O Estado de São Paulo (2020-06-08)

(Antfer) #1

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A8 SEGUNDA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FONTE: MINISTÉRIO DA SAÚDE INFOGRÁFICO/ESTADÃO

● Região Norte é a que tem a maior taxa de infecções por 100 mil habitantes

A DOENÇA NO BRASIL

REGIÃO
CASOS MORTES CASOS

TOTAL POR 100 MIL HABITANTES
MORTES

*ATUALIZADOS EM 4 DE JUNHO

Norte

AC

AM
AP

PA
RO

RR
TO

Nordeste

AL
BA

CE
MA

PB
PE

PI

RN
SE

Centro-Oeste

DF
GO

MS
MT

Sudeste

ES
MG

RJ
SP

Sul

PR

RS
SC

128.

7.

46.
11.

48.
6.

4.
4.

215.

13.
23.

59.
40.

17.
37.

6.
9.

8.

22.

12.
4.

1.
3.

220.

16.
13.

60.
129.

27.

5.

11.
10.

6.

181

2.
254

3.
194

127
87

10.

531
790

3.
1.

438
3.

202
378

186

462

196
164

20
82

15.

737
323

6.
8.

636

215

265
156

35,

20,
52,

30,

39,
10,

21,
5,

18,

15,
5,

41,
15,

10,
32,

6,
10,

8,

2,

6,
2,

0,
2,

18,

18,
1,

36,
18,

2,
1,

2,
2,

699,

796,

1.121,
1.365,

558,
363,

740,
310,

377,

392,
157,

654,
574,

437,
392,

185,

264,
356,

141,

428,
70,

69,
91,

249,

420,
61,

352,
281,

91,

50,

96,
147,

José Maria Tomazela


A falta de um protocolo unifi-
cado de ações contra a covid-
19 criou um cenário de várias
pandemias no Brasil. As dife-
renças regionais podem fazer
o País conviver mais tempo
com o novo coronavírus, afir-
mam pesquisadores. Com as
trocas de comando no Minis-
tério da Saúde, que permane-
ce com ministro interino, as
medidas de controle ficaram
a cargo de governadores, ca-
da um com uma visão própria
da doença. E não há um só Es-
tado em que a covid-19 esteja
em declínio.
Para o Ministério da Saúde,
os cenários diferentes refletem
a sazonalidade das doenças res-
piratórias. Isso faz com que o
Brasil tenha, ao mesmo tempo,
números de um Equador, o vizi-
nho mais castigado com o vírus,
e de Portugal, que registrou em
um dia da semana passada ape-
nas 12 mortes. No Amazonas, o
número diário de casos novos já
passa de 2 mil (veja nesta pági-
na). O quadro muda completa-
mente no Paraná, onde os casos
diários não passam de 300. Mi-
nas e MS também têm números
oficiais mais bem controlados.
Para o professor Raul Borges
Guimarães, especialista em
geografia da saúde da Universi-
dade Estadual Paulista (U-
nesp), a falta de uma política
coesa do governo federal com
Estados e municípios fez com
que a situação saísse do contro-
le em algumas regiões. Isso ex-
plica, segundo ele, porque no
Amazonas, um Estado mais iso-
lado, o vírus se espalhou quase
oito vezes mais do que na Ba-
hia, com seu amplo litoral. O
Paraná, com baixa dissemina-
ção, vive realidade diferente de
São Paulo, que tem alta incidên-
cia e onde a doença se instalou
primeiro, dando mais tempo
de planejamento aos vizinhos.
Conforme Guimarães, a falta
de um comando central fez
com que as medidas de isola-
mento não fossem adotadas de
forma homogênea. “Os Esta-
dos ficaram se movimentando
numa espécie de areia movedi-
ça por meses, tomando as medi-


das possíveis diante de situação
cada vez mais dramática”, afir-
ma. “Estamos condenados a
permanecer em um círculo vi-
cioso que somente uma ação
coordenada do governo federal
permitiria estancar. Sabemos
que isso não ocorrerá.”
A Região Norte, com 699,5 in-
fectados e 35 mortes a cada 100
mil pessoas, tem disseminação
superior à dos EUA, país com
maior incidência no mundo. Es-
tá também acima da média bra-
sileira, de 292,6 casos e 16,2 mor-
tes por 100 mil. Além do Amazo-
nas, os dados são puxados para
cima por Pará e Amapá, com al-
tas taxas de casos e óbitos, supe-
riores às do Reino Unido, segun-
do país no ranking da doença.
Em contrapartida, nos três
Estados do Sul, a incidência é
baixa, tornando a média a me-
nor do Brasil, com 91,3 casos e
2,1 mortes por 100 mil morado-
res. O índice se compara ao da
Grécia. Florianópolis, em Santa
Catarina, é a capital com menor
número de óbitos (Mais infor-
mações na página A9).

