Valor Econômico (2020-06-09)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 8 da edição"09/06/20201a CADB" ---- Impressa por cgbarbosaàs 08/06/2020@21:35:


B8| Valor|Te rça-feira, 9 dejunhode 2020

Empresas|S e r v i ç o s &Te c n o l o g i a


IMPACTOSDO


CORONAVÍRUS


Saraiva Netorenunciouà presidênciado conselho darede,maso Valor apurouquevoltaráa serindicadoemnovachapa

SILVIA COSTANTI/VALOR

AdrianaMattos
DeSãoPaulo

A situação da Livraria Cultura
e da Saraiva piorounos últimos
meses,apósofechamento tem-
porário de suas lojas,obrigando
as redesa definirnovaspropos-
tas aos credoresparatentarsal-
var seusnegócios. Ambas estão
em recuperaçãojudicial.ACul-
tura está apresentando,emreu-
niõesvirtuaisnos últimosdias,
propostacom deságio deaté 80%
em cimado deságio do planoan-
terior, homologadoem2019.
SaraivaeCulturainformaram
em abril e maio, respectivamente,
serem incapazesde seguir com as
condiçõesdos planos de recupera-
ção aprovadospor causa da crise
gerada pela pandemia. A Cultura
seguecom8desuas15lojasfecha-
das e a Saraiva tem apenas 4 pon-
tos abertos, entre as 70 lojas,além
de ambas operarem os seus sites,
apurouoValor.
No caso da Saraiva, a rede dese-
nha uma nova proposta a ser apre-
sentadaemjulho aos credores, en-
quanto perdeimportantes mem-
bros de seuconselho de adminis-
tração (ver ao lado).A família con-
troladora, lideradano colegiado
por Jorge Saraiva Neto, tem quase
66% da empresa. OValorapurou
que a novaproposta da varejista
terá aumento de carência e de des-
contosnadívidaàseditoras.
Na Cultura, as novas condições
oferecidas—eque serão submeti-

das àassembleia geral—aumen-
tam os descontos paratodos os
fornecedorese locadores de pon-
tos, menospara os bancos. A dívi-
datotaldaredecontroladapelafa-
míliaHerzsomaR$285milhões.
Para fornecedores classificados
como “incentivadores 1”, como
editorasde livros,arede propõe
umdeságiode80%nadívidasobre
valorjá descontado em 25% no
plano homologadopela Justiça
em abril de 2019. Nestegrupoes-
tãoeditoriasquemantiveramen-
tregas à rede até 60 dias após a ho-
mologaçãodoplano.Osdébitos
devem ser pagos em 30 parcelas
trimestrais(anteseram 48 ),com
carênciade30meses(eram24).
“Nomundodasfinanças,existe
juros sobre juros, eno mundo das
livrarias,criamosodeságiosobreo
deságio. Nós entendemosomo-
mento, mas é algo difícil de engo-
lir.Easeditorasjá acharam novo
caminho para essa crise do setor
que se chamaAmazon. As coisas
mudaram enão se dependemais
tantoda Cultura ou da Saraivaho-
je”, diz o diretor de umaeditora
médiadeSãoPaulo.
Aos chamados “fornecedores
incentivadores2”,queincluemou-
trogrupodeeditorascomcréditos
sem garantiae quenão pararam
de fornecer àrede no fim de 2018,
éoferecido deságio de 70% sobrea
dívida. No plano anterior,não ha-
via desconto paraesse grupo.O
prazodos parcelamentostrimes-
trais é menor, 21 vezes(eram 48),
mantendoacarênciadedoisanos.
Para os donos de imóveis (como
shoppings e locadores de lojasde
rua que mantiveram contratode
locação após decretação da recu-

peração judicial), o deságio ofere-
cido é de 80% em cima dos 30% de
desconto do plano anterior. O nú-
merode parcelas trimestrais sobe
de 20 para 30, eacarência de um
ano passa para dois anosemeio.
“Há locadores que não contam
maiscom aentrada dessesrecur-
sos, tantoda Cultura, quanto da
Saraiva”,dizumcredorqueesteve
numareuniãovirtualdaCultura.
Paraosbancosporém,chama-
dosnoplanode“financeirosestra-
tégicos”,nãohouvemudançasnas
condições da Cultura, mesmocom
acrisegeradapelapandemia.“A
informação que temoséque os
bancosprivadosnãoestãoliberan-
do linhasnovas. Mas não estão
executandoasantigas.Seamplias-
se o ágio, talvez essa situaçãopio-
rasse”,acrescentaocredor.
Os bancos que estão no grupo
dos sem garantia decréditos (mas
suspenderamcobrançaspassadas
na Justiça)continuam comdesá-
gio de 30%.As instituiçõescom
crédito garantido, mas que libera-
ram recebíveis paraarede desde
que entrou em recuperação, conti-
nuaram sem qualquer deságioem
suas dívidas. A versão da nova pro-
postafoiconcluídanodia3.
Acompanhia mencionou,nas
reuniões com credores, a possibili-
dadede fechar maislojascaso
acordos de renegociaçãode loca-
ção não sejam concluídos.Ainda
relatou que as 7unidades que rea-
briram as portasapós março, fatu-
ram30%doprevistopelarede.
Aempresavoltouafalarquepo-
devenderumaparticipaçãodone-
gócio a potenciais interessados,
sem mencionar detalhes. Procura-
da,aempresanãosemanifestou.

