O Estado de São Paulo (2020-06-08)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2020 Política A


BRASÍLIA


Nas últimas semanas, o presi-
dente Jair Bolsonaro chegou a
discursar na frente de atos de
seus apoiadores e ir a cavalo até
uma manifestação em Brasília.
Ontem, no entanto, o presiden-
te não falou nada sobre atos que
ocorreram no Distrito Federal
e em ao menos 11 capitais con-
tra o seu governo. Pela manhã,
ele foi até a porta do Palácio do
Alvorada e cumprimentou apoi-
adores, sem tocar no assunto.
A seus apoiadores, integran-
tes de um grupo de motociclis-
tas, Bolsonaro voltou a falar
que as medidas de isolamento
social são de responsabilidade
dos prefeitos e governadores e
vão causar desemprego. “O Su-
premo Tribunal Federal deci-
diu que governadores e prefei-


tos são responsáveis por essa
política, inclusive, de isolamen-
to. Agora está vindo um maior
desemprego, enorme aí, de for-
mais e pessoal informal tam-
bém. Não queiram botar no
meu colo”, disse. “Isso compe-
te aos governadores, a solução
desse problema que está aconte-

cendo quase que no Brasil to-
do”, acrescentou o presidente.
Até a conclusão desta edição,
o presidente também não havia
se manifestado em seu Twitter
sobre o protesto. Ele usou a re-
de para falar de medidas de com-
bate à covid-19. Também fez
uma publicação sobre a diversi-

dade dos brasileiros que foram
à Segunda Guerra Mundial. “Na
Itália, para surpresa de outros
Exércitos, viram a nossa tropa
composta de negros, brancos e
mestiços vivendo de forma har-
mônica e integrada. A cobra fu-
mou e derrotamos o nazismo e
o fascismo”, escreveu.
Embora tenha ido à Esplana-
da dos Ministérios e caminha-
do entre manifestantes pró-go-
verno, o ministro do Gabinete
de Segurança Institucional (G-
SI), Augusto Heleno, negou que
tenha participado do ato.
Imagens nas redes sociais
mostram o ministro caminhan-
do entre pessoas que protesta-
vam e cumprimentando poli-
ciais que faziam o isolamento
dos grupos contrários e favorá-
veis ao presidente. Um dos ví-
deos mostra o momento em
que o general é chamado de fas-
cista por opositores do gover-
no, para de cumprimentar os
agentes de segurança e segue
em direção ao lado governista
dos protestos.
No Twitter, Heleno disse que
foi até a via central de Brasília

apenas para agradecer pelo tra-
balho das Forças Armadas. O
ministro disse que não foi ao lo-
cal para se manifestar. “Não fui
participar da manifestação. As
imagens mostram. Fui à Espla-
nada dos Ministérios agradecer
aos integrantes das F Seg (for-
ças de segurança), pelo trabalho
abnegado e competente que rea-
lizam, em prol de manifesta-
ções pacíficas. É atitude de ca-
maradagem, comum entre nós,
militares”, disse.
Durante a semana, Bolsonaro
chegou a pedir a manifestantes
pró-governo que não fossem à
Esplanada neste domingo, co-
mo forma de evitar atritos com
os manifestantes contra o go-
verno, que estiveram presentes
em maior número. / ANDRÉ
BORGES e BRENO PIRES

Adriana Ferraz


O escritor Olavo de Carvalho,
considerado “guru” do bolsona-
rismo, fez uma série de posta-
gens das redes sociais na madru-
gada de ontem com críticas ao
presidente Jair Bolsonaro, de
quem é aliado. Em vídeo, afir-
mou que Bolsonaro não é seu
amigo, não o defende de uma
suposta milícia digital e pode
ser processado por prevarica-
ção, já que presencia crimes e
“não faz nada”.


Em seguida, afirmou que po-
de derrubar o governo. “Se esse
pessoal não consegue derrubar
o seu governo, eu derrubo. Con-
tinue inativo, continue covarde
e eu derrubo essa m.. desse seu
governo, aconselhado por gene-
rais covardes ou vendidos.”
Nas publicações, Olavo ainda
reclama que Bolsonaro não co-
loca seus assessores para defen-
dê-lo de processos e multas que
estaria respondendo na Justiça,
sem dar detalhes sobre os ca-
sos. E provoca sobre a relação
do presidente com os militares.
“Presidente, se você não tem
apoio suficiente dos generais
para desarmar o inimigo comu-
nista, pare de insuflar no povo
com falsas esperanças baseadas
numa visão ilusória da grande-
za militar. Diga logo a verdade:

