O Estado de São Paulo (2020-06-09)

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A8 TERÇA-FEIRA, 9 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Jussara Soares


Mateus Vargas / BRASÍLIA


Ludimila Honorato


O Brasil registrou 849 novas


mortes e contabilizou mais


19.631 infectados pelo novo


coronavírus nas últimas 24


horas, segundo levantamen-


to conjunto feito pelos veícu-


los de comunicação Estadão,


G1, O Globo, Extra, Folha de S.


Paulo e UOL e divulgado on-


tem. Conforme os dados reu-


nidos, o País soma 710.887 re-


gistros de infectados e 37.


óbitos pela doença. O gover-


no federal tem sido criticado


por restringir acesso a dados


sobre o avanço da pandemia.


No último dia 3, quando o Bra-


sil bateu recorde de óbitos pela


doença (1.349), a gestão Jair Bol-


sonaro atrasou a divulgação do


balanço. O boletim só foi libera-


do às 22 horas – e costumava


sair entre 19h e 20h. O atraso


continuou nos boletins seguin-


tes e, no dia 5, Bolsonaro disse:


“Não vai ter matéria no Jornal


Nacional”, referindo-se ao noti-


ciário da TV Globo, o de maior


audiência no País. Naquele dia,


a plataforma online do governo


com dados de infecções e mor-


tes também saiu do ar.


Além do atraso na divulgação


de estatísticas, a gestão Bolso-


naro sinalizou que iria “recon-


tar” mortos por covid, alegando


notificações a mais por Estados


e municípios. As declarações e a


postura do governo foram alvo


de críticas por parlamentares,


juristas e cientistas, além da Or-


ganização Mundial da Saúde


(leia mais na pág. A9).


Após a forte repercussão ne-


gativa, o ministério recuou e vol-


tou a divulgar os números por


volta das 18 horas ontem – e pro-


meteu manter esse padrão. Con-


forme o balanço de ontem do


ministério, houve 679 novas


mortes e 15.654 casos a mais.


A mudança na forma como o


governo divulga dados da doen-


ça ocorreu após Bolsonaro de-


terminar que o número de mor-


tes ficasse abaixo de mil por dia.


A ordem foi repassada ao minis-


tro interino da Saúde, general


Eduardo Pazuello, que entre-


gou a demanda a sua equipe.


Para se enquadrar no limite


imposto, a solução foi separar


óbitos ocorridos nas últimas 24


horas dos que haviam ocorrido


em dias anteriores, mas só con-


firmados naquele período.


Antes, o ministério somava


todas as mortes registradas em


um mesmo dia, independente-


mente de quando ela havia ocor-


rido. Com a dificuldade de fazer


testes e processar esses exa-


mes, parte dos óbitos leva mais


de um mês para ter o diagnósti-


co confirmado.


A estratégia do Palácio do Pla-


nalto é uma tentativa de de-


monstrar que não há escalada


da doença fora de controle e, ao


mesmo tempo, apontar que há


exagero da imprensa. A ideia é


mostrar que o número de mor-


tes nunca esteve acima de mil


por dia, mas só a consolidação


dos dados de pacientes que mor-


reram em datas anteriores.


A ginástica na forma como tra-


ta os dados foi sugerida em um


vídeo do empresário Luciano


Hang, dono das lojas Havan e


defensor de Bolsonaro, no qual


diz “não condizer com a realida-


de” informar que mais de mil


mortes pela covid-19 foram con-


firmadas num único dia. A publi-


cação do apoiador do governo


foi enviada pelo secretário exe-


cutivo da Saúde, coronel Elcio


Franco Filho, a sua equipe. A


distribuição do vídeo foi noti-


ciada pelo jornal Valor Econômi-


co e confirmada pelo Estadão.


A soma dos dados segue o pa-


drão internacional. O proble-


ma de dividir os números é que


a pasta deixaria de fora pacien-


tes que tiveram a morte confir-


mada por covid fora do período


contabilizado. Uma pessoa que


morreu na segunda, mas só te-


ve a comprovação da causa um


dia depois, não apareceria na es-


tatística de terça nem em qual-


quer outra, uma vez que o gover-


no não divulga mais o histórico.