Menoslojasealteraçõesnoconselho


DeSãoPaulo

O fechamentotemporáriodo
comércionopaísafetouduramen-
te a Saraiva eobrigou a empresa a
voltar arenegociar com credores
apenas oito meses após o planode
recuperaçãojudicial ter sido ho-
mologado,emsetembrode2019.
Arede tem 97% de seus pon-
tos em shopping centers,setor
que aindaabreas portaslenta-
mente e comritmode vendas
abaixo de lojasde rua, segundo
varejistas.A Saraivasomava 70
pontos ao fim de abril.A rival
Cultura tem duasde suas 15 lo-
jas fora de shoppings,umade-
las, uma “megastore”.
Em maio, aSaraiva informou
em comunicadoa funcionários o
fechamento de 7 pontos em shop-
pings.Alémdisso, outras12 eram
consideradoscomo“possíveis fe-
chamentos”,segundoacarta, apu-
rou oValor.“As lojashistorica-
mente deficitárias e para as quais
não enxergamos a curto prazore-
versão,aocontrário,comacrisete-

rãoseusresultadosaindapiores,
decidimospelofechamento em
maioejunho”,escreveuDericGui-
lhen,presidente interino, na men-
sagem aos empregados.Desde iní-
cio de 2018,com dívidas de R$ 675
milhões,aredefechou45lojas.
Neste momento, aempresa co-
meçaa sondarcredores sobre as
novas condiçõesdo planode recu-
peraçãojudicial. A partir de abril,
são 60 dias para apresentar a pro-
posta e mais 30 dias para objeções.
A empresa chamou aGaleazzi &
Associados para ajudar amontaro
plano,dizemduasfontes.
Ao mesmotempo, aSaraiva
perdeu membros do conselho
de administraçãorelevantesdo
ponto de vista estratégico.
Na noitede sexta-feira,a rede
informouque quatrodos cinco
membros do colegiadoapresen-
tarampedidode substituiçãoe
renúncia, incluindo seu presi-
dente,JorgeSaraivaNeto.OVa-
lorapurou,no entanto,que ele
devevoltara ser indicado pelos
controladoresnumanovachapa.

SaraivaNetorenunciouparaque,
comasaídadamaioriadosmem-
bros, houvesse assembleia de
acionistas sobreas mudançasno
colegiado,dizumafonte.
Chamouaatenção ofato de te-
rem renunciadoovice-presidente
do conselho,Augusto Cruz Filho, e
os conselheiros Antônio Salvador
dos Santos eMaria Cecília Gonçal-
ves. Os dois primeiros eram nomes
indicados por headhunter, esta-
vamnocargohámenosdeseisme-
sesetinhamoavaldecredores.
Asaída de Maria Cecília causou
surpresa no mercado. Ela é conse-
lheiradaempresaháquase1 5
anose era vistacomo aprincipal
opositora à família Saraiva. Seu
pai, Ruy Gonçalves, lideroua em-
presa até 2010. “Muitas vezesela
não concordava com a família,
mas era sempre ouvida. A ‘Sissi’
[apelidodeMariaCecília]saiupor-
que entendeuque, agora, não tem
muito maisa adicionaràempre-
sa”, diz uma segunda fonte.Procu-
rada,elanãorespondeuaosconta-
tosdareportagem.(AM)

LivrariaRedessentemefeitodacrise;Culturaoferece


deságiodeaté80%sobrevalorjádescontadoemplano


Cultura e Saraiva

propõem condições

mais duras a credor

Em meio à pandemia, EY tenta apagar três‘incêndios’


