O Estado de São Paulo (2020-06-10)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 10 DE JUNHO DE 2020 Especial H5


Roberto DaMatta


Sem intervalo


CHANEL

l]


Luiz Carlos Merten


É mera coincidência, claro,
mas nesta quarta, 10, o Canal
Brasil apresenta, às 20 h, San-
tiago, Itália, de Nanni Moretti.
Dá tempo de ver e migrar para
o Curta!, que inicia, às 22h30,
o Santiago de João Moreira Sal-
les. Santiago como nome de lu-
gar, e de gente. A memória da
ditadura chilena e a do mordo-
mo de uma família milionária.
Em ambos os casos, o ponto
de vista é do diretor, do autor
que se apropria das histórias.
Nanni Moretti nunca foi co-
munista de carteirinha, no sen-
tido de que nunca pertenceu
aos quadros do Partido Comu-
nista Italiano, mas nunca dei-
xou de ser de esquerda. Lem-
bra, do ponto de vista de um
europeu, italiano, a experiên-
cia brutal do golpe no Chile.


Como se desmonta a democra-
cia.
João Moreira Salles brigou
muito com o próprio filme. Co-
meçou, parou, recomeçou
quando se deu conta de que a
história do mordomo só fazia
sentido para ele se questionas-
se seu olhar de menino sobre
um personagem que foi rico,
complexo. Há algo de Luchino
Visconti nesse homem que vi-
veu o fausto de uma família, de
uma época, de dentro mas
sem pertencer ao meio. Santia-
go e a vida, o mundo. Santiago
e o cinema. Um velho musical
de Vincente Minnelli. Discor-
de quem quiser, mas Santiago
é o maior documentário da his-
tória do cinema brasileiro.

PARIS /AFP


A grife Chanel apostou na sim-
plicidade em seu primeiro “des-
file” desde o início da pandemia
do novo coronavírus, que ocor-
reu de forma virtual nesta segun-
da-feira, 8, longe da era de cole-
ções espetaculares do falecido
Karl Lagerfeld.
Batizada de “Passeio pelo Me-
diterrâneo”, a coleção assinada
por Virginie Viard seria apresen-
tada em um desfile tradicional
no último 7 de maio em Capri,
na Itália, mas o evento foi cance-
lado por causa da pandemia.
Nas imagens transmitidas
nas redes sociais pela Chanel,
não há propriamente um desfi-
le, mas uma sucessão de 51
“looks”, filmados e fotografa-
dos com modelos à beira-mar,
com zoom em novos detalhes,
como microbags e maxi óculos
com viseira.
“O revés causado pela crise na
saúde não influenciou tanto a co-
leção, eu já queria que ela fosse
menor e mais leve, em todos os
níveis”, disse Viard, braço direi-
to de Lagerfeld por 30 anos, e
que assumiu o seu cargo após
sua morte, em fevereiro de 2019.
“Nunca fui uma grande defen-
sora dos desfiles faraônicos, em-
bora os apreciava com Karl”, dis-
se ela em entrevista publicada
neste final de semana, ao jornal
francês Le Figaro, referindo-se
aos grandes desfiles da marca
que ocorriam em Paris, que re-
criavam desde um foguete espa-
cial a um grande supermercado.
“Às vezes, (Karl) se pergunta-
va se não estava indo longe de-
mais, mas até o final, suas ideias
sempre foram brilhantes. Mas


não sou assim e, acima de tudo,
não é mais o mesmo momento”,
disse Viard.
Sua “Cruise Collection” -
apresentada anualmente antes
das Semanas de Moda de Paris -
foi projetada “para se viajar com
pouca bagagem (...), com rou-
pas fáceis para se viver e com
usos variados”, descreveu.
As atrizes da década de 1960
são sua inspiração: saias longas,
vestidos transparentes, shorts,
em tons de branco, rosa e azul.
Em julho, as Semanas de Mo-
da Masculina e de Alta Costura
de Paris serão realizadas virtual-
mente. Viard diz ter esperança
de que em outubro possam desfi-
lar “com música, modelos, mes-
mo que haja poucos convida-
dos”. Nomes da indústria da mo-
da, atingida pela crise do corona-
vírus, recentemente pediram pa-
ra repensar a organização das
passarelas por seus custos ecoló-
gicos e suas mensagens consu-
mistas, enquanto duas grandes
empresas, a Saint Laurent e a
Gucci, decidiram parar de parti-
cipar nas semanas de moda.