Pazuello, que não é médico,


assumiu provisoriamente o co-


mando da Saúde em 15 de maio


e tem adotado medidas que


atendem ao desejo de Bolsona-


ro: já ampliou orientações de


uso da cloroquina, demitiu fun-


cionários que assinaram nota


sobre aborto e acabou com as


entrevistas diárias de técnicos


sobre a pandemia. Os ex-minis-


tros Luiz Henrique Mandetta e


Nelson Teich deixaram o gover-


no após resistirem em seguir di-


retrizes do Planalto.


Recuo. Segundo Franco, o mo-


tivo das mudanças na divulga-


ção foram “técnicos”. “Esta-


mos numa análise de melhoria


de processos. Precisamos da ali-


mentação dos dados por parte


de Estados e municípios”, disse


Franco. “Não houve interferên-


cia de ordem alguma nesse tra-


balho, que é de ordem técnica.”


O secretário substituto de Vi-


gilância, Eduardo Macário, dis-


se que o governo não está mini-


mizando os dados. “Pelo contrá-


rio, a gente quer comunicar da


melhor forma possível.” O mi-


nistério promete divulgar da-


dos em uma “plataforma intera-


tiva”, a ser lançada esta semana.


Veículos formam parceria para


dar transparência aos dados


Em resposta à decisão do gover-


no Jair Bolsonaro de restringir


o acesso a dados sobre a pande-


mia de covid-19, os veículos Es-


tadão, Folha de S.Paulo, O Glo-


bo, Extra, G1 e UOL decidiram


formar uma parceria e traba-


lhar de forma colaborativa para


buscar as informações necessá-


rias nos 26 Estados e no Distrito


Federal.


Em uma iniciativa inédita,


equipes de todos os veículos


vão dividir tarefas e comparti-


lhar as informações obtidas pa-


ra que os brasileiros possam sa-


ber como está a evolução e o to-


tal de óbitos provocados pela


covid-19, além dos números


consolidados de casos testados


e com resultado positivo para o


novo coronavírus. O balanço


diário será fechado às 20 horas.


O governo federal, por meio


do Ministério da Saúde, deveria


ser a fonte natural desses núme-


ros, mas atitudes recentes de au-


toridades e do próprio presiden-


te colocam em dúvida a disponi-


bilidade de dados e sua precisão.


Mudanças feitas pelo Ministé-


rio da Saúde na publicação de


seu balanço da pandemia redu-


ziram a quantidade e a qualida-


de dos dados. Primeiro, o horá-


rio de divulgação, que era às 17


horas na gestão do ministro


Luiz Henrique Mandetta (até


17 de abril), passou para as 19


horas e depois para as 22 horas.


Isso dificulta ou inviabiliza a pu-


blicação dos dados em telejor-


nais e veículos impressos. “Aca-


bou matéria no Jornal Nacio-


nal”, disse o presidente Jair Bol-


sonaro, em tom de deboche, ao


comentar a mudança.


A segunda alteração foi de ca-


ráter qualitativo. O portal no


qual o ministério divulga o nú-


mero de mortos e contamina-


dos foi retirado do ar na noite


da última quinta-feira. Quando


retornou, depois de mais de 19


horas, passou a apresentar ape-


nas informações sobre os casos


“novos”, ou seja, registrados no


próprio dia. Desapareceram os


números consolidados e o his-


tórico da doença desde seu co-


meço. Também foram elimina-


dos do site os links para down-


loads de dados em formato de


tabela, essenciais para análises


de pesquisadores e jornalistas,


e que alimentavam outras ini-


ciativas de divulgação.


Entre itens que deixaram de


ser publicados estão: curva de


casos novos por data de notifica-


ção e por semana epidemiológi-


ca; casos acumulados por data


de notificação e por semana epi-


demiológica; mortes por data


de notificação e por semana epi-


demiológica; e óbitos acumula-


dos por data de notificação e


por semana epidemiológica.


Neste domingo, o governo


anunciou que voltaria a infor-


mar seus balanços sobre a doen-


ça. Mas mostrou números con-


flitantes, divulgados no interva-


lo de poucas horas.


Em razão das omissões, a par-


ceria entre os veículos de comu-


nicação vai coletar os números


diretamente nas secretarias es-


taduais de Saúde. Cada órgão


de imprensa divulgará o resulta-


do desse acompanhamento em


seus respectivos canais. O gru-


po vai chamar a atenção do pú-


blico se não houver transparên-


cia e regularidade na divulgação


dos dados pelos Estados.