só contem com as Forças Arma-
das para servicinhos menores.
Para o grande combate, nunca”,
diz uma das mensagens.
O escritor também sugere
que Bolsonaro é “fraco”. “Que é
que o Bolsonaro, na presidên-
cia, fez contra o avanço do co-
munismo? Nada. Nem tocou
muito no assunto. Virou ‘prag-
mático’, e quanto mais prag-
mático virou, mais foi acusado
de fascista e ditador. A fraqueza
atrai a agressividade”.
Em seguida, afirma que ainda
há tempo para corrigir o rumo
da sua política. “Primeiro pon-
to: um governante não faz nem
aceita polêmica. Fala pouco e
age muito. Por exemplo, a porra
da Globo já deveria estar fecha-
da”, aconselha.
Apesar das críticas, Olavo afir-

mou que continua ao lado do
presidente. “Ainda estou do la-
do do Bolsonaro. Lutarei por
ele com todas as minhas armas.

Mas ele que não espere mais de
mim palavras doces que só po-
dem ajudá-lo a errar.” Bolsona-
ro não comentou.

Marcela Guimarães


O ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), e
os ex-ministros Marina Silva
(Rede) e Ciro Gomes (PDT),
concordaram em unir forças
em uma frente ampla para de-
fender a democracia, deixan-
do as diferenças políticas e
partidárias no passado. Du-
rante um debate promovido
ontem pela jornalista Miriam
Leitão, na GloboNews, Fer-
nando Henrique disse que a
luta atual não é só política, é
social e econômica.
“Não podemos nos calar”,
afirmou o ex-presidente. “O
passado ficou no passado, ago-


ra temos que unir forças.”
Marina Silva, que disputou as
últimas três eleições presiden-
ciais, disse que os líderes políti-
cos devem agora ter a responsa-
bilidade de compartilhar a luta
pela democracia. Ela relacio-
nou a crise política com a grave
pandemia do novo coronaví-
rus, que coloca o País como o
terceiro no mundo em número
de vítimas fatais. “Acima de nós
há 36 mil mortos por covid-19 e
a defesa do Estado de Direito”,
disse. “É com esse espírito que
homens públicos e a sociedade
civil estão se mobilizando.”
Ciro foi ainda mais incisivo
sobre a posição de figuras e par-
tidos políticos contra o que cha-

mou de “escalada do autoritaris-
mo”. O ex-ministro e ex-presi-
denciável também mandou
uma mensagem para quem ain-
da não se posicionou. “Vamos
defender a democracia e quem
não vier é traidor”, disse Ciro.
Ele expressou a defesa de
uma frente que deixe de lado di-
ferenças político-partidárias ao
afirmar que “ninguém do povo
vai entender a superficialidade
de qualquer um de nós que, por
mimimi, por manha, por marra,
não cumpra sua tarefa de prote-
ger a democracia que custou vi-
das a vários brasileiros”.
Ciro ainda ressaltou a presen-
ça no debate de FHC, de quem
se distanciou e passou a ser críti-

co. “Ele com todos os títulos
aceita debater conosco, espe-
cialmente comigo, que nem
sempre fui tão cordial nas críti-
cas que lhe fiz, embora sejam
todas no plano das ideias. Que-
ro agradecer, foi especial para
mim essa convivência.”
Ciro também destacou a cri-

se na saúde, com 23 militares
ocupando espaços no Ministé-
rio da Saúde. Ciro observou que
a pasta ainda tem “liderança
provisória” em meio à pande-
mia sem controle no País. “Não
creio em um golpe de (Hamil-
ton) Mourão (vice-presidente da
República), mas há 23 militares
na Saúde”, ironizou. “Quero sa-
ber se os militares vão querer
ser responsabilizados por essa
tragédia”, afirmou.

‘Pedaladas’. Marina Silva afir-
mou que a tentativa do governo
de esconder dados sobre mor-
tes da covid-19 no Brasil é cri-
me de responsabilidade dizen-
do que militares estão preocu-

pados em “pedaladas pandêmi-
cas”. Ela sugeriu que o presiden-
te da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), crie uma comissão
técnica para coordenar o acom-
panhamento da pandemia. “Ro-
drigo Maia tem condições para
isso”, afirmou Marina.
FHC também atacou a tenta-
tiva de ocultação de dados so-
bre o avanço do coronavírus
no Brasil, dizendo que não dá
mais pra esconder nada de nin-
guém, já que há imprensa livre
e combatente, além das redes
sociais. “A direita no poder
não consegue ver a realidade e
se agarra a fantasmas. Gover-
nar não é criar dissenso, mas
criar consenso.”