Caderno 2


ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS





Quando o clássico autoritaris-
mo nacional toma fôlego, ata-
ca de cima e revela o desejo
de retorno; quando a democracia é
ameaçada por manifestações e
agressões verbais que transfor-
mam adversários em inimigos;
quando insultos são vociferados pe-
lo presidente da República e alguns
dos seus ministros – como o da Edu-
cação, o qual não tem ideia do que é
um “povo indígena”; quando se in-
terfere na justiça em favor do fami-
lismo – esse vírus central do privilé-
gio e da corrupção; quando vejo a
olho nu a mais neurótica irrespon-
sabilidade cívica, nada é mais neces-
sário do que a lucidez das análises
compreensivas. É preciso um desa-
bafo sociológico.
Pois, se a consciência, como mos-
traram Marx, Weber, Durkheim e,
sobretudo, Freud, é o que nos torna

entidades morais – com o dever ine-
xorável de pensar duas ou mais vezes
contra e a favor de nós mesmos –,
nada é mais premente do que tentar
conjugar o histórico com o eventual.
A conjuntura não abole a estrutura,
antes, pelo contrário (veja-se
Marshall Sahlins), elas são interde-
pendentes. Sistemas fundados no ser-
vilismo, na escravidão e no ressenti-
mento coletivo reprimido suscitam a
ilusão das soluções derradeiras, de
regimes definitivos.
Ganha um fim de semana em Ma-
nhattan (com direito a pandemia e a
tomar parte nos protestos contra a
segregação racial) quem me indicar
um comentário político que não seja
sociológico.


  1. Por causa disso, reitero a pergunta
    que não pode calar: o que trouxe ao
    centro do cenário político brasileiro


o Capitão Bolsonaro e filhos? Eles –
toscos e rudes – surgiram do nada ou
foram feitos protagonistas porque a
peça a que se assistia era desmorali-
zadora e dava cabo do próprio teatro,
hoje – paradoxalmente – não menos
ameaçado também por meio de um
agente externo sem intenção políti-
ca: a pandemia.


  1. Invoco o Rousseau do Contrato So-
    cial: “Antes de examinar o ato pelo
    qual um povo se entrega a um rei,
    será melhor examinar o ato que o tor-
    na povo. Este ato é a verdadeira fun-
    dação da sociedade”.
    Convenhamos que isso não é im-
    possível, mas é difícil numa socieda-
    de fundada de fora para dentro, de-
    baixo de um autoritário e burocráti-
    co colonialismo radicalmente católi-
    co e anti-igualitário. Um sistema con-
    solidado pela fuga, em 1808, da Corte
    portuguesa diante do avassalador sur-
    to democrático napoleônico. Um Bra-
    sil movido por laços de puxa-saquis-
    mo com punhos de renda, irmão de
    um desumano escravismo negro.
    4. Fomos reino, império, República
    logo alterada como ditadura civil e mi-
    litar. Pagamos, penamos e consegui-
    mos a democratização. Hoje, somos
    um estado nacional que se quer mo-
    derno, próspero e democrático. Fize-
    mos a nossa independência de Portu-
    gal ou foi o contrário? Mais: quando é
    que, como diz Octavio Paz focando o
    México e a América Espanhola, va-
    mos nos tornar independentes e a fa-
    vor de nós mesmos? Quando vamos
    enfrentar a nossa ambiguidade insti-
    tucional e o protagonismo político do
    nosso familismo?
    5. O mandonismo absolutista, irritan-
    te e errático de Jair Bolsonaro é revela-
    dor. Mostra uma total incompreensão
    do seu papel de – usemos um epíteto
    antigo – “supremo mandatário da na-
    ção”. O que vi no famoso vídeo foi
    como um líder influencia seus segui-
    dores. Uns, é claro, mais do que ou-
    tros. Mas, ali, é óbvia a coerção a arre-
    medar o líder, copiando o seu compor-
    tamento mal-educado e o seu vocabu-
    lário escabroso. Pois não há quem


não deseje um líder capaz de desa-
fiar o bom senso, por mais que isso
seja uma infantilização e conduza
ao desastre como, vale lembrar, foi
o caso de uma Alemanha “altamen-
te civilizada e ariana” na sua paixão
por Hitler e pelo seu nacional-so-
cialismo germânico.