Auditoria


Ta bby Kindere DanMcCrum
FinancialTimes

Amjad Rihan estava a quase
5 mil quilômetros do imponente
arranha-céu do escritórioda EY
em Dubai quandoseu advogado
ligou para dizerque ele enfim ha-
via vencido uma luta de sete anos
contraseuantigoempregador.
Uma das poucas pessoas no
mundoa levaruma empresa proe-
minente de contabilidadeàJusti-
ça, Rihan processara aEY por de-
miti-lo depois que ele expôs uma
série de supostas atividades ilegais
deuma empresadeourocom sede
em Dubaieum subsequente aco-
bertamentoporseusauditores.
“Nuncapensei em ser um de-
nunciante, mas fazervista grossa
estava fora de cogitação”, disse,
falandode sua casa em Warwick,
na Inglaterra,ondese estabele-
ceuapósfugirdoOrienteMédio.
“A maiorparteda riqueza do
mundoé auditadapor contadores
das ‘Quatro Grandes’. Nem sempre
está é do interesse dos poderosos
apontar quando algo sai errado.”,
disse, referindo-se às quatro maio-
res auditoriasdo mundo —EY,
PwC,DeloitteeKPMG.
Éaprimeiravezqueelefalapu-
blicamentesobreahistóriadesde
que um juiz do Superior Tribunal
da Inglaterra ordenou que a EY
lhe pagasseUS$ 11 milhões, em
abril. O tribunal aceitouo argu-
mento de que aEYhavia partici-
pado de irregularidades contá-
beis.Deacordocomoveredicto,a
empresa conspirou com aKaloti
JewelleryInternational paraes-
conder exportações ilícitas e aju-
dou a encobrirconclusões da au-
ditoria que incluíam suspeitade
lavagemdedinheiro.
AEY, que écomandadapelo
executivo Carmine Di Sabio, tenta
recorrer da decisão do juiz. Aem-
presasustenta que Rihan, quefoi
umdosseussóciosmaisjovensaos

36 anos,é “mentirosoe oportunis-
ta”,segundo osumário do juiz,e
que as acusaçõessão “completa-
mentesemmérito”.
Para aEY, cuja receitaem 2019
somouUS$ 36 bilhões,a batalha
parareverteradecisãojudicial
traz muitomaisriscode reputa-
çãoquefinanceiro.
AsagadaKalotiJewelleryéum
dostrêsincêndiosnomundoque
ogrupoprecisaapagar.Oscasos
atraíram a atençãopara a confia-
bilidadedos controlescentrais
que fiscalizamocomportamen-
todeseusauditorespelomundo.
AEY tambémse deparacom
umainvestigaçãodas autorida-
des supervisoras sobreseu traba-
lho na NMCHealth,grupode
hospitaiscom açõesnegociadas
em Londrese sede em Abu Dha-
bi. Acompanhia quebroueoca-
sopareceseencaminharparaum
dos maioresescândalosdo FTSE

100, índicereferencialdo merca-
do acionáriolondrino. Também
há dúvidascadavez maioresso-
bre sua auditoria da Wirecard,
empresade tecnologiade servi-
ços financeirosque faz partedo
índiceDax 30, referencial do
mercadoalemão, e está no cerne
do que podeser um dos maiores
escândalos contábeis na história
dopós-guerranaAlemanha.
Oenvolvimento da EY nessas
polêmicas ameaça corroersua
forteposiçãodeinfluêncianapo-
lítica britânica exatamente no
momentoemqueosparlamenta-
res estudam propostas agressivas
paradesmembrar as “Quatro
Grandes”auditorias,comoforma
de melhorar a governançaea
qualidadedotrabalhodelas.
O chefeda companhia no Reino
Unido, Steve Varley, é o embaixa-
dor comercial do governopara o
setor de serviços profissionais e faz

partede um conselho do Tesouro
que define as políticas sobre o fun-
cionamentodasempresas.
Os casostambémsão um incô-
modofatordedistraçãoparaaEY
emummomentonoqualascom-
panhias no Reino Unido vêm tro-
cando suaslideranças e prepa-
ram-se para grandes impactos
noslucroscomacrise.
“Ficaremaranhado em um es-
cândalopodeser vistocomomá
sorte;em dois,dá a impressão de
desatenção. Em três,bem,sim-
plesmentedá umamá impres-
são, não é?”, disseum advogado
sênior envolvidonas investiga-
çõessobreaNMCHealth.
Rihanprocessou quatro entida-
desdaEY,incluindoaunidadeglo-
bal eaeuropeia, na Justiça inglesa,
por achar que a responsabilidade
pelo escândalo em Dubai não de-
veriaficarlimitadaàregião.
Acapacidade de manter ocon-
trole de qualidade nessas empre-
sas de serviçosprofissionais, que
têm presença espalhada pelo
mundo eoperam por meio uma
combinação de modelosde fran-
quia ede sociedade, é alvode de-
batenosetorhátempos.
AEYtem um “código de con-
duta global”com o objetivoge-
renciar a éticaeo comportamen-
to de seus 280 mil funcionários
em700escritóriosem150países.
O benefício de ter uma rede in-
ternacionaltão grande é queos
clientes podem ser encaminhados
às empresas parceiras pelomundo
e o dinheiro cobrado fica dentro
do grupo.Fazer parte da rede de
um grande grupo de auditoria ou
escritório de advocacia é um “selo”
que traz credibilidade a pequenas
empresasempaíses quenão têm
famade bonscontroles regulató-
rios. Muitas vezes, essasempresas
recolhemmundialmenteparte do
dinheiro cobrado quando otraba-
lho é bem feito, mas driblam ares-
ponsabilização quando há escân-
dalos, atribuindo aculpa àgover-
nançadoescritóriolocal.

