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B6 Economia TERÇA-FEIRA, 9 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
PEDRO
FERNANDO NERY
O
s protestos pelo assassinato
de George Floyd e a morte
do menino Miguel trazem a
questão racial para as principais
páginas dos jornais, que já davam
atenção a outro debate em que a
questão racial estava apenas oculta:
o da renda básica.
No Brasil, 60% dos meninos ne-
gros de 5 anos, como Miguel, vivem
abaixo da linha da pobreza; 20%
abaixo da linha da extrema pobre-
za, já com riscos elevados de fome e
desnutrição. As taxas, para meni-
nos e meninas, caem com a idade.
Ao redor dos 20 anos, cairá menos
para mulheres, que serão mais po-
bres seja pela maternidade seja pe-
los incentivos adversos no merca-
do de trabalho. Entre as mulheres
negras duas a cada cinco vivem na
pobreza e uma a cada sete na pobre-
za extrema na faixa etária de Mirtes, a
empregada doméstica cujo filho foi
abandonado pela patroa no elevador.
Essa população tende a ser especial-
mente beneficiada por programas de
transferência de renda incondicio-
nais. Não à toa, nos Estados Unidos o
debate da renda básica universal por
vezes entremeia o de políticas de repa-
ração pela escravidão.
Já em 2016, o movimento Black Li-
ves Matter manifestou apoio à renda
básica universal, com valores suple-
mentares para a população negra – re-
paração pela colonização, escravidão
e encarceramento em massa. No argu-
mento do movimento, os negros tam-
bém seriam os principais afetados pe-
las mudanças tecnológicas ocorren-
do no mundo do trabalho, que amea-
çariam sua renda com desemprego e
precarização.
Os benefícios existentes nos EUA
hoje seriam inferiores à renda básica,
seja porque atrelados ao trabalho,
mais difícil para o grupo, seja porque
focados em alimentação – o que o
Black Lives Matter considera um pater-
nalismo de premissas racistas sobre o
consumo dessa população.
A despeito da falta de pesquisas espe-
cíficas sobre o tema, não é difícil perce-
ber que a desigualdade racial é marcan-
te em nosso orçamento. Na educação,
apesar do avanço com as cotas no ensi-
no superior, ainda não avançamos so-
bre um problema mais estrutural: a ên-
fase desproporcional nas fases mais
avançadas no ensino e a evidente negli-
gência com a educação infantil.
Investimos muito pouco em cre-
ches, cujo público reúne exatamente
os mais pobres dos brasileiros: bebês
de origem negra são os mais afetados
pela pobreza e extrema pobreza na
comparação com quaisquer outra ida-
de ou cor. Essas políticas também ob-
viamente beneficiam a renda de suas
mães (um grupo muito vulnerável co-
mo vimos nos dados do pesquisador
Daniel Duque abrindo este texto), que
passam a ter possibilidades ampliadas
de trabalho.
Não para aí. Dois terços dos servido-
res federais são brancos, 3/4 dos che-
fes de família do Bolsa Família são ne-
gros. A folha de pagamento com servi-
dores supera R$ 300 bilhões, a do Bol-
sa Família não chega a um décimo dis-
so. É justamente o Bolsa Família o pre-
cursor do auxílio emergencial, e pon-
to de partida para qualquer renda bási-
ca mais robusta.
Dados indicam ainda que as aposen-
tadorias precoces beneficiam muito
mais os brancos: a taxa dos que estão
aposentados aos 52 anos é 40% maior
do que a dos negros. Essa desigualdade
é fruto de um modelo em que quem
tem melhor inserção no mercado de
trabalho se aposenta mais cedo, en-
quanto quem passa mais tempo no de-
semprego ou na informalidade se apo-
senta bem depois.
É um problema a proteção social ser
primordialmente associada à carteira
assinada. Se 60% dos brancos na força
de trabalho tinham uma ocupação for-
mal em 2018, a taxa era de somente
40% para negros.
Só que salários de servidores e be-
nefícios oriundos do emprego for-
mal – como os da Previdência e os
do FAT – respondem por mais de
70% do gasto primário do governo
federal.
Nos últimos anos, a questão ra-
cial do orçamento pouco mobilizou
a sociedade. Se chegou a ser mencio-
nada nos documentos tecnocráti-
cos das reformas, foi veementemen-
te rechaçada pelos grupos progres-
sistas mais sensíveis ao tema. Em
geral, estes foram contra a abertura
do mercado de trabalho formal, ao
controle do gasto com pessoal e a
previdência contributiva.
A renda básica também pode tra-
zer a desigualdade racial do orça-
mento ao centro do debate político.
Quiçá atrelada à revisão dos privilé-
gios tributários dos mais ricos. Nes-
te mês, os patrões de Mirtes não pa-
garão imposto de renda sobre o lu-
cro das quatro empresas que pos-
suem. O sistema tributário está
cheio de verdadeiras rendas básicas
que concedemos à elite, que podem
ajudar a financiar o novo benefício.