“É triste ter de produzir esse


levantamento para substituir


uma omissão das autoridades


federais. Transparência e ho-


nestidade deveriam ser valores


inabaláveis na gestão dessa pan-


demia. Vamos continuar cum-


prindo nossa missão, que é in-


formar a sociedade”, afirmou


João Caminoto, diretor de Jor-


nalismo do Grupo Estado.


“A missão do jornalismo é in-


formar. Em que pese a disputa


natural entre veículos, o mo-


mento de pandemia exige um


esforço para que os brasileiros


tenham o número mais correto


de infectados e óbitos”, afir-


mou Ali Kamel, diretor-geral de


Jornalismo da Globo (TV Glo-


bo, GloboNews e G1). “Face à


postura do Ministério da Saúde,


a união dos veículos de impren-


sa tem esse objetivo: dar aos bra-


sileiros um número fiel.”


“Numa sociedade organiza-


da como a brasileira, é pratica-


mente impossível omitir ou des-


figurar dados tão fundamentais


quanto o impacto de uma pan-


demia. Com essa iniciativa con-


junta de levantamento de da-


dos com os Estados, deixamos


claro que a imprensa não permi-


tirá que nossos leitores fiquem


sem saber a extensão da covid-


19”, afirmou Sérgio Dávila, dire-


tor de Redação da Folha.


“Neste momento crucial, dei-


xamos nossa concorrência de la-


do por um bem comum: levar à


sociedade o dado mais preciso


possível sobre a pandemia. Es-


sas informações orientam as


pessoas e as políticas públicas.


Sem elas, o país mergulha em


um voo cego. O jornalismo cum-


prirá seu papel”, afirmou Alan


Gripp, diretor de redação de O


Globo.


“É nossa responsabilidade co-


tidiana transmitir informações


confiáveis para a sociedade. E,


agora, no momento mais agudo


da pandemia, precisamos asse-


gurar à população o acesso a da-


dos corretos o mais rápido pos-


sível, custe o que custar”, disse


Murilo Garavello, diretor de


Conteúdo do UOL.


“O jornalismo tem a missão


de levar à população os núme-


ros mais precisos sobre a pande-


mia. É fundamental conhecer a


real extensão dos fatos. Esses


dados são decisivos para que as


pessoas saibam como agir nes-


se momento tão difícil”, desta-


cou Humberto Tziolas, diretor


de redação do Extra.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


PARA ENTENDER


Ter transparência e qualida-


de na divulgação dos dados


sobre casos de infecção pelo


novo coronavírus e mortes


em decorrência da covid-19 é


fundamental para compreen-


der a evolução da pandemia.


Isso é válido para o Brasil e o


mundo. É isso que mostra on-


de novos casos estão surgin-


do, onde a epidemia ainda


está em curva ascendente e


onde ela está arrefecendo.


Sem clareza e segurança so-


bre esses números, é impossí-


vel tomar decisões sobre


quais lugares precisam de re-


forço para a abertura de no-


vos leitos de Unidade de Tera-


pia Intensiva (UTI), a oferta


de respiradores ou mesmo


em quais é possível iniciar os


movimentos de abertura do


isolamento social.


Brasil tem 849 novas mortes; Bolsonaro


interferiu para reduzir nº de registros


Metrópole


lOmissão


Jornalistas de Estadão,


G1, O Globo, Extra, Folha


e UOL vão coletar nas


secretarias dados de


mortes e infectados


OMS e Congresso pressionam governo por dados. Pág. A9 }


Dado embasa


decisões


TARSO SARRAF / AFP

País soma 37.312 óbitos e 710.887 infectados, segundo levantamento conjunto feito por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha de S. Paulo e


UOL; presidente ordenou ao Ministério da Saúde mudar forma de divulgação de boletins diários após recorde de vítimas semana passada


Sobrecarga. Trabalhadores protegidos por roupa e máscara contra a covid-19 carregam caixão de vítima da doença, em cemitério de Breves, no Pará


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“É triste ter de produzir


esse levantamento para


substituir uma omissão das


autoridades federais.


Transparência e


honestidade deveriam ser


valores inabaláveis na


gestão dessa pandemia.”


João Caminoto


DIRETOR DE JORNALISMO


DO GRUPO ESTADO

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