O Estado de São Paulo (2020-06-08)

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A12 SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


MAURO CEZAR


PEREIRA


Esportes

E


m abril, os quatro principais
clubes do futebol de São Pau-
lo seguiam firmes no propósi-
to de retornarem juntos aos treina-
mentos. Uma elogiada união paulis-
ta, algo raro entre os rivais. Enquan-
to os times dos outros Estados não
retomavam suas atividades, não pa-
recia haver motivos para duvidar de
alguma mudança de postura.
Mas tal cenário se modificou e,
aos poucos, já se observa a possibili-
dade de ruírem os elos que unem
corintianos, palmeirenses, santis-
tas e são-paulinos no Estado.
Os dois gaúchos da primeira divi-
são nacional retornaram aos seus

Centros de Treinamentos há 34 dias,
depois de autorizados pela secretaria
de saúde de Porto Alegre e posterior-
mente pelo governo do Rio Grande do
Sul. Inter e Grêmio treinam faz tempo.
O Flamengo foi, com o Vasco, até o
presidente da República e, na marra,
dobrou prefeito e governador do Rio
de Janeiro. Amanhã completará três se-
manas de atividades em seu CT. Já o
Coritiba fecha, hoje, duas semanas de
retorno, tendo sido seguido pelos de-
mais paranaenses, exceto Londrina e
Rio Branco.
O jornalista Marcel Rizzo informou
em seu blog o UOL que na reunião da
Federação Paulista de Futebol (FPF)

com dirigentes dos clubes da primeira
divisão, semana passada, houve mal es-
tar. Eles fizeram videoconferência e o
fato de o Red Bull Bragantino ter retor-
nado aos treinamentos deixou na bron-
ca cartolas de outros clubes do Paulis-
tão. O time da multinacional austríaca
obteve autorização da prefeitura de
Bragança Paulista, enquanto os sedia-
dos na capital, por exemplo, seguem
impedidos de treinar.

Corinthians, Palmeiras, Santos e
São Paulo continuam juntos na toma-
da de posição inicial, ou seja, um treina
quando os demais treinarem. Mas a as-
fixia financeira ameaça essa coaliza-
ção. Corintianos e são-paulinos apre-
sentaram déficits significativos nos de-
monstrativos financeiros do ano passa-
do, publicados durante a pandemia do
novo coronavírus e apenas os palmei-

renses demonstram solidez econômi-
ca para seguir em frente sem tanto aba-
lo em sua estrutura.
“Os clubes terão dificuldades em
honrar compromissos. Veja o Santos,
que ‘reduziu’ salários em 70%, possi-
velmente porque não consegue pagar
mais que isso. Os clubes entrarão num
processo que pode desembocar em
inúmeras discussões trabalhistas com
atletas”, analisa César Grafietti, espe-
cialista em análise financeira das agre-
miações brasileiras.
O cenário é de insegurança com qua-
se três meses sem futebol e com as re-
ceitas de TV suspensas por falta de par-
tidas para transmitir.
No caso santista, os termos do acor-
do com o sindicato dos funcionários
administrativos foi aplicado para o
elenco de futebol profissional. Pelo se-
gundo mês seguido, só se paga 30% da
diferença entre R$ 6 mil e o total do
salário. Ou seja, se alguém ganha R$ 10
mil mensais, de R$ 4 mil desse total só
cai na conta R$ 1,2 mil, um total de R$
7,2 mil. Do valor descontado, metade

será devolvido numa futura resci-
são. Como ainda não entraram em
acordo com os atletas, a mesma re-
gra foi adotada.
Fora o aspecto financeiro, existe
um outro sério problema, a atrofia
técnica e física dos jogadores, há me-
ses sem treinamentos adequados,
apenas fazendo atividades específi-
cas em suas casas. Enquanto isso, o
Flamengo, atual campeão brasileiro
e da Libertadores, e a dupla Gre-Nal
treinam, assim como o Atlético-MG
do argentino Jorge Sampaoli, há 20
dias trabalhando na Cidade do Galo,
em Vespasiano (MG).
Digamos que o Campeonato Brasi-
leiro 2020 comece em agosto ape-
nas, qual será o tamanho da desvan-
tagem para o “trio de ferro” da capi-
tal paulista e o Santos em relação a
esses adversários? Os movimentos
feitos por outros clubes e a falta de
perspectiva para a queda do número
de casos do novo coronavírus no
País são as ameaças a essa união pau-
lista no futebol.

