O Estado de São Paulo (2020-06-10)

(Antfer) #1

NA


Gilberto Amendola
Camila Tuchlinski


Que nos desculpem os Tribalis-
tas, mas essa coisa de “já sei na-
morar” tem soado um tanto pre-
tensiosa. Será que sabemos
mesmo? Com cada um na sua
casa, dentro do seu quadrado,
gastando horas no WhatsApp
ou brigando com a conexão de
internet (que insiste em travar
durante as videochamadas), na-
morar não é mais como era anti-
gamente. Nesse Dia dos Namo-
rados pandêmico, muitas histó-
rias de amor estão chegando em
uma espécie de ápice dramáti-
co. A distância pode esfriar o
amor? Ficar em casa ou furar a
quarentena, eis a questão?
Para o psiquiatra e psicotera-
peuta Luiz Cuschnir, que traba-
lha há 40 anos com casais, a pan-
demia revelou uma parte da vi-
da a dois que nem eles sabiam
que existia. “Casais que não ti-
nham a oportunidade de conví-
vio tão longo e diário passam a
enxergar maneiras diferentes
de estar juntos”, diz. “Se esse
novo estado provocar os melho-
res sentimentos de cada um pa-
ra com o outro, pode, sim, haver
um resgate de paixão que tinha
sido esquecida ou misturada
com o excesso de atividades
que tinham de cumprir. A reva-
lorização do vínculo amoroso,
além de curar feridas, redimen-
siona o sentido da vida de esta-
rem juntos.”
A história de Leonardo e Na-
tália, que se conheceram em no-
vembro de 2016, parece ter sido
feita para ser narrada neste mo-
mento das nossas vidas. Por is-
so, vamos rebobinar a fita e aces-
sar o Tinder (sim, o aplicativo
de paquera).
A técnica de enfermagem Natá-
lia Santos Melo Pereira, de 23
anos, foi quem deu o primeiro
passo. “Fiquei extremamente
animada quando chegou a notifi-
cação da mensagem dele. Ele foi
muito gentil e educado, conversa-
mos e eu estava tão eufórica com
a ideia de ter conhecido alguém
tão legal pela internet, que logo
queria sair com ele. Mas ele ficou
me enrolando por semanas.”
O trader Leonardo Del Coral
Rodrigues Alves, de 24 anos,
contou que o “match” aconte-
ceu em um momento em que
ele estava fragilizado e fazendo
terapia. “Lembro do dia em que
ele resolveu dizer que precisava
me contar algo antes de nos co-
nhecermos, eu fiquei morren-
do de medo, achando que ele na-
morava, ou era casado...”, lem-
bra Natália. Foi então que Alves


contou que era deficiente. “Te-
nho escoliose congênita, que é
uma malformação da coluna”,
explicou.
Para Natália, a revelação não
mudou nada. “Quando nos vi-
mos, foi amor à primeira vista.
No nosso segundo encontro, ele
me pediu em namoro, e eu acei-
tei.” Mas a história de amor de
Natália e Leonardo encontrou a
pandemia do coronavírus.
Natália é técnica de enferma-
gem e está trabalhando na linha
de frente do combate ao vírus.
Portanto, exposta aos riscos da
doença. Já Leonardo está den-
tro do grupo de risco. Ou seja,
os dois precisam estar isolados
um do outro. “Estamos separa-
dos por mais de dois meses e
meio. Cortamos total o contato
físico. Não é fácil. A gente se via
dia sim, dia não. Agora, troca-
mos mensagens o dia inteiro, to-
dos os dias fazemos ligações
por vídeo. É assim que nos olha-
mos olho no olho, que eu vejo o
sorriso dela e nos sentimos jun-
tos”, contou Alves.
Para o Dia dos Namorados, o
casal vai manter a rotina de con-
versas por vídeo e mensagens.
“O mais difícil é não poder sen-
tir o abraço dele. Eu sempre me
sinto segura no abraço dele”,
disse Natália.

