O Estado de São Paulo (2020-06-08)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-2:20200608:
B2 Economia SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Primeira Pessoa


E-MAIL: [email protected]

D


epois do tropeço, vem o
tombo. Os indicadores do
mercado de trabalho de
abril são tétricos e anunciam uma
crise sem precedentes. O número
de pessoas ocupadas com carteira
assinada caiu 886 mil em relação a
março. Se a comparação for com
dezembro do ano passado, a queda
foi de 1,47 milhão de postos de tra-
balho. Isso é mais que o registrado
em todo o ano de 2015 (-1,08 mi-
lhão) ou 2016 (-1,37 milhão). No
mercado de trabalho informal a si-
tuação é ainda mais grave. O total
de pessoas ocupadas no setor priva-
do sem carteira assinada caiu 897
mil em abril, contra março, e ficou
1,73 milhão menor que o número de
dezembro. Somando os dois gru-
pos, são 3,2 milhões de pessoas que
deixaram de trabalhar nos primei-
ros cinco meses de 2020, 777 mil a
mais que o total acumulado no biê-
nio 2015-2016. É bom lembrar que o
recuo de 2015-2016 foi o maior da
história e desde 1930-1931 o Brasil
não apresentava dois anos segui-
dos de contração da atividade. Pois
agora, em 2020, bastaram quatro
meses para o estrago no mercado
de trabalho ser maior. Ao contrário
do que pensa o ministro da Econo-
mia, o Brasil não foi abatido quan-
do estava decolando (a não ser que
se pense numa asa delta, que deco-
la para baixo). O índice de ativida-
de calculado pelo Banco Central,
medido em sua variação anualiza-
da, vinha caindo desde o ano passa-
do, quando bateu em 1,5% em maio.
Em março último, o crescimento
estava em 0,75% ao ano. A tese pro-
pagandeada de que a aprovação da
reforma da Previdência iria impul-
sionar a economia se mostrou um
fiasco. Se depois do tropeço vem o
tombo, o que virá depois do tombo?
Qual é o plano do governo?
Não há plano. É só mais do mes-
mo. As reformas vão tirar o País da
lama e garantir a volta do emprego
perdido, repete-se. O mercado acio-
nário engole essa ilusão com casca
e tudo e já subiu cerca de 50% desde
o seu ponto mais baixo, em 23 de
março. A falta de atenção com a po-
pulação mais pobre, mais que uma
distorção, está inscrita no bestei-
rol que caracteriza as manifesta-
ções do governo. Ainda recente-

mente, o ministro Paulo Guedes
gravou um vídeo oficial no qual
anunciava o auxílio emergencial pa-
ra os trabalhadores informais.
Mas, espantosamente, no momen-
to de explicar a quem se destinaria
o benefício, não lhe ocorreu me-
lhor ideia do que dizer que o auxílio
era “para a gente simples, que traba-
lha todo dia, para nos alimentar e
para nos distrair”. É difícil de en-
contrar síntese mais elucidativa da
visão preconceituosa e arrogante
que o governo tem dos trabalhado-
res brasileiros que não ganharam
na loteria da vida. Fica evidente, pe-
la colocação dos pronomes, que o
pronunciamento não era dirigido
às pessoas que perderam o traba-
lho. A mensagem era para a elite
que se deixa alimentar e distrair,
enquanto profere lamúrias a respei-
to da modorrenta quarentena a que
se submete. O recado é claro: fi-
quem tranquilos, o governo vai pa-
gar uma mesada para esta “gente
simples”.

Ao tratamento discriminatório
se soma o sectarismo autofágico do
presidente da República, o que co-
brará um alto preço do governo nos
próximos meses. O auxílio emer-
gencial vai acabar antes que a eco-
nomia se recupere. Este hiato vai
reduzir ainda mais o espaço de ma-
nobra para a articulação de um pro-
jeto para o País.
É de uma ingenuidade comoven-
te acreditar que milhões de novos
desempregados terão paciência pa-
ra esperar os dúbios resultados de
reformas tão ambiciosas quanto im-
populares, algumas das quais nem
sequer foram formuladas. A agen-
da fundamentalista liberal do mi-
nistro não tem como responder aos
reclamos imediatos da “gente que
nos distrai”. Ou o governo percebe
os novos ventos ou a transforma-
ção da crise política em crise insti-
tucional será inevitável.

