O Estado de São Paulo (2020-06-09)

(Antfer) #1

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B1 TERÇA-FEIRA, 9 DE JUNHO DE 2020 INCLUI CLASSIFICADOS O ESTADO DE S. PAULO


E&N


ECONOMIA & NEGÓCIOS


Remanejamento do Bolsa Família pode


caracterizar drible nas regras fiscais


GABRIELA BILO/ESTADÃO–29/5/

História. Uso indevido de créditos extraordinários, como a manobra do governo Bolsonaro sugere ser, foi alvo de questionamento no governo Dilma


Idiana Tomazelli/BRASÍLIA


O remanejamento de recur-


sos do programa Bolsa Famí-


lia para ampliar a verba publi-


citária do governo federal


acendeu o alerta entre espe-


cialistas para o risco de “ma-


nobra” para burlar regras fis-


cais e usar exceções previstas


na lei para os gastos da pande-


mia a favor de um aumento


em despesas que não são


emergenciais e nada têm a


ver com o combate à doença.


Uma dessas exceções é o


crédito extraordinário, instru-


mento a que o governo pode re-


correr para despesas imprevisí-


veis e urgentes e que fica livre


do alcance do teto de gastos, me-


canismo que limita o avanço


das despesas à inflação.


A avaliação é de que, na práti-


ca, os créditos extraordinários


abertos para bancar gastos da


crise provocada pelo novo coro-


navírus estão servindo para cus-


tear despesas previsíveis e não


urgentes, como é o caso da ver-


ba para a Secretaria Especial de


Comunicação Social da Presi-


dência (Secom) fazer propagan-


da do governo.


A “triangulação”, como vem


sendo chamada a estratégia, en-


volve a abertura de um crédito


extraordinário no valor total


previsto para o auxílio emergen-


cial de R$ 600 para trabalhado-


res informais, iniciativa que


tem entre seus beneficiários


praticamente 95% dos atendi-


dos pelo Bolsa Família. Com a


migração das famílias, o espaço


reservado ao Bolsa no Orçamen-


to e no teto fica quase todo “li-


vre” para ser remanejado a ou-


tras ações que não poderiam, pe-


lo que diz a Constituição, ser


contempladas por crédito ex-


traordinário e para as quais não


havia dinheiro antes da crise.


O governo já abriu até agora


três créditos extraordinários pa-


ra o auxílio emergencial, o pri-


meiro de R$ 98,2 bilhões, o se-


gundo de R$ 25,7 bilhões e o ter-


ceiro de R$ 28,7 bilhões. En-


quanto isso, o gasto mensal do


Bolsa Família caiu cerca de R$


2,4 bilhões com a migração dos


beneficiários para o programa


temporário. Uma parte do “es-


paço” que ficou no Orçamento,


R$ 83,9 milhões, foi direciona-


da à Secom.


Uso social. Para o economista


Marcos Lisboa, presidente do


Insper, o governo deveria ter des-


contado dos créditos extraordi-


nários o valor que sobraria na do-


tação do Bolsa Família. Ou seja,


usar a exceção legal apenas para


os gastos adicionais com prote-


ção social, o que resultaria em


créditos de valor menor.


“Para preservar o teto, não ti-


nha dinheiro para vários gastos.


Você fez o ajuste, vários gastos


eram essenciais, você preser-


vou o Bolsa Família. Veio o


crédito extraordinário para


substituir o Bolsa Família e vo-


cê usou aquela verba, que agora


poderia ter outros usos sociais


ou evitar o aumento da dívida,


para gastos que nada têm a ver


com a emergência. É preocu-


pante”, afirma Lisboa. Ele vê ris-


co de outros gastos não essen-


ciais acabarem passando sob a


mesma estratégia.


Após a decretação de calami-


dade pública pela covid-19, o


Congresso aprovou um regime


fiscal extraordinário conhecido


como “Orçamento de Guerra”,


que na prática livra os gastos de


combate à pandemia das amar-


ras fiscais impostas pela legisla-


ção brasileira.


Para um ex-integrante do


Banco Central ouvido sob a con-


dição de anonimato, o remane-


jamento de recursos do Bolsa


Família para a Secom “parece


transferir despesas não emer-


genciais para o orçamento de


guerra”.


O uso indevido de créditos ex-


traordinários pela ex-presiden-


te Dilma Rousseff (PT) foi alvo


de questionamentos no Tribu-


nal de Contas da União (TCU).


Na semana passada, a equipe


econômica convocou uma en-


trevista coletiva para defender


a legalidade da ação. O princi-


pal argumento foi o de que os


beneficiários do Bolsa Família


não deixaram de receber os pa-


gamentos. O programa, porém,


acumula uma fila de 433 mil ele-


gíveis e que ainda não tiveram a


concessão do benefício.


Controversa. A discussão so-


bre a triangulação é controver-


sa. O diretor da Consultoria de


Orçamento e Fiscalização Fi-


nanceira (Conof) da Câmara,


Ricardo Volpe, disse não ver dri-


ble ao teto ou às regras fiscais,


embora tenha classificado o re-


manejamento de “barbeiragem


orçamentária” por tirar dinhei-


ro da área social para dar a uma


área que não tem relação com o


combate à pandemia.


Volpe também reconhece


que a flexibilização de regras fis-


cais para viabilizar os gastos da


pandemia pode ter efeitos cola-


terais. “Quando se tira a necessi-


dade de cumprir regras pode,


nessa carona, entrar despesas


que não tinham caráter tão


emergencial”, afirma.