Ricardo Magatti
ESPECIAL PARA O ESTADO


Nos últimos dois meses, o la-
teral Carlos Antônio teve de
deixar de lado a bola e se unir
à mulher na venda de roupas
femininas infantis. Sem fute-
bol, o jogador, de 22 anos, te-
ve seu contrato rompido com
o Mamoré, assim que a dispu-
ta do Módulo II do Campeo-
nato Mineiro foi suspensa, e
se viu obrigado a correr atrás
de nova fonte de renda sem a
perspectiva da volta de jogos.
Carlos Antônio faz parte de
um time grande de jogadores de
futebol espalhados pelo Brasil
que, com a suspensão das parti-
das, teve de improvisar para
não deixar faltar nada em casa.
Com os torneios paralisados há
quase três meses, muitos atle-
tas tiveram seus contratos sus-
pensos. De uma hora para ou-
tra, se viram sem nada. Viraram
vendedores, motoristas, entre-
gadores, monitores... Alguns de-
pendem de amigos e parentes.
Outros recebem ajuda de times
da várzea e de entidades.
Flávio Meneses tem mais de
dez anos de carreira e pode ser
classificado como um “operá-
rio da bola”. O lateral nunca fez
contrato longo nem milionário.
Acostumou-se a peregrinar por
clubes nanicos. Sofre recorren-
temente com salários atrasa-
dos, condições precárias e é as-
sombrado pelo desemprego. A
última de suas experiências foi
traumática. Ele estava no Barre-
tos e diz ter recebido apenas um
salário em seis meses. O clube
do interior paulista, por sua
vez, afirma ter efetuado os paga-
mentos corretos até março.
Espelho da sociedade brasi-
leira, o futebol é desigual no
País. De acordo com estudo da
consultoria Ernest Young enco-
mendado pela CBF sobre o im-
pacto da econômico do futebol
nacional, com números de


2018, 55% dos jogadores profis-
sionais recebem até um salário
mínimo e 33% ganham entre R$
1 mil e R$ 5 mil. É o caso de Car-
los Antônio, cujo salário no Ma-
moré era de R$ 2,5 mil. Seu vín-
culo com o time mineiro, até o
fim de maio, foi suspenso.
O abismo social no futebol fi-
ca mais evidente quando é apre-
sentada a parcela dos que têm
altos salários. De acordo com o
relatório, menos de 1% é remu-
nerado com mais de R$ 50 mil.
Em 2018, 13 atletas tiveram ren-
dimentos acima de R$ 500 mil.
Segundo a CBF, 8% dos atletas
têm contrato longo e calendá-
rio para toda a temporada.
Ajuda bem-vinda pode ser o
auxílio emergencial de R$ 600.
Porém, o presidente Jair Bolso-
naro vetou a inclusão do benefí-
cio a jogadores e profissionais
do esporte e aumentou o drama
da categoria. As entidades es-
portivas trabalham junto ao
Congresso para reverter a deci-
são do chefe do Executivo.
Diante da realidade, futebo-
listas estão se virando como po-
dem. Boa parte deles se arrisca
fora de casa, aumentando o ris-
co do contágio da covid-19. O
Estadão relata a história de al-
guns desses atletas pertencen-
tes à base da pirâmide do fute-
bol. Eles tentam driblar a crise e
se desdobram para sobreviver.

Vendedor. Carlos Antônio aju-
da a mulher na venda de roupas
infantis. Tem 22 anos, é lateral e
volante. Passou pelas catego-
rias de base de Corinthians e
Portuguesa. O primeiro time
em que jogou foi o Grêmio Osas-
co. Rodou por algumas cidades.
Atuou em times menores de SC
e RS até chegar ao Mamoré, que
disputa o Módulo II do Mineiro


  • 2ª divisão. “A previsão é de
    que o torneio volte em agosto.
    Mas não sabemos, temos de ter
    um plano B”, disse o jogador.
    Carlos recebeu seu salário de


R$ 2,5 mil até março. O Mamoré
rompeu com todos do elenco.
Ele tem uma filha de 1 ano e um
enteado de 8. “Minha mulher
pegou uma remessa de roupa in-
fantil e estamos vendendo em
casa para ganhar um dinheiro”,
conta. “A gente divulga as rou-
pas pelas redes sociais. Depen-
dendo do lugar, eu até entrego”.
Carlos atuava na várzea. Ga-
nhava até R$ 400 por jogo. Foi
acolhido e tem recebido quan-
tia mensal de times amadores.
O Vila Isabel, de Osasco, contri-
bui com cestas básicas.

Monitor de futebol. A eclosão
da pandemia não foi o que mais

prejudicou Flávio Meneses, de
31 anos. O que lhe afetou foi o
tratamento do Barretos, seu úl-
timo time. Segundo o jogador, o
clube que disputa a A3 do Paulis-
ta pagou apenas o salário de ja-
neiro. “Cheguei em dezembro e
recebi só uma vez. Eles fizeram
sacanagem. Viraram as costas.”
Para piorar, segundo Flávio, o
Barretos não bancou moradia
aos atletas, que foram despeja-
dos. Ele passou, então, a morar
no alojamento no estádio.
Flávio recebeu dinheiro da fa-
mília e regressou a Cubatão, on-
de está com a mulher e a filha de
8 anos. Sem renda e enquanto
não sai a decisão da ação coleti-

va que os atletas movem na Jus-
tiça contra o Barretos, virou mo-
nitor de futebol. “Ganho R$ 20
por aluno. Está me ajudando.”
O Barretos informa que o pla-
nejamento foi do presidente Ro-
berval Moraes, que se afastou.
Chamou o custo do elenco de
“fora da realidade”. Diz ter man-
dado os atletas para hotel e con-
domínio. E que não tem conhe-
cimento da ação na Justiça.

