O Estado de São Paulo (2020-06-08)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2020 A


Internacional

WASHINGTON


Estátuas de escravocratas pelo
mundo têm sido depredadas em
meio aos protestos pela morte de
George Floyd, um negro que mor-
reu asfixiado por um policial bran-


co, em Minneapolis, no dia 25.
Ontem, em Bristol, na Ingla-
terra, manifestantes derruba-
ram a estátua de mais de 5 me-
tros do traficante de escravos
Edward Colston (1636-1721). O
monumento, erguido em 1895,
foi depois jogado no rio Avon,
que corta a cidade. A empresa
de Colston levou pelo menos
100 mil negros da África para as
Américas e Caribe.
Na Bélgica, várias estátuas do
rei Leopoldo II, o sanguinário
colonizador da República De-

mocrática do Congo, foram
manchadas com tinta vermelha
e uma petição agora pede para
que todas sejam retiradas.
Nos Estados Unidos, os alvos
têm sido as estátuas de líderes
confederados, que defendiam a
escravidão na Guerra de Seces-
são (1861-1865). Com isso, auto-
ridades têm anunciado que pre-
tendem removê-las.
O governador da Virgínia,
Ralph Northam, anunciou que
uma estátua do general Robert
E. Lee, em Richmond, capital da
Confederação será retirada. O
monumento foi depredado na
semana passada. No Alabama,
uma estátua do almirante confe-
derado Raphael Semmes já foi
removida. / REUTERS, EFE e AFP

BUENOS AIRES


Mais de 400 mil pessoas mor-
reram de covid-19 até ontem
em todo o mundo, segundo ba-
lanço da universidade ameri-
cana Johns Hopkins, com o
número de casos aumentan-
do na América Latina e sem
uma perspectiva de chegada
ao pico, alertou a Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS).
O chefe de emergências da
OMS, Mike Ryan, afirmou na se-
mana passada que é difícil prever
se o pior está por vir nas América
do Sul e Central.
Durante algum tempo no iní-
cio da pandemia, quando a
América Latina era mais especta-
dora do surto ocorrendo na Chi-
na, depois na Europa e em segui-
da nos Estados Unidos, havia es-
perança de que, quando o coro-
navírus chegasse ao continente,
seria diferente. Semanas depois,
mais de um milhão de pessoas
estão infectadas, dezenas de mi-
lhares morreram e aquelas espe-
ranças desvaneceram.
A doença tem sido um desas-
tre no Brasil, que hoje está em
segundo lugar, depois dos Esta-
dos Unidos, em casos confir-
mados, com mais de 31 mil mor-
tos. O Peru tem o dobro do nú-
mero de infecções registrado
na China. O México já regis-
trou mais de 10 mil mortes. No
Chile, as autoridades alerta-
ram que o sistema hospitalar
em Santiago está no limite da
capacidade de atendimento.
Mesmo na Argentina, um dos
primeiros países a tomar medi-
das de contenção na América
Latina, o número de casos au-
mentou nas últimas dias. O país
registrou 929 novas infecções
no fim de semana e prorrogou
até 28 de junho o isolamento so-
cial obrigatório em Buenos Ai-
res, tanto a capital quanto a Pro-
víncia, e em algumas outras par-
tes do país.
O papa Francisco lamentou
neste domingo, 7, que a epide-
mia de coronavírus continue a
causar “muitas vítimas” na


América Latina e expressou sua
proximidade aos povos da re-
gião, durante a tradicional ora-
ção do Angelus no Vaticano. “In-
felizmente, em outros países, es-
pecialmente na América Latina,
o vírus continua fazendo mui-
tas vítimas”, disse o papa. “Sex-
ta-feira passada, num país, mor-

reu um por minuto, terrível!”
Os esforços da América Lati-
na para deter a doença foram
arruinados por um elenco fami-
liar de inimigos. Pobreza, desi-
gualdade, corrupção, pouca
confiança nas instituições –
muitos problemas sociais que
existiam antes da pandemia ho-

je são amplificados por ela.
Países que tentaram impor
bloqueios totais não conse-
guem mantê-los por muito tem-
po à medida que a fome aumen-
ta, a desinformação se propaga
e a desconfiança cresce.
“A crise está interagindo com
problemas estruturais que a
América Latina enfrenta há mui-
to tempo e esses problemas es-
tão exacerbando o efeito deste
abalo na saúde”, afirmou Luis Fe-
lipe López-Calva, diretor para a
América Latina do Programa de
Desenvolvimento da Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU).
Apesar da diversidade das es-
tratégias – das medidas draconia-
nas no Peru ao laissez-faire no
Brasil – muitos países acabaram
no mesmo lugar: o número de
casos da doença disparou, com
pouca capacidade política ou ins-
titucional para achatar a curva.
Como a região chegou a este
ponto é um exemplo das difi-
culdades para controlar uma

epidemia no mundo em desen-
volvimento. Medidas de distan-
ciamento social e isolamento –
que precisam vigorar durante
semanas para terem algum efei-
to – simplesmente não foram
mantidas em países onde as
pessoas vivem aglomeradas
nas favelas e precisam sair dia-
riamente para trabalhar.
Para as políticas de conten-
ção terem sucesso, afirmam os
analistas, elas necessitam de
apoio público e uma ajuda ro-