Na área econômica, a avalia-


ção é de que a sobra na dotação


do Bolsa Família “cumpre tecni-


camente” a possibilidade de re-


manejar recursos para outra


área. Mesmo assim, já se fala in-


ternamente em não atender a


outras demandas dos órgãos ou


até reduzir o valor de um novo


crédito extraordinário numa


efetiva prorrogação do auxílio


emergencial para absorver a


“folga” deixada pelo Bolsa.


Procurado, o Ministério da


Economia não se manifestou.


Marlla Sabino


Emilly Behnke / BRASÍLIA


O ministro da Economia, Paulo


Guedes, indicou na noite de on-


tem que o governo apresentará


um novo formato do Bolsa Fa-


mília, que passaria a se chamar


Renda Brasil. O chefe da pasta


de Economia fez uma breve ex-


plicação do que seria o progra-


ma de auxílio para famílias de


baixa renda em reunião com ou-


tros ministros e lideranças par-


tidárias.


Guedes disse aos parlamenta-


res que a intenção seria tirar fai-


xas da população da linha de po-


breza após a pandemia do novo


coronavírus, mas não deu deta-


lhes sobre valores e prazos para


lançamento. Os ministros Luiz


Eduardo Ramos, da Secretaria


de Governo da Presidência, e


Braga Netto, da Casa Civil tam-


bém participaram da conversa.


A reformulação seria uma for-


ma de o governo deixar sua mar-


ca social e desvincular a ima-


gem do programa de gestões pe-


tistas. A intenção já era anuncia-


da desde o ano passado pelo en-


tão ministro da Casa Civil,


Onyx Lorenzoni, hoje à frente


da pasta da Cidadania.


Atualmente, 13,9 milhões de


famílias estão cadastradas no


Bolsa Família.


Em entrevista à rádio Jovem


Pan, Onyx chegou a mencionar


ontem a proposta. Segundo ele,


o governo trabalha em um pro-


grama de renda mínima. Ele afir-


mou que a intenção é criar uma


porta de entrada para os mais


vulneráveis, para que possam fi-


car o tempo que precisarem de


ajuda. “Não pode todo mundo


viver à custa do Estado.”


Auxílio emergencial. Guedes


falou ainda aos parlamentares


os planos do governo de conce-


der outras duas parcelas do au-


xílio emergencial no valor de R$



  1. A proposta aprovada em


abril pelo Congresso, garantiu


o pagamento de R$ 600 men-


sais por três meses. O governo


ainda pagará a última parcela. O


programa já concedeu o benefí-


cio a 58,6 milhões de brasilei-


ros. A equipe econômica avalia


editar uma medida provisória


para ampliar o período de dura-


ção do auxílio, criado para dar


suporte a trabalhadores infor-


mais, autônomos, desemprega-


dos e microempreendedores in-


dividuais durante o período


mais agudo da crise provocada


pela pandemia.


Inicialmente, a equipe econô-


mica cogitou prorrogar o auxí-


lio em três parcelas de R$ 200,


mas o valor estava sendo visto


como baixo para repassar às fa-


mílias. Por isso, a ideia de pagar


mais duas prestações de R$ 300


tem sido considerada uma boa


saída por manter o custo adicio-


nal ao redor dos R$ 50 bilhões e


ainda prestar assistência às fa-


mílias por um período maior


que o inicial, uma vez que elas


ainda estão sentindo no bolso


os efeitos da crise.


A prorrogação do benefício


deve ser um primeiro passo na


direção da discussão mais am-


pla sobre a criação de uma renda


básica no Brasil. Como mostrou


o Estadão/Broadcast, a equipe


econômica quer atrelar esse de-


bate a uma revisão de gastos so-


ciais considerados ineficientes.


Na mira dos técnicos estão gas-


tos como abono salarial, segu-


ro-defeso (pago a pescadores ar-


tesanais no período de reprodu-


ção dos peixes, quando a pesca é


proibida) e farmácia popular.


Na área econômica, a avalia-


ção é de que esse debate deve


começar, mas “sem pressa”. A


ideia é discutir detalhadamente


como melhorar a alocação dos


recursos que já existem no Orça-


mento para fortalecer as políti-


cas sociais e melhorar a distri-


buição de renda. Alguns dos be-


nefícios existentes hoje, como


o próprio abono ou a farmácia


popular, acabam contemplan-


do até mesmo famílias de renda


mais alta.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lMovimentação


lAlerta


Banco Mundial prevê queda de 8% no PIB deste ano. Pág. B3}


Recursos do programa foram usados para ampliar verba publicitária do governo, operação está sendo chamada de ‘triangulação’,


pois ‘sobra’ de R$ 83,9 milhões foi destinada à Secom; Lisboa teme que outros gastos não essenciais passem sob a mesma estratégia


R$ 2,4 bi


foi a queda do gasto mensal do


Bolsa Família com a migração


dos beneficiários para o auxílio


emergencial


R$ 83,9 mi


da ‘sobra’ dos R$ 2,4 bi do orça-


mento do Bolsa Família foram


direcionados para o Secom


ISAC NÓBREGA/PR–6/6/

Guedes sinaliza reforma


do Bolsa Família, que


deve ser embrião de


um programa de


renda básica no País


“Não pode todo


mundo viver à custa


do governo (sobre


programa de renda


mínima).”


Onyx Lorenzoni


MINISTRO DA CIDADANIA


EM ENTREVISTA ONTEM


À RÁDIO JOVEM PAN


Programa deverá


ser rebatizado com o


nome de Renda Brasil


Plano. Guedes falou ainda da prorrogação dos R$ 600

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