Bolsonaro evita fazer comentários sobre manifestações


Cumprimento. O presidente Jair Bolsonaro conversa com integrantes de grupo de motociclistas em frente ao Palácio do Alvorada, sua residência oficial


Financial Times


fala em risco


à democracia


‘Guru’. Olavo é tido como referência entre os bolsonaristas

lTarefa

lLuciano Hang, dono da rede de
lojas Havan, apelou a um grupo
de empresários solicitando recur-
sos para Olavo de Carvalho em
um grupo de WhatsApp. Há dez
dias, Hang foi um dos alvos de
busca da Polícia Federal no âmbi-
to do inquérito das Fake News,
no qual é um dos investigados.
"Temos que ajudá-lo financeira-
mente. Está chateado, precisa de
mais ajuda para continuar lutan-
do pelo Brasil", escreveu Hang.
Ele foi contestado. Uma pessoa
respondeu: "Pede para ele vir ao
Brasil, então. De longe, é fácil."
Outra reagiu: "Deve estar ficando
louco." "Ele vive de criar polêmi-
ca. Em cada uma criada, ele con-
segue vender cursos online para
incautos. Vejo como má-fé", disse
um terceiro participante do grupo.
/ ANDRÉ BORGES e GUSTAVO PORTO

ADRIANO MACHADO / REUTERS

GSI. Heleno cumprimenta policial em ato contra governo

REPRODUÇÃO FACEBOOK/ JAIR MESSIAS BOLSONARO

Presidente se limitou a


falar com apoiadores em


frente ao Alvorada;


Heleno circula durante


ato contra governo


O jornal britânico Financial Ti-
mes publicou ontem editorial
no qual aponta o presidente da
República, Jair Bolsonaro, co-
mo um risco à democracia no
País. No texto, a tradicional pu-
blicação internacional diz que
Bolsonaro “acendeu o medo”
na democracia brasileira e que
existe risco crescente de uma vi-
rada autoritária. O periódico
menciona o estreito vínculo do
presidente brasileiro com o
Exército e seu aval a manifesta-
ções que vêm pedindo a volta da
ditadura militar, relata os emba-
tes recentes do Executivo com
outros instituições do País e
alerta para o risco “real” à maior
democracia da América Latina.
O Financial Times voltou a
comparar Bolsonaro a Donald
Trump, chamando o presiden-
te de “Trump tropical”. Segun-
do o FT, Trump e Bolsonaro são
nacionalistas que “proferem o
amor a Deus e às armas”, a pro-
pensão para governar por meio
do Twitter e um apreço por esti-
mular suas bases com uma re-
tórica de divisão. “No Brasil,
contudo, há uma possibilidade
mais preocupante: que Bolsona-
ro, cada vez mais confrontado,
esteja desiludido com o proces-
so democrático pelo qual assu-
miu o cargo e queira minar as
instituições que sustentam o
País”, diz.
A publicação recorre a aconte-
cimentos recentes da política
nacional para justificar a tese.
Entre elas, cita a preocupação
do ministro do Supremo Tribu-
nal Federal (STF) Celso de Mel-
lo, que comparou o cenário na-
cional à República de Weimar –
da Alemanha, que precedeu a
2.ª Guerra Mundial – e criticou
os apoiadores do presidente
que estariam atacando a demo-
cracia para instaurar uma dita-
dura. “Poucos presidentes elei-
tos atenderiam e contemplaria
protestos nos quais os manifes-
tantes pedem pelo fechamento
do Congresso e da Suprema
Corte, sendo substituídos por
uma lei militar.”

JOSHUA ROBERTS / REUTERS

Guru do bolsonarismo


diz que presidente é


‘covarde’, ‘inativo’ e que


pode ter seu governo
derrubado por ele


Presidente presencia crimes e não


faz nada, afirma Olavo de Carvalho


FHC, Ciro e Marina pedem frente ampla


Ninguém vai entender a
superficialidade de
qualquer um que não
cumpra sua tarefa de
proteger a democracia.”
Ciro Gomes
EX-MINISTRO

Em debate, ex-presidente e ex-ministros concordam na necessidade de unir forças para defender a democracia e contra o governo Bolsonaro


NA WEB
Portal. Leia mais
notícias sobre
os atos

estadao.com.br/e/estadaopolitica
6

Luciano Hang pede


dinheiro para ‘guru’

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