Mais amor, por favor. Paula
Cleveland, de 25 anos, e Renan

Tenca, de 27, dividem a mesma
profissão. Eles são dançarinos e
o amor nasceu, justamente, du-
rante o trabalho, dentro de um
navio. “No último dia de traba-
lho no navio, houve uma festa.
Nós ficamos conversando até o
sol nascer e ele confessou que
estava apaixonado por mim.
Lembro que um fotógrafo tirou
uma foto nossa e disse que a gen-
te formava um belo casal. É en-
graçado, mas a gente negou e
avisou que não éramos namora-
dos”, contou Paula.
Aí a pandemia também che-
gou para mudar a rotina de Pau-
la e Renan. Os pais dele moram
em Itajaí, Santa Catarina. Quan-
do a pandemia explodiu, e a qua-
rentena foi decretada em mui-
tas cidades, Renan estava visi-
tando os pais. “A gente tinha
uma viagem marcada para No-
va York. Fui visitar meus pais
antes de viajar. Quando che-
guei à cidade, fechou tudo. Fi-
quei por aqui com os meus
pais”, contou Tenca.
Assim, pela primeira vez des-
de o início do namoro, o casal
vai passar a data longe um do
outro. Até por isso, os dois es-
tão preparando surpresas sig-
nificativas para o Dia dos Na-
morados. “Namoramos há 4
anos. Cada ano, eu escrevo um
capítulo de um livro sobre a
nossa história. Vou escrever o
quarto capítulo e enviar pelo

correio”, contou Paula.

Reencontro. O Dia dos Namo-
rados também deve marcar o
reencontro de casais. O comer-
ciante Vitor Carone, de 32 anos,
e a analista financeira Rebeca
Quaresma, de 29, estão plane-
jando um abraço. Depois de
cumprir um longo período de
distanciamento, os dois decidi-
ram marcar o reencontro para
um dia especial. “Com pais ido-
sos, fizemos tudo direitinho,
passamos esse tempo nos falan-
do por WhatsApp, sem arriscar
um pulinho”, disse Carone.
Quando tudo isso acabar, o ca-
sal já planeja morar junto.
Um relacionamento vivido co-
mo em um parque de diversões.
Essa é a definição de namoro de
Ricardo Assumpção Fernandes,
de 47 anos, com a jornalista Lídi-
ce Leão, de 50. Eles estão juntos
há três anos. “Começamos a na-
morar em outubro de 2017, mais
precisamente no dia 12. Na pri-
meira vez que nos vimos, a con-
versa foi tão leve e gostosa como
uma brincadeira de criança. Des-
de então, vivemos num parque
de diversões. Vemos paisagens
na roda-gigante, o circo é uma
festa de cores, na montanha-rus-
sa seguramos as mãos um do ou-
tro e atravessamos os altos e bai-
xos”, descreve Ricardo.
Há mais de dois meses, eles
estão separados por causa da

pandemia do novo coronaví-
rus. “Quando começou a pande-
mia, logo decidimos que ficaría-
mos fisicamente separados, ca-
da um na sua casa, já que ele pre-
cisava preservar os pais idosos e
eu precisava ficar com a minha
mãe, também idosa. A decisão foi
lúcida e consensual, pois cada
um entendeu o lado do outro, de
cuidar e proteger a saúde dos
pais”, afirma Lídice.
Apesar da distância imposta,
Ricardo conta que eles mantêm
contato diário: “A saudade é gran-
de. Mas, embora não nos encon-
tremos fisicamente, nos falamos
umas seis ou sete vezes ao dia,
por telefone ou chamada de ví-
deo. Não sobra tempo para a soli-
dão, a não ser à noite, na hora de
dormir”. Lídice concorda: “É cla-
ro que a falta do contato físico
pesa, à noite a saudade aperta. É a
parte mais difícil. Mas decidimos
focar nas coisas boas, na presen-
ça possível e não na falta”.
Nos fins de semana, os dois
“bebem juntos”, cada um na sua
casa, e frequentemente leem tre-
chos de livros um para o outro.
“Como passávamos muito tem-
po juntos, antes da pandemia, e
líamos muito, comentávamos so-
bre livros pessoalmente, manti-
vemos esse hábito gostoso.”
Outro casal que foi afastado
por causa da pandemia de covid-
19 foi Gabriel de Mello Tieppo,
de 25 anos, e
Gabriela No-
ce, de 27. Há
um ano e três
meses, eles se
conheceram
em um aplicati-
vo de relacio-
namento amo-
roso. “Fui fazer um curso de
uma semana perto da casa do
meu pai e aproveitei para ficar
esses dias lá. Aí, encontrei ela
em um app e demos match. Mar-
camos de sair no final da sema-
na e, durante a conversa online,
descobrimos que estávamos a
três minutos a pé um do outro.
Marcamos o primeiro encontro
em uma praça que tem ali perti-
nho. Virou namoro. Eu ia quase
todo final de semana para o meu
pai antes de conhecê-la. E ela es-
tava esse tempo todo ali do la-
do”, lembra ainda Gabriel.
A separação no início da pan-
demia foi repentina, como conta
Gabriela: “Foi tudo muito rápi-
do, a gente nem se despediu. De
início, combinamos de não nos
encontrarmos por uma ou duas
semanas, a gente achava que as
coisas iam amenizar. Hoje, já são
mais de 80 dias longe. Depois da
segunda semana isolada em São