]
DOUTOR EM ECONOMIA
Cleide Silva
Pela primeira vez a China des-
bancou o Brasil como maior par-
ceiro comercial da Argentina.
Em abril, o país vizinho expor-
tou US$ 509 milhões para os chi-
neses principalmente em soja e
carne bovina, um aumento de
50,6% ante igual mês de 2019.
Para o mercado brasileiro, as ex-
portações somaram US$ 387 mi-
lhões, queda de 57,3%. Já as im-
portações continuaram favorá-
veis ao Brasil, mas os chineses
encerram o mês com saldo posi-
tivo de US$ 98 milhões no co-
mércio bilateral, e o Brasil teve
déficit de US$ 132 milhões.
No acumulado do quadrimes-
tre, contudo, o Brasil comprou
mais que o dobro de produtos
argentinos se comparado aos
chineses e contabiliza saldo po-
sitivo de US$ 75 milhões, en-
quanto o da China é negativo
em R$ 1 bilhão, segundo dados
do Instituto Nacional de Esta-
tística da Argentina (Indec).
O resultado de abril pode se
manter nos próximos meses, já
que a China têm condições de
financiar grande parte das com-
pras da Argentina – que passa
por grave crise financeira –, ao
contrário do Brasil. Soma-se a
isso as constantes desavenças
entre o governo de Jair Bolsona-
ro com a China, que pode afetar
a relação comercial.
Mesmo sendo um mercado pe-
queno, a Argentina é atraente pa-
ra a China “que vai procurar ocu-
par todos os espaços em todos
os mercados”, avalia José Augus-
to de Castro, da Associação de
Comércio Exterior do Brasil
(AEB). Ele ressalta ainda que, no
caso das importações, os chine-
ses oferecem descontos de até
75% no valor das mercadorias.
“No curto prazo não tem co-
mo reverter isso, pois o custo
Brasil continua alto”, afirma
Castro. “Mas se o Brasil deixar a
China colocar seus pés na
América do Sul, ela vai ocupar
todos os países da região.”
O principal produto da balan-
ça comercial brasileira com o vi-
zinho são automóveis e compo-
nentes, cujos negócios despen-
caram primeiro por causa da cri-
se argentina e agora em razão
da pandemia da covid-19. Além
disso, o governo argentino vol-
tou a colocar barreiras buro-
cráticas e atualmente pelo me-
nos 10 mil veículos, a maioria
produzida no Brasil, está retida
nos portos da fronteira aguar-
dando autorização para entrar
em território argentino.
Para Martín Kalos, economis-
ta e diretor de EPyCA Consulto-
res, da Argentina, a China deve
se consolidar ao longo dos
próximos anos como principal
destino das exportações argen-
tinas. No caso de abril, contu-
do, ele ressalta que o Brasil ain-
da enfrenta problemas para con-
trolar o coronavírus, enquanto
a China já passou dessa fase.
O orçamento branco
China bate Brasil em
comércio com Argentina
lValor acumulado
ESPECIAL CORONAVÍRUS
E-MAIL : [email protected]
ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS
Em abril, a exportação do país vizinho ao mercado chinês cresceu
50%, enquanto para o mercado brasileiro houve queda de 57%
Patrocínio
Realização
TRANSMISSÃO
AO VIVO
assista em: /estadão @estadão @estadão @estadão
VACINAÇÃO
UM ATO DE AMOR EM
TEMPOS DE PANDEMIA
9 de junho é Dia Nacional da Imunização
O Media Lab Estadão e a GSK promovem nesta data, a partir das 9h,
o webinar “Vacinação: um ato de amor em tempos de pandemia”
Webinar
Material dirigido ao público em geral. Por favor, consulte o seu médico. NP-BR-GVX-BRF-200001 – MAIO/
PRESENÇAS CONFIRMADAS:
Drauzio Varella
Médico
Cancerologista
Bárbara Furtado
Pediatra e
Gerente Médica
de Vacinas da GSK
Renato Kfouri
Pediatra
Infectologista
e Presidente do
Departamento
Científi co de
Imunizações
da Sociedade
Brasileira
de Pediatria
Ana Goretti
Kalume
Maranhão
Pediatra do
Programa
Nacional de
Imunizações
do Ministério
da Saúde
Deborah Secco
Atriz e Mãe da
Maria Flor
A mediação é
da jornalista
Rita Lisauskas
É HOJE!
No Brasil, 60% dos meninos
negros de 5 anos vivem
abaixo da linha da pobreza
US$ 2,6 bi
foi o valor das exportações da
Argentina para o Brasil de janei-
ro a abril, queda de 22% ante
- Já a China comprou
US$ 1,21 bilhão, aumento de
4,4% em relação ao ano passado