“Nós nos apresentamos como
umasoluçãoglobale,então,quan-
do acontece algumproblema,
acionamos omáximo possível de
barreiras entreoproblema eores-
to da empresa”, admiteo membro
de conselho de administraçãode
umadas“QuatroGrandes”.
Incidentesrecentes têmcoloca-
do em dúvida aeficiência do mo-
delo.AmarcadaKPMGfoiabalada
mundialmentequando os clientes
efuncionários deixaram aempre-
sa na África do Sul por seu envolvi-
mentoem um escândalode cor-
rupção, enquanto a PwC está sen-
doinvestigadanoReinoUnidopor
supostas irregularidadesem seu
escritório na Itáliapelotrabalho
deauditoriadaoperadoraBT.
NocasodaEY,aestruturamulti-
nacional agravasuas trêscrises. As
quatroentidadesprocessadas por
Rihanna Justiça sustentaramque
não foram responsáveis pela for-
ma como ele foi tratado.Ojuiz re-
jeitou a ideia. “Concordo coma
submissão do requerentede que a
EY Dubai eoutras organizações da
EY sediadas localmente estavam
subordinadas à EY Global”, disse,
segundo overedicto. AEYsedisse
“surpresa e decepcionada”, depois
doanúnciodadecisão.
“Foi otrabalho de umaequipe
de garantiade qualidade da EY
Dubai que descobriu sérias irregu-
laridades e as comunicou às auto-
ridadesapropriadas”, destacou a
empresa. Inicialmente, a Kaloti
Jewellery negava qualquer proble-
ma,sustentandoquehaviarealiza-
dotodasaschecagensapropriadas
contraalavagemdedinheiro.
No caso da NMCHealth, aaudi-
toriafoiassinadaemLondres,ape-
sar de amaior partedos ativos e
operações da empresaestar no
OrienteMédio.Ascontasde2012e
2013mostramque aNMC Health
pagoumaisda metade das taxas
de auditoria à EY nos Emirados
Árabes, indicandoque um grupo
de funcionários na região realizou
grande parte do trabalho, mesmo

depois de a empresater aberto o
capitalnaBolsadeLondres.
Em maio, o órgão supervisor do
setor de contabilidade no Reino
Unido anunciou uma investigação
sobre a auditoria das contas da
NMCHealthrelativa a2018. No
fim de 2019, ofundo de hedge
MuddyWatersquestionou a rela-
çãoentreaEYeaNMCHealth,des-
tacando que oconselho de admi-
nistraçãoda empresaincluía anti-
gos sócios das “QuatroGrandes”.
Argumentou também que as mar-
gensdelucrodaNMCHealtheram
“boas demais paraser verdade”e
que um “relacionamentoafável”
entre aEY eseu cliente resultava
em“faltaderigor”nasauditorias.
Agora,advogadosqueassesso-
ram o conselhodaNMC Health e
os representantesda Alvarez&
Marsal,que foramindicadosco-
mo liquidantesdo escritórioda
empresaem Londres,vão preci-
sar destrinchar anos de negócios
paradescobrir comoUS$ 4bi-
lhõesemdívidasnãoinformadas
passarampela auditoria sem ser
detectadas.Isso poderia expora
EY, que ganhou14 milhõesde li-
bras esterlinas(US$ 17,73mi-
lhões)pelosserviçosdeauditoria
ao longode sete anos,apossíveis
acusaçõesdenegligência.
A EY informouquevai cooperar
integralmente com a investigação
do Conselho de ContabilidadeFi-
nanceira (FRC),órgãosupervisor
do setor no Reino Unido,eacres-
centouque seriainadequado fazer
comentáriossobreaNMCHealth.
Nocasoda Wirecard, otrabalho
de auditoria foi realizado por só-
cios da EY na Alemanha,que tam-
bém eram responsáveis por moni-
toraras operações da empresa em
Dubai, que estãono cernedas acu-
saçõesdelucrosfraudulentos.
AEY destacouao “FinancialTi-
mes”que compreendeseu “pa-
pel vital de servirointeressepú-
blicoe de fomentara confiançae
a segurançanos mercados
decapitais”.

PATRICK T. FALLON/BLOOMBERG

EY, dirigidaporCarmine Di Sabio,procura recorrerdedecisãojudicial

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