busta para os mais pobres. Mas
em grande parte da região fal-
tam os dois elementos.
Apesar de os países terem
adotado sistemas para distri-
buir dinheiro aos mais pobres,
muitos trabalhadores ainda
precisam deixar suas casas pa-
ra se sustentar. Agora, à medi-
da que se observa uma exaus-
tão depois de 10 semanas de iso-
lamento, a confiança nos gover-
nos vem caindo.
Muitos países, sem nem ao
menos terem chegado ao pico
da pandemia, começam a en-
saiar uma reabertura, caso do
México e do próprio Brasil.
“Ainda não é tempo de rela-
xar as restrições ou reduzir es-
tratégias preventivas”, afir-
mou Clarissa Etienne, diretora
da Organização Pan-america-
na de Saúde. “É preciso perma-
necer forte e vigilante e imple-
mentar medidas agressivas e
comprovadas de saúde públi-
ca”, afirmou. / THE W. POST e AFP

Vírus mata 400 mil no mundo e América


Latina falha na luta contra a pandemia


Mesmo países que se planejaram para combater a pandemia, como Chile e Peru, enfrentam aumento no número de casos e de mortes;


especialistas afirmam que dificuldades estruturais dos países, como desigualdade e corrupção, atrapalham ainda mais a contenção


BUENOS AIRES

Pelo menos 403 jornalistas fo-
ram espionados para a produ-
ção de dossiês antes das cúpu-
las da Organização Mundial do
Comércio (OMC), em 2017, e
do G20, em 2018, em Buenos Ai-
res, informou a Agência Federal
de Inteligência (AFI), que pe-
diu uma investigação contra o

ex-presidente Mauricio Macri
(2015-2019). A lista inclui tam-
bém jornalistas estrangeiros.
Centenas de acadêmicos, em-
presários e outras personalida-
des da sociedade civil também
foram investigados. Os dossiês
foram achados em três envelo-
pes, com as legendas “2017”,
“Jornalistas G20”, “Diversos”,
dentro de um cofre no escritó-

rio que era ocupado pelo então
diretor operacional da área de
contrainteligência da AFI.
Segundo a diretora da AFI,
Cristina Caamaño, os arquivos
incluem “preferências políti-
cas, publicações nas redes so-
ciais, simpatia por grupos femi-
nistas ou com conteúdo políti-
co e/ou cultural, entre outros”.
Os dossiês trazem ainda comen-

tários como “sempre com posi-
ções contra o governo”, “ele é
muito crítico do governo
atual”, “ele mostra sua afinida-
de pelo peronismo” ou “ele
apoia o governo”.
Os perfis dos investigados tra-
ziam ainda marcações em ver-
de, amarelo ou vermelho e servi-
riam, supostamente, para per-
mitir ou não o credenciamento

dos jornalistas e meios de comu-
nicação para os dois encontros
mundiais econômicos.
Caamaño pediu à Justiça uma
investigação do ex-diretor da
AFI Gustavo Arribas, da ex-dire-
tora Silvina Majdalani e de vá-
rios agentes de inteligência,
além de Macri como “responsá-
vel por definir diretrizes e obje-
tivos estratégicos para a políti-

ca nacional de inteligência”.
Macri já é investigado pela
Procuradoria Federal desde
maio em um outro processo
por espionagem de funcioná-
rios do governo, empresários,
sindicalistas, opositores e ar-
tistas. Em 2015, o ex-presiden-
te foi inocentado em um pro-
cesso por espionagem ilegal
quando era prefeito de Bue-
nos Aires, entre 2007-2015. A
sentença saiu dez dias depois
que ele assumiu a Casa Rosa-
da. / AFP

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Estátuas de escravocratas


viram alvo em protestos


JUAN IGNACIO RONCORONI/EFE

lEstrutura

Agência argentina teria espionado mais de 400 jornalistas


Brasil tem várias pandemias. Pág. A

AFP

Monumentos são


depredados nos EUA e


na Europa e autoridades


falam em removê-los


definitivamente


Revolta. Estátua é pichada na Bélgica (à esq.); em Bristol, imagem foi derrubada (à dir.)

● Acumulado de casos reportados e mortes por covid-19 de 1º
de abril a 1º de junho de 2020 em 26 países latino-americanos

CORONAVÍRUS NA AMÉRICA LATINA

FONTE: JOHNS HOPKINS UNIVERSITY E CDC/EUA INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Casos Mortes

ABRIL MAIO

0

500
MIL

1
MILHÃO

1.053,

ABRIL MAIO

0

25
MIL

50
MIL

52.

“A crise está interagindo
com problemas estruturais
que a América Latina
enfrenta há muito tempo e
esses problemas estão
exacerbando o efeito deste
abalo na saúde”
Luis Felipe López-Calva
DIRETOR PARA A AL DO PROGRAMA DE
DESENVOLVIMENTO DA ONU.

Prevenção. Funcionário da saúde desinfeta mural com a imagem do Papa Francisco, na Villa 1-11-14, em Buenos Aires: isolamento na cidade é prorrogado

YVES HERMAN / REUTERS
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