto tentavam manter
os padrões em um horizonte
de tempo mais longo.

lVocê recomenda o ensino as-
síncrono e síncrono?
A maioria dos meus colegas
que pesquisam educação a dis-
tância recomendou que as es-
colas focassem em abordagens
assíncronas (aquelas em que,
por exemplo, um vídeo com au-
la é gravado e enviado ao alu-
no), considerando todos os de-
safios de agendamento, conec-
tividade à internet etc. Fiquei
um pouco surpreso com o

grande interesse de professo-
res, famílias e imprensa na
aprendizagem síncrona (aulas
online). Há muitas razões pelas
quais ela apresenta desafios lo-
gísticos e de equidade. Mas
também é parecido com o que
as pessoas pensam que a esco-
la deveria ser.

lQual deve ser o foco quando as
crianças voltarem à escola?
Quando começarmos um no-
vo ano escolar? Ou fisicamen-
te de volta às salas de aula? Po-
de levar anos até que os alunos
voltem às aulas no sentido de
retornar às salas de aula típi-
cas. Mas quando as escolas co-

meçarem a usar os prédios no-
vamente, o ideal seria que elas
se concentrassem em celebrar
a resiliência e o aprendizado
dos alunos durante o isolamen-
to, construindo comunidades,
atendendo às necessidades de
saúde e emocional dos alunos,
identificando o que precisa ser
revisto ou retomado.

lO que você acha das universi-
dades que não vão exigir o SAT
este ano?
Parece uma experiência apro-
priada no momento. A preocu-
pação é que as faculdades care-
cem de uma boa ferramenta pa-
ra identificar estudantes acade-
micamente promissores, de
baixa renda, que não têm orien-
tação e recursos para montar
um bom portfólio para subme-
ter às instituições. / R.C.

Ministério Público Federal dá 72 horas para governo esclarecer omissão de dados. Pág. A11 }


Apesar da dificuldade na rede
pública, não há proibição para
que as provas aconteçam no pe-
ríodo de fechamento das esco-
las e educação a distância. O
Conselho Nacional de Educa-
ção (CNE), em parecer homolo-
gado pelo MEC na semana pas-
sada, recomenda cuidado para
não criar desigualdades, mas su-
gere algumas formas de se exa-
minar os alunos. Entre elas, pro-
vas orais e discursivas, a partici-
pação em aulas online e pedi-
dos de pesquisas.
O Colégio Porto Seguro tem
avaliado durante a quarentena
todos os alunos, até os da educa-
ção infantil. Segundo a diretora
geral pedagógica Silmara Rasca-
lha Casadei, as professoras es-
tão fazendo relatórios sobre a
adaptação das crianças de 4 e 5
anos às aulas ao vivo. Para os do
ensino fundamental, são envia-
dos formulários online com
exercícios. Elas também preci-
sam gravar vídeos de 5 minutos
contando o que aprenderam.
“Outras competências acaba-
ram sendo desenvolvidas, co-
mo o uso da tecnologia pelas
crianças e a apresentação oral.”
Outras escolas têm feito mui-
tas adaptações para conseguir
fazer provas. “Não abrimos
mão da avaliação, mas fizemos
ajustes ao cenário, a cada idade.
Quanto menores as crianças,
mais usamos novos recursos”,
diz a diretora pedagógica da Es-
cola da Vila, Fernanda Flores.
Os pequenos dos 1.º e 2.º anos
registraram em áudios o que es-
tão vivendo neste momento.
Os maiores apresentaram mui-
tos seminários e trabalhos em
grupo, em vez de provas.
O parecer do CNE diz que as
“avaliações e exames de conclu-
são do ano letivo de 2020 das
escolas deverão levar em conta
os conteúdos curriculares efeti-
vamente oferecidos aos estu-
dantes, considerando o contex-
to excepcional da pandemia,
com o objetivo de evitar o au-
mento da reprovação e do aban-
dono”. E o calendário poderá in-
vadir o ano de 2021, se houver
necessidade.
O Colégio Bandeirantes, que
tinha segurança rígida durante
a semana de provas, agora
abrandou a vigilância para ava-
liações online. “Não tem como
ter controle sobre cola e consul-
ta com a prova de casa. Então
fazemos questões abertas para
que seja mais fácil de perceber
se colarem algo do Google e fala-
mos sobre a importância da ava-
liação”, explica a diretora peda-
gógica da escola Mayra Ivanoff.
“Deu vontade de olhar a mi-
nha apostila para acertar uma
pergunta que valia meio ponto,
mas mantive a honestidade”,
conta Julia Pedra, de 17 anos, alu-
na do Bandeirantes. Ela diz que
antes de saber que haveria pro-
vas online ficou preocupada por-
que achou que poderia não se
formar por causa do isolamen-
to. “Como vou ter o diploma do
ensino médio se não tiver avalia-
ção”, pensou ela, que está no 3.º
ano. Julia conta que tem estuda-
do até mais do que antes da pan-
demia. “Agora, o aprendizado
depende mais de mim.” / R.C.

WERTHER SANTANA/ESTADÃO

“Não é ano para a escola se
preocupar com nota.”
Mozart Neves
USP

“A discussão sobre
reprovação tem que ser
feita com calma, há ainda
uma lembrança ruim na
população da aprovação
automática.”
Julia Sant’Anna
SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO DE MINAS

Controle. ‘Você está com a própria ética e moral. É bem difícil se controlar, porque é só abrir o Google ou perguntar para alguém’, afirma Bernardo Savaya


‘Na volta às aulas, é preciso celebrar a resiliência do aluno’

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