Entregador. Em termos sala-
riais, a vida de Jussan Maia não
mudou com a pausa do futebol.
Ele e o elenco do Grêmio Atléti-
co Sampaio (GAS) aceitaram jo-
gar o Campeonato Roraimense

sem ganhar. “É um projeto de
45 dias. Jogamos de graça com o
objetivo de ser campeão esta-
dual, jogar a Copa do Brasil em
2021 e conseguir calendário.”
Se conquistar o Estadual, o elen-
co ficará com parte da premia-
ção, diz o volante de 30 anos.
Quando o torneio foi paralisa-
do, a equipe de Caracaraí estava
invicta e na liderança. O clube
bancava moradia e alimenta-
ção. Com a suspensão dos jo-
gos, ele retornou para Manaus.
Mora sozinho. Já foi cobrador
de ônibus e motorista. Hoje, é
pago para fazer compras – remé-
dio e alimentos – e entregar a
pessoas do grupo de risco da co-
vid-19. Teve aprovado o auxílio
emergencial de R$ 600 do go-
verno. “O futebol nos dá algu-
mas coisas. Uma hora você está
largado, na outra está bem.”

Sem salário. Allan da Silva jo-
gava no Interporto, de Palmas,
e foi mandado para casa assim
que o Tocantinense parou. Re-
cebia R$ 2 mil e morava no aloja-
mento. Sem salário, o zagueiro
de 27 anos voltou ao Recife e
passou a depender do irmão,
corretor. Allan é um dos milha-
res de atletas do “futebol invisí-
vel” do Brasil que aparecem no
vídeo feito pela Federação Na-
cional dos Atletas Profissionais
de Futebol (Fenapaf) como for-
ma de apelo ao auxílio emergen-
cial aos trabalhadores da bola.

Entregador de pão. Alex Car-
doso, o Dida, manteve o contra-
to. Estava emprestado ao Real
Ariquemes-RO, mas é do Atléti-
co-AC, que não rompeu o víncu-
lo. Mesmo com o salário manti-
do, o goleiro de 32 anos tem ou-
tra atividade. Sua mulher faz
pães, doces e bolos e ele, as en-
tregas em Porto Velho. Tem um
filho de 11 anos. “O que mais me
preocupa é o aluguel da casa de
R$ 500. Tem dia que vendemos
em torno de R$ 100”, revela.

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União paulista resistirá?


]Amanda Nunes entrou no octó-
gono na madrugada de ontem
para conquistar feito inédito. De-
fendeu o cinturão do peso-pena con-

tra a canadense Felicia Spencer e
venceu com autoridade a luta princi-
pal do UFC 250, em Las Vegas, por
decisão unânime: 50-44, 50-44 e 50-


  1. Tornou-se a primeira a defender
    2 títulos ao mesmo tempo (peso-pe-
    na e galo). Tem 11 vitórias seguidas.


Entregador. Jussan ajuda com os remédios

LONDRES

A sexta bateria de testes da co-
vid-19 para jogadores, comis-
sões técnicas e funcionários
dos clubes do Campeonato In-
glês, realizada semana passada,
não registrou qualquer caso po-
sitivo de acordo com a Premier
League, organizadora da com-
petição. A informação foi dada a
pouco mais de uma semana da
retomada do futebol no país.

No site oficial, em comunica-
do, a Premier League explicou
que um total de 1.195 profissio-
nais do futebol foram testados
para o novo coronavírus e que
não existiu qualquer caso positi-
vo até o momento – a última tes-
tagem ocorreu na quinta-feira.
Na bateria anterior de testes,
a quinta executada desde que se
propôs retomar a liga neste
mês, efetuada nos últimos dias
1 e 2, existiu um caso positivo no

Tottenham, comandado pelo
técnico português José Mouri-
nho, embora não tenha sido re-
velado se a pessoa em questão é
um dos jogadores da equipe.
A competição terá sua reto-
mada no próximo dia 17 com
duas partidas adiadas da 28.ª ro-
dada: Manchester City x Arse-
nal, em Manchester, e Aston Vil-
la x Sheffield United, em Bir-
mingham. O Campeonato In-
glês, suspenso desde março de-
vido à pandemia da covid-19, é
liderado pelo Liverpool, muito
próximo de conquistar um títu-
lo que não acontece há 30 anos.
Na Europa, a bola já rola na Ale-
manha e em Portugal.

AMANDA VENCE FELICIA E
MANTÉM CINTURÃO DO UFC

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


JEFF BOTTARI/ZUFFA LLC VIA USA TODAY SPORTS

Futebol. Com contratos vencidos, atletas que passam longe dos salários milionários buscam alternativas de renda durante a pandemia


Se o Nacional começar
em agosto, qual será a
desvantagem dos times de SP?

Nova bateria de testes no


Inglês não tem positivo


FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Sem jogos, eles lutam para driblar a crise


Vendedor. Antônio Carlos, com passagens por Corinthians e Portuguesa, ajuda a mulher

Monitor. Flávio, do Barretos, ensina alunos
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