O Estado de São Paulo (2020-06-10)

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A10 Metrópole QUARTA-FEIRA, 10 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Vinicius Valfré / BRASÍLIA


Levantamento feito pelo Con-
selho Federal de Medicina
(CFM) em parceria com a Uni-
versidade de São Paulo (USP)
apontou que o Brasil passou a
ter mais 9.653 médicos nos cin-
co primeiros meses do ano. Os
novos registros foram influen-
ciados pelo crescimento da
oferta de cursos e vagas de me-
dicina nos últimos anos e tam-
bém pela antecipação de forma-
turas para reforço de frentes
contra a covid-19.
Desde 2000, 280.948 médi-
cos saíram das faculdades, ou
seja, uma média de 14 mil ao
ano. Em 2020, em cinco meses,
o País formou quase 70% da mé-
dia anual das quase últimas
duas décadas.
Ao todo, hoje, o Brasil conta
com 523.528 médicos com regis-
tros ativos nos conselhos regio-
nais. Desses, 422 mil (80%)


têm menos de 60 anos. Portan-
to, estão fora a faixa etária de
risco e poderiam, caso não te-
nham comorbidades, atuar na
linha de frente do combate ao
novo coronavírus.
Para o CFM, o resultado mos-
tra um contingente significati-
vo em “condições de engros-
sar” o enfrentamento à doen-
ça. O levantamento não deta-
lhou as especialidades de cada
um dos profissionais. Apesar

do quantitativo, a distribuição
dos profissionais pelo Brasil in-
dica a concentração deles em
grandes centros.
Os Estados que mais lidam,
proporcionalmente, com mor-
tos pelo novo coronavírus não
são os que têm maior número
de profissionais da medicina
por habitante. É o caso, por
exemplo, do Amazonas. Com
548 óbitos para cada milhão de
habitantes, o Estado do Norte
do País é o apenas o 23.º em to-
tal de médicos por pessoa. Há
menos de dois profissionais pa-
ra cada mil moradores.
No Ceará, conforme dados
consolidados até a segunda-fei-
ra pelas secretarias estaduais,
eram 459 mortos por milhão de
habitantes. Em proporção de
médicos comparados com a po-
pulação, o Estado era só o 18.º.
Donizetti Giamberardino, vi-
ce-presidente do CFM, afirma
que as causas do desequilíbrio
na distribuição de médicos pelo
País são históricas e não podem
ser superadas sem uma política
pública consolidada para redis-
tribuição dos profissionais.
“Temos um número suficien-
te de médicos no Brasil para
combater essa situação. A única

coisa que temos, que é uma he-
rança pré-pandemia, é uma
grande desigualdade social. Co-
mo consequência temos uma
má distribuição de médicos pe-
lo Brasil. Os médicos ainda se-
guem a riqueza do Brasil, isso
em virtude de falta de políticas
públicas efetivas de fixação”,
afirmou ao Estadão.

Sem adesão. A desigualdade
também aparece no volume de
adesões ao programa “Brasil
Conta Comigo”, lançado pelo
Ministério da Saúde em busca
de voluntários para atuação
contra o novo coronavírus. Se-
gundo o estudo do CFM, 10.

médicos se apresentaram até o
final de abril.
Mais da metade deles se vo-
luntariaram para centros que in-
cluem São Paulo (19,6%), Mi-
nas Gerais (12,9%), Rio Grande
do Sul (10,3%), Paraná (6,5%) e
Rio de Janeiro (6,2%). Para Ser-
gipe, Tocantins, Roraima, Acre
e Amapá apareceram menos de
100 voluntários em cada um
desses Estados.
“Não há uma política de fixa-
ção do profissional de saúde
nas regiões mais remotas do
nosso Brasil. Não é com coisas
voluntárias que vamos resolver
a distribuição”, opinou Donize-
te Giamberardino.

● Distribuição de médicos pelos Estados e adesão a programa
de voluntários do Ministério da Saúde

ATENDIMENTO

Distrito Federal
Rio de Janeiro
São Paulo

Rio Grande do Sul
Espírito Santo

Minas Gerais
Santa Catarina
Paraná

Mato Grosso do Sul
Goiás
Paraíba

Pernambuco
Tocantins

Rio Grande do Norte
Mato Grosso
Sergipe

Rondônia
Ceará

Bahia
Roraima
Piauí

Alagoas
Amazonas
Acre

Amapá
Maranhão

Pará

MÉDICOS POR 1 MIL HABITANTES CADASTROS NO
CONTA COMIGO*
5,
3,
3,

2,
2,

2,
2,
2,

2,
2,
2,

2,
2,

1,
1,
1,

1,
1,

1,
1,
1,

1,
1,
1,

1,
1,

1,

400
653
2.