Por região. Há disparidade na
mesma região. No Nordeste,
fronteiriços, os Estados do Cea-
rá e Piauí têm pandemias dife-
rentes. Enquanto o Ceará tem
613 casos e 39,5 mortes a cada
100 mil habitantes, no vizinho
os índices são de 178,1 e 5,9. A
discrepância é evidente no Su-
deste, região que tem Estados
como São Paulo e Rio, com alta
incidência, enquanto Minas
tem índices menos agressivos.
Guimarães lembra que é pre-
ciso levar em conta que o vírus
não chegou a todos os países e
às diversas regiões do Brasil ao
mesmo tempo. “Como o isola-
mento social não foi cumprido
de forma homogênea, cada re-

gião e até mesmo cada municí-
pio tem uma curva diferente.”
Isso sem considerar a subnotifi-
cação, para ele “altíssima”.
Coautor de um sistema de si-
mulação matemática que permi-
te traçar diferentes cenários de
isolamento para as cidades pau-
listas e de outros Estados, o pro-
fessor Paulo José da Silva, do
Instituto de Matemática, Esta-
tística e Computação Científi-
ca da Unicamp, observa que a
flexibilização do isolamento só
pode ser adotada em um cená-
rio onde a taxa de contágio está
controlada, o que não acontece
“em nenhum lugar”. As ações
de testagem em massa, funda-
mentais para a contenção da
doença, também influenciam
os números, segundo o coorde-
nador de diagnósticos da força-
tarefa Unicamp contra a Covid-
19, Alessandro Farias. “O teste é
a base para qualquer ação a ser
feita, incluindo reabertura.”

Ministério. O Ministério da
Saúde informou em nota que
as análises epidemiológicas
apontam maior prevalência da
covid-19 no Norte e Nordeste,
além dos Estados de São Paulo
e Rio. No Norte e Nordeste, a
circulação do vírus acompa-
nha o período de doenças respi-
ratórias, iniciando nas capitais
e regiões metropolitanas e se-
guindo para o interior dos Esta-
dos. “A mesma tendência deve-
mos observar, seguindo a sazo-
nalidade das doenças respirató-
rias, para Centro-Oeste e Sul,
sendo necessária a divisão em
três fases: preparação, enfren-
tamento de doenças em cen-
tros urbanos e capitais e a inte-
riorização dos casos.”
Os protocolos têm sido divul-
gados em boletins – um com me-
didas adicionais ao distancia-
mento social está em constru-
ção. O ministério disse ainda
que “a subnotificação é ineren-
te à pasta”, mas está em curso
um programa de ampliação de
testagem. Em relação à circula-
ção do coronavírus, a pasta lem-
brou que o Brasil possui caracte-
rística viral tanto do Hemisfé-
rio Norte quanto do Sul. “Era
esperado que a circulação do ví-
rus não seria homogênea.”

Com 97.377 habitantes, 2.437 ca-
sos confirmados e 96 mortes pe-
la doença, a cidade de Manaca-
puru, às margens do Rio So-
limões, encabeça a lista de mu-
nicípios do interior do Amazo-
nas com mais casos de coronaví-
rus. Até o secretário de Saúde,
Rodrigo Balbi, foi infectado e fi-
cou internado por 15 dias em
Manaus, a 70 quilômetros.
“É uma doença imprevisível,
que chega sorrateiramente e to-
ma conta. Mas estamos na luta
outra vez”, diz Balbi, que só re-
tornou ao trabalho na semana
passada. Ele disse que, por ser
próxima da capital, a cidade é
porta de entrada do Médio So-
limões e ponto de parada de bar-
cos que sobem e descem o rio, o


que acelerou a chegada do ví-
rus. A cidade, diz, não tem estru-
tura necessária. “Há uma unida-
de de cuidados intensivos, mas
não é uma UTI.” Foi montado
hospital de campanha, com 35
leitos – três com respiradores, o
que obrigou à transferência de
casos graves para Manaus.
Na casa da agente de saúde

