O Estado de São Paulo (2020-06-08)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-6:20200608:
A6 Política SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Pedro Venceslau

Alvo de ataques nas redes so-
ciais por ter se tornado oposi-
tor do presidente Jair Bolso-
naro e por ter defendido me-
didas de isolamento social no
início da pandemia do novo
coronavírus, o governador de
São Paulo, João Doria
(PSDB), montou uma força-
tarefa para dar resposta às
ofensas. Uma agência de co-
municação analisa, por meio
de um software, tudo o que
foi falado sobre ele. Quando é
possível identificar de onde
partiu o ataque, cabe ao advo-
gado Fernando José da Costa
preparar ações pedindo repa-
ração judicial.
Costa foi contratado por Do-
ria para levar à Justiça os auto-
res de ofensas mas graves, amea-
ças e fake news. Ele já apresen-
tou cinco notícias-crime solici-
tando a instauração de inquéri-
to policial. Entre elas está a
ação contra a militante bolsona-
rista Sara Winter, que foi acusa-
da por 31 crimes de difamação e
1 crime de ameaça na semana
passada. Segundo auxiliares do
governador, o movimento “Fo-
ra Doria”, que pede o impeach-
ment do governador, está sen-
do inflado por robôs.
O movimento é apoiado por
seguidores de Bolsonaro. Nos
protestos de ontem, o pequeno
grupo de apoiadores do presi-
dente que ocupou a esquina da
Avenida Paulista com a Rua
Pamplona, na região central, le-
vou faixas contra o governador.
Três pedidos de impeachment
de Doria já foram arquivados na

Assembleia Legislativa de São
Paulo (Alesp).
Um dos casos mais graves já
levantados pela equipe de Do-
ria foi uma ameaça de morte e
de invasão da sua casa ocorrida
em março, um dia após reunião
de governadores em que o tuca-
no repudiou o pronunciamento
de Bolsonaro, feito em rede na-
cional, sobre as medidas adota-
das pelos governadores para
combater o coronavírus. O go-
vernador registrou um boletim
de ocorrência e a Polícia Civil
está investigando as ameaças. A
casa foi cercada e protegida pe-
la Polícia Militar.
Entre as denúncias de fake
news apresentadas, a primeira é
contra uma mulher que propa-
gou em grupos de WhatsApp no-
tícias inverídicas sobre a quanti-
dade de casos confirmados de
covid-19 e dizendo que o gover-
nador iria decretar “toque de re-
colher”, o que em nenhum mo-
mento prosperou.
Outra medida judicial faz refe-

rência à divulgação da posta-
gem feita no Instagram por
uma usuária identificada como
Rosalina, em que ela escreveu
um número de CPF que seria do
governador e pedia para seus se-
guidores comprarem chips tele-
fônico em nome dele. O advoga-
do também ingressou com notí-
cia crime contra Antonio Car-
los Bronzeri pela incitação ao
crime de resistência, por sua
particpação em um ato em que
incitava o descumprimento das
medidas de isolamento. Bronze-
ri não foi localizado para comen-
tar o assunto.
Costa também entrou com no-
tícia-crime referente aos
Tweets do perfil Let's Dex, por
difamações e sobre a veiculação
de um vídeo no Youtube, no ca-
nal “Marco Angeli”, onde teriam
sido praticados crimes contra a
honra do governador, além da
contravenção penal de produzir
pânico ou tumulto. Os perfis
não responderam.

Ativista. Um dos alvos de Do-
ria, a ativista de direita Sara Fer-
nanda Giromini, a Sara Winter,
em postagem no Facebook xin-
ga o governador de “oportunis-
ta”, “sádico”, “covarde” e “bo-
tox ambulante”. Sara é um dos
29 alvos da operação da Polícia
Federal realizada dia 27 e deter-
minada pelo Supremo Tribunal
federal no inquérito das fake
news. Após a ação da PF, Sara
gravou um vídeo no qual disse
que vai “infernizar” a vida do
ministro do STF. Sara não foi
localizada. No último dia 1º, ela
ironizou o pedido de Doria. O
inquérito do STF também mi-

rou uma espécie de filial do “ga-
binete do ódio”, estrutura da
Presidência usada para difamar
adversários, que atua na Alesp.
Para o advogado Renato Opi-
ce Blum, especialista em direito
digital que atua em alguns casos
de Doria, a legislação é incom-
pleta sobre fake news. “Não
tem a abrangência que deveria
ter porque é uma lei antiga, sal-

vo na questão eleitoral, que mu-
dou”, disse. Ainda segundo
Blum, na parte eleitoral a puni-
ção para grupos de pessoas que
se reúnem para divulgar notí-
cias falsas tem pena de 2 a 8
anos de prisão. “É um crime de
menor potencial ofensivo. Se o
sujeito for réu primário vai pa-
gar uma cesta básica ou prestar
algum serviço para a comunida-

de no máximo”
A advogado detalhou as for-
mas de se criar ondas artificiais
nas redes sociais. A primeira é a
indexação das plataformas, co-
mo o Google. Nesse caso um
dos principais critérios de ala-
vancagem é a identificação de
blogs e sites que estão discutin-
do determinada questão e refe-
renciando um assunto.