]
ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA
MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PRO-
FESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E DA
FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOAS-
[email protected]

A agenda fundamentalista
liberal não pode responder
aos reclamos imediatos da
‘gente que nos distrai’

O


isolamento social em tempos de pandemia despertou no setor
agropecuário a necessidade de adotar tecnologias que reduzam a
dependência de mão de obra em algumas atividades e que aproxi-
mem produtor e consumidor. A constatação é da consultoria global de
gestão e estratégia Boston Consulting Group, que ouviu produtores de
alguns países e revelou que os brasileiros estão tão interessados em agri-
cultura digital quanto seu principal concorrente, os Estados Unidos. As-
sim, 45% dos agricultores brasileiros entrevistados disseram que plane-
jam investir mais em automação depois que a pandemia passar, ante 50%
nos EUA e Canadá e 27% na Alemanha. “Os brasileiros estão dispostos a
empreender mesmo com o prolongamento da crise econômica da covid-
19 porque não contam com subsídios elevados como os seus pares e bus-
cam sempre ampliar as margens apertadas de rentabilidade”, diz Fleuri
Arruda, diretor do BCG.


Novos ventos


»Aprendizado. As incertezas com a
pandemia fizeram o setor “despertar”
para a agricultura digital, dizem os
produtores. Segundo Arruda, além de
diminuir a dependência de mão de
obra, ferramentas digitais podem aju-
dar a entender mudanças em padrões
de consumo. “A pandemia trouxe à
tona esses problemas.” Para ele, tecno-
logias ligadas à gestão e que não exi-
gem conectividade em tempo real de-
vem ser as mais procuradas.


»Em escala. O estudo da Boston
mostra, ainda, que 36% dos entrevista-
dos brasileiros investem regularmen-
te em digitalização. A maior parte está
no Centro-Oeste e no oeste da Bahia.
Produtores de pequeno e médio por-
tes tendem a ganhar representativida-
de nesse processo, acredita Arruda,
embora em menor intensidade. Entre
as culturas, soja, algodão e cana-de-
açúcar devem receber o maior volu-
me de investimento em automação.


»Online. A JBS vai conectar nas gran-
jas sensores a softwares para ampliar
e automatizar o monitoramento da
produção de aves e suínos. O projeto
“Granja 4.0” será aplicado no primei-
ro ano em cem granjas da região de
Seara (SC). Em três anos, a meta é ter
habilitadas 70% das 10 mil unidades


que atendem à JBS, conta José Antô-
nio Ribas Jr., diretor de Agropecuária.
Fora dispositivos tradicionais, de me-
dição de consumo de água e tempera-
tura, estão sendo desenvolvidos ou-
tros, como câmeras 3D para monito-
rar o comportamento dos animais. A
partir daí, algoritmos de inteligência
artificial recomendarão mais ações
para produtividade e conforto animal.

»Big Brother. Nessa iniciativa, a JBS
conta com a F&S Consulting, que de-
senvolve sensores, tecnologias de inte-
ligência artificial e softwares, e com a
TIM, que garantirá a conectividade
das granjas com o exterior. Em cerca
de 40% das propriedades do piloto, a
Tim terá de instalar novas torres com
4G. “Meu sonho é ter granjas com câ-
meras 24 horas por dia ligadas, para
que as pessoas vejam que nosso pro-
cesso é limpo, transparente e de res-
peito ao animal”, diz Ribas.

»O olho do dono... A Bloxs Investi-
mentos lançou na semana passada
sua primeira oferta pública de investi-
mento coletivo e online para interessa-
dos em aplicar na pecuária de corte.
O sistema funciona por meio de
“crowdfunding”, arrecadação coletiva
para financiar, neste caso, a compra e
o confinamento de bovinos. Os recur-

sos vão bancar o alojamento em fa-
zendas de São Paulo, Minas Gerais,
Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, diz Felipe Souto, CEO da
Bloxs, corretora regulada na Comis-
são de Valores Mobiliários e que
atua nos termos da ICVM 588, que
normatiza essa ferramenta.

»...engorda o boi. A ideia de finan-
ciar coletivamente o confinamento
de bois partiu de Carlos Pimenta,
pecuarista e sócio-fundador da Eda-
fo Pec, parceira da Bloxs na iniciati-
va. “Percebi que o mercado não ti-
nha nenhum produto que permitisse
que investidores da cidade partici-
passem da rentabilidade da pecuá-
ria”, conta. Até quinta-feira, o Boi
Pec Invest I (nome da carteira) ha-
via captado R$ 475 mil, de 49 investi-
dores, ou 45,24% do necessário para
fechar os lotes. O investimento míni-
mo é de R$ 5 mil e a rentabilidade
varia de 0,7% a 1,3% ao mês, a depen-
der do valor da arroba e do aplicado,
com prazo de resgate de um ano.

»Procura. A Câmara de Comércio
Árabe-Brasileira recebeu pedidos
de ajuda de Egito, Marrocos, Ará-
bia Saudita, Emirados Árabes, Bah-
rein e Kuwait para localizar forne-
cedores de alimentos no Brasil,
principalmente carne bovina, fran-
go, arroz, milho e frutas. Segundo
Tamer Mansour, secretário-geral
da Câmara Árabe, os governos des-
ses países estão atuando direta-
mente como compradores, seja
por meio de seus ministérios, seja
por importadores recém-credencia-
dos pelo Estado, para reforçar esto-
ques de alimentos na pandemia de
coronavírus.