Paulo, resolvi voltar para Santa
Catarina e ficar mais perto da
minha família. Entendemos
que aquela era a melhor deci-
são no momento e que nosso
contato continuaria se dando
pela internet”.
Eles procuram não ficar o
tempo todo no celular, apesar
de sempre trocarem áudios no
WhatsApp e chamadas de ví-
deo. “A nossa moda do momen-
to é ver série juntos. Estamos
vendo Dark ao mesmo tempo e
comentando ‘ao vivo’ via áudio
no WhatsApp. Ajuda a aproxi-
mar a gente”, afirma Gabriel.
Ambos procuram fazer planos
para o futuro para dar uma pers-
pectiva mais positiva sobre os
dias que virão.
Para alguns casais, a quarente-
na serviu para adiantar planos de
união. Foi assim com Anamaria
Cristina Souza Conde, de 36
anos, e André Cremasco Alves,
de 39, que moram em Valinhos,
no interior paulista. Eles namo-
ram desde novembro de 2018 e
não tinham planos de se casar ra-
pidamente, mas a pandemia ace-
lerou as coisas. “Essa questão de
a gente morar junto aconteceu
por causa da pandemia. A gente
nem decidiu, a coisa foi aconte-
cendo. E uniu mais a gente por
conta disso mesmo: ele passar
mais tempo em casa e eu tam-
bém em home office desde 23 de
março”, expli-
ca Anamaria.
Ela relata
que os pais de
André estão
no grupo de ris-
co e, como ele
teve de conti-
nuar trabalhan-
do, dividir a casa com Anamaria
seria uma forma de protegê-los.
“Os pais dele têm mais de 60
anos, são hipertensos e estão su-
per cumprindo a quarentena des-
de o primeiro dia. Como o André
continuou trabalhando, porque
o ramo dele não fechou, ficou
com medo de continuar indo pa-
ra a casa dele”, afirma.
Anamaria conta que ela e An-
dré se conheceram na adolescên-
cia, pois ele é irmão de um ami-
go: “A gente se reencontrou em
rede social. Estudei minha infân-
cia toda com o irmão dele. Eu o
reconheci por causa do apelido,
Pompeu. E aí começamos a con-
versar, fomos ao cinema, conver-
samos e não rolou nada. Ele havia
acabado de romper um namoro.
Depois, ele ainda conheceu uma
outra pessoa e me afastei por uns
quatro meses. E então a gente se
reaproximou”. O que a pande-
mia uniu, o homem não separa.

QUARENTENA


PARA ALGUNS CASAIS, A
QUARENTENA SERVIU
PARA ADIANTAR
PLANOS DE UNIÃO

DIA DOS NAMORADOS NA


PANDEMIA


Amor pode


resistir à


distância? Eles


acham que sim


Casa


Exercícios ideais para os idosos PÁG. H6


Vitor e
Rebeca.
Quando a
pandemia
acabar,
eles já têm
planos
para morar
juntos
Paixão.
Anamaria e
André (E)
juntinhos;
Leonardo e
Natália (D):
abraço
ainda vai
demorar

FOTOS ARQUIVO PESSOAL

@TEASERFOTOS

Renan Tenca e Paula Cleveland. Pela primeira vez, passam a data longe um do outro

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