Rafaela Souza, de 28 anos, ela, a
mãe, o pai, o marido e a filha
pegaram o coronavírus. Só o fi-
lho mais novo, de 4 anos, esca-
pou. Para Rafaela, foram sete
dias de dores e cansaço. “O pior
não foi ter me infectado, mas
sofrer com a perda de minha
mãe, que lutou, mas não resis-
tiu.” A mãe, Nazaré, de 48 anos,
tinha diabete e pressão alta.
Apesar da quantidade eleva-
da de registros, Manacapuru
acompanhou decreto estadual
de reabertura da economia e, na
terça-feira, além de bancos e ser-
viços de alimentação, passaram
a funcionar lotéricas, lojas de
roupas, floriculturas, feiras e
igrejas. Também foi restabeleci-
do o transporte fluvial com as
cidades vizinhas e a capital. Se-
gundo o município, a retomada
tem base em indicadores de que
a doença está regredindo.
O governo do Amazonas in-
formou que, desde o início da
pandemia, foram entregues 66
respiradores adquiridos por Es-
tado e Ministério da Saúde para
equipar 22 municípios do inte-
rior. O número de leitos em uni-
dades de cuidados intensivos
foi aumentado em 157%, saindo
de 49 para 126. /J. M. T.

O Paraná tem um dos mais bai-
xos índices de coronavírus do
País, mas o secretário da Saúde,
Beto Preto, diz que é cedo para
comemorar. “Temos visto dia
após dia os casos aumentarem,
casos e pessoas perdendo a vi-
da.” Na sexta, com 327 novos
casos e dez óbitos a mais, o nú-
mero de diagnósticos positivos
chegou a 5.820 no Estado, com
215 óbitos. “Estamos há 81 dias
com a doença e ainda não tínha-
mos registrado tantos casos e
mortes em um dia só. Não pode-
mos baixar o nível de alerta.” A
média de ocupação dos leitos
de tratamento intensivo era de
46% e de enfermaria, 30%.
Em Sarandi, noroeste para-
naense, com 96.688 habitantes,

foram registrados 24 casos e
uma morte – um contraste com
os números quase 100 vezes
maiores de Manacapuru (AM),
que tem população igual. A úni-
ca vítima foi um caminhoneiro
de 47 anos que apresentou a
doença em Goiânia, onde tinha
um segundo domicílio.
Na manhã de sexta, havia 148

pessoas em isolamento domici-
liar porque tiveram contato
com 11 pessoas com sintomas
gripais. Mesmo com poucos ca-
sos, a prefeitura estipulou mul-
ta de R$ 106 para quem não usa
máscara. A moradora Lilian Bar-
bosa, há 22 anos na cidade, disse
que a reabertura preocupa um
pouco, mas o controle é rígido.
“Percebo que as pessoas estão
usando máscaras, álcool em gel
e não estão viajando. Quem pre-
cisa se deslocar para as cidades
vizinhas, vai só pelo trabalho.”
A enfermeira Ayla Cristina
Martins Veiga, da vigilância epi-
demiológica municipal, disse
que o baixo número de casos es-
tá associado às medidas toma-
das no início. “O município foi
ágil no momento em que os ca-
sos começaram nas capitais, de-
cretando o isolamento, fechan-
do o comércio e restringindo
serviços. Isso fez com que a po-
pulação ficasse mais em casa.”
Preto disse que o Estado ado-
tou estratégia diferente de ou-
tros, investindo em rede hospi-
talar própria, sem abrir hospi-
tais de campanha. A suspensão
de aulas ocorreu ao mesmo tem-
po que em São Paulo. E foram
aplicados 30 mil testes. /J. M. T.

lBaixo isolamento

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Com situação mais dramática no Norte, a doença avança de forma diferente pelas regiões e faz com que o Brasil tenha, ao mesmo


tempo, números do Equador, o vizinho mais castigado com o vírus, e de Portugal, um dos países menos afetados pela doença na Europa


Até secretário no interior


do AM se tratou na capital


No PR, governo ainda não


vê razão para comemorar


Florianópolis ficou mais de um mês sem mortes pela doença. Pág. A9 }


Metrópole

ACERVO PESSOAL

Município do interior do


Amazonas encabeça lista


dos que têm mais casos;


pacientes graves são


transferidos para Manaus


Dor e cansaço. Rafaela se
infectou e perdeu a mãe

PREFEITURA DE SARANDI

Estado tem níveis baixos
de infecção; município
acompanha os
moradores que
apresentam sintomas

Sarandi. Cidade paranaense
registrou apenas uma morte

País tem cenário de várias pandemias


e pode conviver mais tempo com covid


“Como o isolamento social
sempre ficou abaixo do
necessário, o vírus se
estabeleceu em polos
regionais e agora migra
para cidades menores.”
Raul Borges Guimarães
ESPECIALISTA DA UNESP
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