Felipe Frazão / BRASÍLIA


A reunião entre o presidente
Jair Bolsonaro e representan-
tes de uma ala da Igreja Católi-
ca não se limitou à discussão
sobre os interesses dos órgãos
de radiodifusão em atraírem pu-
blicidade estatal, conforme re-
velou reportagem publicada pe-
lo Estadão. Na teleconferên-
cia, padres e deputados tam-


bém fizeram lobby para empre-
sários junto ao presidente.
No Brasil há 54 anos, o padre
jesuíta norte-americano
Edward Doughert, conhecido
como padre Eduardo, da Rede
Século 21, em Campinas (SP),
defendeu que o governo dialo-
gue com empresários interessa-
dos em trazer tecnologia agríco-
la para o País. “Tenho tecnolo-
gias que podem ajudar o Brasil.
Estou querendo apresentar is-
so, mas está tudo fechado, a Se-
cretaria de Agricultura. Tenho
contatos e investidores dispos-
tos a vir. Se uma tecnologia é
aprovada nos Estados Unidos,
por que tem de ser aprovada
aqui no Brasil fazendo testes

também?”
O padre, um dos precursores
da renovação carismática no
País, também tratou com Bolso-
naro de um interesse persona-
líssimo: reclamou que não con-
segue um “passaporte” brasilei-
ro que lhe permita “votar”. “Es-
tou frustrado, estou há dois
anos pedindo passaporte para
ser cidadão brasileiro e não sai.

Por favor, me ajude a ser brasi-
leiro para votar aqui no Brasil”,
disse o sacerdote.
O deputado Eros Biondini
(PROS-MG), vice-presidente
da Frente Parlamentar Católi-
ca do Congresso Nacional, tam-
bém citou o interesse de empre-
sários nos Estados Unidos em
investir quantias milionárias
no Brasil. Ele disse se tratar de

empresários com “alinhamen-
to” ao governo Bolsonaro – e
não só da Associação de Diri-
gentes Cristãos de Empresas
(ADCE).
Biondini e outros parlamen-
tares também defenderam
mais recursos para entidades fi-
lantrópicas vinculadas à Igreja,
que mantém centros de recupe-
ração de dependentes quími-
cos, presos e unidades de saú-
de. Eles afirmaram que os ben-
feitores aumentam injeção de
recursos nas Santas Casas
quando há destinação verba pú-
blica por emendas parlamenta-
res e que as entidades são sérias
e “não dão problema” na aplica-
ção dos recursos.
Na sexta-feira, dia 5, o depu-
tado Francisco Jr.(PSD-GO),
presidente da Frente, disse ao
Estadão que a reunião deveria
ter ocorrido no ano passado e
que discutiria a cobertura de
um evento religioso – daí a pre-
sença das TVs –, mas acabou
sendo adiada e foi agora convo-
cada pelo governo. Segundo

ele, não havia uma pauta única
combinada. “Eu não faço ne-
nhum tipo de interlocução a
partir desses interesses dire-
tos”, afirmou.
A Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), de
postura mais crítica ao gover-
no, não participou do encontro
virtual. Anteontem, a entidade
repudiou os pedidos de verbas
estatais feitos ao governo pela
ala da Igreja.
Biondini se manifestou tam-
bém por nota após a publicação
da reportagem. “Em nenhum
momento foi condicionado
apoio das emissoras ao governo
em troca de verba de publicida-
de. Tudo muito transparente e
legítimo, já que somos católi-
cos e conhecemos bem a lisura
e o belo trabalho que esses nos-
sos padres realizam”, escreveu.
A reportagem encaminhou
pedido de posicionamento à Re-
de Século 21, do padre Eduardo
Dougherty, mas não havia rece-
bido resposta até a conclusão
desta reportagem.