1.
315

1.
572
685

143
316
293

336
75

130
195
78

136
342

520
31
189

124
155
30

20
139

189

*O PROGRAMA "O BRASIL CONTA COMIGO" BUSCOU VOLUNTÁRIOS DA SAÚDE PARA
ATUAR POR ATÉ SEIS MESES CONTRA O CORONAVÍRUS
FONTES: CFM, USP E SECRETARIAS ESTADUAIS INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Mateus Vargas /BRASÍLIA


O Ministério da Saúde e re-
presentantes de conselhos de
secretários de Estados e mu-
nicípios discutem a amplia-
ção do diagnóstico da covid-
19 por meio de exames de ima-
gem ou clínico-epidemiológi-
cos. Estas análises conside-
ram, por exemplo, tomogra-
fia, sintomas da doença e con-
tato do paciente com pessoas
infectadas pelo vírus. Na lei-
tura de gestores do SUS que
acompanham o debate, a me-
didas evitaria ficar refém da
disponibilidade de testes.
A discussão ganhou força em
reuniões recentes do ministé-


rio com secretários por causa
da explosão de casos de Síndro-
me Respiratória Aguda Grave
(SRAG) em 2020. Segundo o úl-
timo boletim epidemiológico
da Saúde, com dados de até 25
de maio, há 705% de interna-
ções a mais por estas síndromes
neste ano. São casos de novo co-
ronavírus 31% do total. Outras
66% destas internações são de
síndromes não identificadas ou
de casos em investigação, o que
indica alta subnotificação da
pandemia.
O ministro interino da Saú-
de, Eduardo Pazuello, já mani-
festou otimismo a interlocuto-
res pela adoção de diagnósticos
que não exigem uso dos testes.

A prática é a mesma seguida por
outros países. Alguns Estados
do Brasil também adotam este
tipo de exame para diagnóstico,
mas como exceção.
O ministério cogita, agora, pa-
dronizar e estimular este tipo
de exame. Já na gestão do onco-
logista Nelson Teich a proposta
estava sobre a mesa. Pelo crité-
rio clínico-epidemiológico, a
confirmação se daria a partir da
análise do histórico do pacien-
te, levando em conta se ele apre-
senta sintomas característicos
da covid-19 e teve contato com
pessoas infectadas. Já pelo crité-
rio clínico-imagem, seriam ana-
lisadas alterações tomográficas
de pacientes que tiveram conta-

tos com pessoas infectadas. A
decisão final sobre o diagnósti-
co é do médico.
Técnicos do ministério e de
secretarias locais reconhecem
que o diagnóstico sem o teste
não é o mais preciso, mas afir-
mam que trata-se de medida

emergencial já adotada em ou-
tras epidemias.
Secretários têm relatado ao
Ministério da Saúde dificulda-
de para realizar testes em larga
escala. Um problema, dizem, é
que faltam insumos para apli-
car testes que detectam o mate-
rial genético do vírus (RT-
PCR), como cotonetes do tipo
“swab” para coletar amostras.
Usado para encontrar anticor-
pos para a doença, testes rápi-
dos ainda são usados com caute-
las, pois devem ser aplicados
após o sétimo dia de sintoma da
covid-19, e apresentam, em mui-
tos casos, baixa sensibilidade.
O ministério promete entre-
gar 24,2 milhões de testes RT-

PCR, tido como de “padrão ou-
ro” para diagnóstico. Até agora
só conseguiu distribuir cerca de
3,2 milhões.
A ideia do ministério é cha-
mar especialistas para as próxi-
mas reuniões com representan-
tes de Estados e municípios so-
bre o tema. O diagnóstico sem
uso de teste não é unanimida-
de. “O ideal é que sempre tenha
o exame PCR, com detecção do
material genético do vírus, pois
o quadro clínico da covid-19 é
muito amplo. Ainda estão des-
cobrindo novas possibilida-
des”, afirma o infectologista
Leonardo Weissmann, consul-
tor da Sociedade Brasileira de
Infectologia (SBI).

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Fábio Bispo
ESPECIAL PARA O ESTADO
FLORIANÓPOLIS


O governador catarinense Car-
los Moisés (PSL) poderá ter de
responder no Superior Tribu-


nal de Justiça (STJ) por descum-
primento de portaria assinada
por ele mesmo e que restringe a
realização de eventos em hotéis
e pousadas no Estado.
No sábado, dia 6, Moisés foi fla-
grado em uma festa junina, em
um hotel-fazenda na cidade de
Gaspar, no Vale do Itajaí. Ele apa-
rece, em imagens que foram di-
vulgadas na internet, conversan-
do com pessoas durante uma
apresentação musical e sem usar
máscara. A realização de festas e
shows com aglomeração de pes-

soas no Estado está proibida des-
de o dia 17 de março. O Ministé-
rio Público de Santa Catarina ins-
taurou inquérito policial para
apurar descumprimento dos de-
cretos estaduais que estabele-
cem medidas para enfrentamen-
to à pandemia de covid-19.
De acordo com a promotora
de Justiça Greicia Malheiros da
Rosa Souza, a investigação bus-
ca apurar se houve, por parte
dos responsáveis pelo hotel, a
prática do crime previsto no ar-
tigo 268 do Código Penal, tipifi-
cado como “infringir determi-
nação do poder público, destina-
da a impedir introdução ou pro-
pagação de doença contagiosa”.
Já a representação contra o
governador, segundo o MPSC,