»Tem pressa. Os pedidos foram
tantos que a Câmara promoveu
na quinta-feira reunião com repre-
sentantes de 23 entidades seto-
riais e da Câmara de Comércio Ex-
terior (Camex). A entidade vai en-
viar uma lista das demandas e fa-
zer a intermediação entre exporta-
dores e importadores. “Existe es-
paço para produtos brasileiros de
valor agregado que antes eram for-
necidos pela Europa”, disse Ta-
mer Mansour.

POR ISADORA DUARTE, CLARICE COUTO,
LETICIA PAKULSKI e TÂNIA RABELLO

S


e o pequeno investidor está
perdido sobre o que fazer com
a crise gerada pela pandemia
de coronavírus, os donos de grandes
fortunas não se veem em situação
muito mais clara. Segundo Paulo Pe-
reira Miguel, sócio do Julius Baer Fa-
mily Office, que cuida dos investi-
mentos de famílias com grande patri-
mônio, o medo de perdas atingiu a
todos neste momento. “Somos todos
humanos, os desconfortos e os me-
dos são os mesmos.” O executivo
também considera que houve uma
dificuldade geral de percepção da gra-
vidade da crise.

lO que, em sua opinião, diferencia a
crise do covid-19 das demais?
É uma crise distinta, pois é motivada

por um elemento exógeno, sem ori-
gem financeira. Mas uma coisa não é
diferente: mesmo com toda a instabi-
lidade, não se pode perder a aloca-
ção estratégica e, mesmo com uma
estratégia mais cautelosa, não perder
o foco no retorno de longo prazo.

lComo, em geral, se dá a alocação dos
recursos dos family offices? Qual é o
componente de Bolsa?
Os family offices aplicam o patrimô-
nio de uma família ou de um peque-
no grupo de famílias. É comum a gen-
te encontrar pedaços relevantes do
patrimônio em ativos privados que
não são cotados em Bolsa,
como empreendimentos
imobiliários, especial-
mente no caso das famí-
lias individuais. Já os
consórcios de famílias
costumavam ter preva-
lência de renda fixa,
especialmente quando
os juros estavam al-
tos. Nos últimos anos,
trouxemos profissio-
nais para ajudar esses
investidores
com alter-
nativas

de investimentos privados de longo
prazo, com compromissos de quatro
ou cinco anos e maior diversificação.

lQuem tem muito dinheiro sente medo
em uma crise como essa?
Somos todos humanos, os desconfor-
tos e os medos são os mesmos. O
grau de ansiedade aumenta, é inevitá-
vel. Ninguém antecipou o tamanho
dessa crise. Se você já tem uma certa
filosofia de ação (de onde o dinheiro
deve ser aplicado), facilita. Porque as-
sim se evita um posicionamento de
curto prazo que vai ser prejudicial
no longo prazo.

lDe início, a crise foi subestimada?
Todo mundo luta as guerras
que já viveu, com as ferra-
mentas de que dispõe. Co-
mo essa crise foi distinta,
houve dificuldade geral de
percepção – de governos,
das empresas e da socieda-
de. Quando todo mundo se
deu conta, o efeito foi abrup-
to e veio para todos. Não vi-
víamos uma pandemia desse
porte desde 1918. Estávamos pou-
co preparados para um evento
desse tipo. / FERNANDO SCHELLER

Opinião


l]
LUÍS EDUARDO
ASSIS

Drone da Embrapa. Produtores do País vão investir mais em automação


lQuase lá

475
mil reais haviam sido captados até
quinta-feira pela Bloxs Investimentos
para financiar a engorda de bois

Agricultura digital vai


crescer após pandemia


coluna do


‘Houve dificuldade


geral de percepção


da gravidade da


crise da covid-19’


CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO

O Mapa da Bolsa


Magazine Luiza ON

B2W Digital ON

JBS ON

Klabin S/A UNIT

Minerva ON

58,74%

39,58%

68,77%

33,70%

39,11%

● As ações que mais subiram e as que mais caíram
na semana passada

FONTE: BROADCAST INFOGRÁFICO/ESTADÃO

OBS.: EMPRESAS QUE FAZEM PARTE DO ÍNDICE IBOVESPA

Melhores

GOL PN

Azul PN

CVC Brasil ON

Yduqs Part ON

Cogna ON

Piores

Na semana Em 1 mês

18,43%

15,32%

-7,95%

2,14%

4,08%

0

55,44%

48,18%

45,21%

35,39%

31,18%

-7,61%

-5,77%

-4,64%

-3,09%

-2,84%

Paulo Pereira Miguel,
sócio do Julius Baer Family Office

REGIS FILHO / JULIUS BAER
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