Marcelo Godoy
Roberto Godoy


O tenente-brigadeiro Nivaldo
Rossato, ex-comandante da
Força Aérea do Brasileira
(FAB), enviou aos colegas briga-
deiros um documento no qual
critica duramente a atual ges-
tão do Ministério da Defesa e a
decisão do presidente Jair Bol-
sonaro de permitir ao Exército
ter aviação de asa fixa.
O Estadão mostrou que o de-
creto que permitiu ao Exército


ter aviões causou críticas de bri-
gadeiros e reação em peso da ofi-
cialidade da FAB. No documen-
to de duas páginas, Rossato afir-
ma que, “em sendo aceita a von-
tade do Exército Brasileiro, fica-
ria patente a dificuldade do Mi-
nistério da Defesa de otimizar
os recursos e validar a tão sonha-
da complementaridade de nos-
sas Forças Armadas”.
O documento de Rossato,
com o título Asa Fixa do Exérci-
to diz que, em 2017, a possibili-
dade de dar ao Exército aviões
foi discutida em reunião do Mi-
nistério da Defesa com a presen-
ça do ministro, dos comandan-
tes das três Forças e do chefe do
Estado-Maior Conjunto. “O co-
mando da Aeronáutica, apre-
sentando fundamentadas ra-
zões, posicionou-se contrário à

decisão unilateral do Exército.”
Rossato não diz, mas a Aero-
náutica não foi a única a ser
contrária à medida. Documen-
to feito pelo general Carlos Al-
berto dos Santos Cruz apresen-
tado um ano antes ao Estado-
Maior do Exército, também
afirmava que a aviação de asa
fixa devia permanecer com a
Aeronáutica.
As razões, além da economici-
dade, eram a necessidade de
operação conjunta e interopera-
bilidade das Forças. Uma das li-
ções aprendidas num teatro de
operações moderno era o da
Guerra das Malvinas, em 1982,
em plena Guerra Fria, onde as
ações conjuntas argentinas fra-
cassaram, levando à derrota na
guerra para os britânicos.
Oficiais ouvidos pelo Esta-

dão creditam ao ministro da De-
fesa, general Fernando Azeve-
do e Silva, a iniciativa de dar ao
Exército a aviação de asa fixa.
Ex-comandante da Brigada Pa-
raquedista, Azevedo e Silva assi-
nou o decreto em companhia
de Bolsonaro, outro ex-para-
quedista. A brigada depende
dos aviões da FAB para parte de
seus deslocamentos.
Na carta de Rosatto, à qual o
Estadão teve acesso, o ex-co-
mandante da Aeronáutica afir-

ma que as “razões do posiciona-
mento da Força Aérea são facil-
mente identificadas e reforça-
das pela gênese da Força e do
Ministério da Defesa, associa-
dos à sempre indispensável ne-
cessidade de otimização dos
parcos recursos para que nosso
País mantenha uma mínima ca-
pacidade dissuasória”.
Outro tenente-brigadeiro ou-
vido pelo Estadão foi ainda
mais enfático. Segundo ele, en-
quanto a FAB tiver aviões para-
dos por falta de recursos não é
momento de o Exército ter sua
aviação. Capitães são afasta-
dos do voo por não haver esfor-
ço aéreo suficiente para que
possam voar, ainda segundo es-
ta fonte.
Rossato fez um balanço da si-
tuação da Força que comandou

até janeiro de 2019. “A Força Aé-
rea tem uma frota de 100 aviões
de transporte, com potencial
de voar acima de 50 mil horas
anuais. Entretanto, consegue
voar pouco mais da metade des-
te esforço aéreo por absoluta
falta de recursos financeiros
que poderiam ser priorizados
pelo Ministério da Defesa”.
Para ele, “alocar recursos de
dezenas de milhões de dólares
para treinar tripulações, adqui-
rir e adequar aeronaves para o
Exército enquanto dezenas de
aeronaves da Força Aérea estão
paradas por falta destes mes-
mos recursos chega a ser um
acinte no momento em que as
dificuldades orçamentárias
comprometem a missão das
Forças Armadas”.
O Ministério da Defesa infor-
mou que deve apresentar nesta
segunda-feira os questionamen-
tos feitos pelo Estadão sobre o
decreto.

lAbrangência

Padre americano Edward


Doughert reclamou que
não consegue um


documento brasileiro


que lhe permita 'votar'


Ex-comandante da FAB critica decreto de Bolsonaro


DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO - 15/5/

Doria cria grupo


contra ‘gabinete


do ódio’ em SP


“Fora da eleição só sobra
os crime contra a honra,
que teve aumento de 1/
quando se usa a internet,
mas é um crime de menor
potencial ofensivo. Se o
sujeito for réu primário vai
pagar uma cesta básica ou
prestar algum serviço para
a comunidade no máximo.
A lei é incapaz de inibir a
fake news.”
Renato Blum
ADVOGADO

Após ser alvo de ofensas e ameaças nas redes sociais, governador


entrou com cinco notícias-crime pedindo instauração de inquéritos


Governador. Doria tem tido embates públicos com Bolsonaro sobre ações contra pandemia

REPRODUÇÃO

Ala católica fez lobby


para empresários e


pediu passaporte


Teleconferência. Reunião virtual entre líderes católicos

NA WEB
Portal. Leia as
principais notícias
de Política

estadao.com.br/e/estadaopolitica
6

Brigadeiros criticam a


decisão de se permitir ao


Exército ter aviões


quando faltam recursos


para frota da Aeronáutica

Free download pdf