foi encaminhada à Procurado-
ria-Geral da República, que é a
instância que julga governado-
res com foro.
As imagens que circularam pe-
la internet chamaram a atenção,
pois o próprio governador tem

alertado para as regras de isola-
mento, que foi um dos primei-
ros a adotar normas mais rígi-
das de distanciamento, só per-
mitindo atividades essenciais.
Apesar de ter anunciado a fle-
xibilização em diversas áreas
nos últimos meses, inclusive
permitindo que as prefeituras
decidissem sobre o retorno do
transporte público, o governo
liberou, em 13 de abril, o retor-
no das atividades em hotéis,
mas com diversas regras.
Além da proibição de shows e
eventos, de acordo com a porta-
ria 244/2020, assinada pelo pró-
prio Moisés, em hotéis, pousa-
das e afins as “áreas sociais e de
convivência deverão permane-
cer fechadas”. Pelas regras, os

estabelecimentos só podem ofe-
recer alimentação no quarto.
A assessoria de imprensa do
governo confirmou que Moisés
esteve no hotel, mas disse que o
governador Moisés estava jan-
tando e “um hóspede que fazia
apresentação musical no am-
biente mencionou a presença
do chefe do Executivo estadual,
que passou a ser procurado por
outras pessoas em sua mesa e,
por cortesia, interrompeu por
um momento a refeição e con-
versou brevemente com algu-
mas delas.” O governador não
quis conceder entrevista.
O Estadão procurou o pro-
prietário do local, mas ele não se
manifestou até o encerramento
desta edição, às 20 horas.

Pesquisa mostra


efeito precoce


do remdesivir


lContingente

Pandemia e mais vagas aceleram


a formatura de médicos no País


lPadrão ouro

Há contágio mesmo sem sintomas, reforça OMS. Pág. A11 }


Governador fura quarentena lPandemia


e pode ser investigado em SC


Giovana Girardi

O remdesivir, um dos remédios
que vêm sendo testados contra
o novo coronavírus e que já trou-
xe alguns resultados promisso-
res, foi capaz de reduzir a carga
viral e evitar danos aos pulmões
de macacos infectados com o
Sars-CoV-2, o agente causador
da covid-19. É o que mostra um
estudo americano publicado on-
tem na revista Nature.
A pesquisa avaliou os efeitos
da droga em dois grupos de seis
macacos resus infectados ape-
nas 12 horas antes com o vírus –
é nesse período que ocorre o pi-
co de replicação do vírus nos
pulmões dos animais.
A ideia era checar se um uso
precoce do remédio poderia ser
eficaz contra a doença. Um dos
grupos recebeu a droga 12 horas
após a inoculação e depois a ca-
da 24 horas, por seis dias.
Os macacos que receberam o
tratamento não mostraram si-
nais de doença respiratória e ti-
veram redução nas infiltrações
pulmonares observadas em ra-
diografias, na comparação com
os que receberam um placebo.
As cargas virais no trato respi-
ratório inferior dos animais tra-
tados eram cerca de 100 vezes
mais baixas do que no grupo
controle. Após três dias, o vírus
já não pôde mais ser detectado,
mas ainda era detectável em
quatro dos seis animais que não
receberam o remédio.
Não houve impacto, porém,
no chamado “derramamento vi-
ral”, o que indica que a melhora
clínica pode não corresponder
à falta de infecciosidade.
A equipe fez necropsias nos
animais e observou que as car-
gas virais nos pulmões do grupo
tratado com remdesivir eram
mais baixas e houve uma redu-
ção no dano a esses órgãos.
Apesar de o modelo animal
contaminado com o Sars-
CoV-2 desenvolver uma doen-
ça de leve a moderada, sem a
gravidade observada em pacien-
tes com a covid-19, os pesquisa-
dores indicam que os resulta-
dos apoiam o início precoce do
tratamento com remdesivir,
um antiviral, em pacientes com
covid como forma de prevenir
progressão para pneumonia.

TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

280.
médicos saíram das
faculdades desde 2000, de
acordo com levantamento
feito pelo Conselho Federal
de Medicina

523.
é o total de médicos com registro
ativo em todo o País hoje

80%
dos médicos do País têm menos
de 60 anos e podem atuar na li-
nha de frente contra a covid-

Faculdades formaram


em cinco meses 70% do


total de profissionais da


média anual desde 2000,


aponta pesquisa


Profissionais. Alunos de medicina da USP: distribuição de médicos pelos Estados é desigual


Governo estuda diagnóstico sem teste


24,2 milhões
é o total de testes RT-PCR que o
ministério promete entregar

3,2 milhões
é o número de testes distribuídos

Em meio à falta de exames, ministério e secretários discutem uso de imagens e análise de sintomas do paciente para confirmar infecção


Carlos Moisés, de SC, foi


visto em festa em hotel,


o que contraria portaria


assinada por ele que


veta eventos com público


179
era o total de mortes registradas
em Santa Catarina pela covid-
até ontem à noite

12.
era o total de casos do novo coro-
navírus no Estado até ontem
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