  1. Quando usamos de modo impe-
    rativo categorias constitutivas do
    regime democrático como liberda-
    de, igualdade e justiça, corremos o
    risco de praticar terrorismo ideoló-
    gico porque – dependendo do con-
    texto – surge o silêncio. Quem se-
    ria contra a liberdade sem ser sus-
    peito de fascismo? E, no entanto,
    ser privado de escolha ou do deba-
    te é estar na prisão do fascismo que



  • basta olhar para a história – é de
    direita e lamentavelmente tam-
    bém de esquerda.
    Essa democracia, que sempre e
    em todo lugar produz tantas cri-
    ses, deve ser a todo custo defendi-
    da. Justamente por isso, não pode
    deixar de ser pensada.


Creed, Nascido
para Lutar/Creed
(EUA, 2015.) Dir. de Ryan Coogler, com
Michael B. Jordan, Sylvester Stallone,
Tessa Thompson, Phylicia Rashad.

Luiz Carlos Merten

Entre Fruitvale Station – A Últi-
ma Parada e Pantera Negra,
Ryan Coogler – ou a nova gera-
ção de talentos negros de
Hollywood – ressuscitou o mi-
to de Rocky, mas pelo viés de
Adonis, o filho de Apollo Creed,
que foi o antagonista de Sylves-
ter Stallone no primeiro filme.
O velho Rocky passa o bastão
para Adonis, Michael B. Jor-
dan. Vidas negras importam.
Como resistir?
GLOBO, 22H25. COL., 133 MIN.

Filmes na TV


Grife apostou na simplicidade ao mostrar, em imagens nas


redes sociais, 51 looks da coleção Passeio pelo Mediterrâneo


KARIM SADLI

Dois ótimos WARNER BROS.


filmes que


levam o nome


Santiago


Eliana Silva de Souza

Música animada
O grupo paulista Língua de
Trapo, que comemora 40
anos de estrada, é a atração
desta quarta, 10, às 21h30,
do Festival #CulturaEmCasa.
Na live, o público vai se diver-
tir com o humor e descontra-
ção de Laert Sarrumor (voz
solo), Sergio Gama (voz e vio-
lão) e Marcos Artur (percus-
são), que vão mostrar can-
ções dessa longa trajetória,
além de contar histórias mar-
cantes. Transmissão no site
http://www.culturaemcasa.com.br.

Viajando na tela
A segunda temporada da
série Sonho e Destino, que
está no Mais Globosat, tem
exibição às segundas-feiras,
às 21h30. Em cada episódio,
dicas de hospedagem, gastro-
nomia e lazer, enquanto des-
frutam experiências únicas,
mostradas pelo casal Gisella
Depiné Poffo e Fernando De
Borthole, que compartilha
suas experiências para apro-
veitar o que há de melhor na
República Checa. Conteúdo

também disponível no canal
da série no YouTube.

Para dançar e sonhar
Na sexta-feira, 12, a partir das
19h, o cantor Daniel e o grupo
Roupa Nova farão uma live
especial para o Dia dos Namo-
rados. Com transmissão ao
vivo pelos canais oficiais dos
músicos no YouTube (Daniel e
Roupa Nova), a promessa é
fazer todo mundo sonhar com
repertório animado e românti-
co, além de arrecadar doações
para instituições sociais.

Luta pela vida
A Band exibe nesta quinta, 11,
às 22h45, o filme Kill Bill: Volu-
me 2. Dirigido por Quentin Ta-
rantino e protagonizado por
Uma Thurman, mostra a vin-
gança da Noiva Assassina, que
ficou em coma por anos e ago-
ra vai em busca de quem a
atraiu e tentou matá-la.

Jovem talento
Na live do programa Talentos
desta quarta, 10, Jarbas Ho-
mem de Mello conversa com o
ator Diego Montez, que fala
sobre sua trajetória artística.

DESTAQUE Ventos
de Agosto
(Brasil, 2014.) Dir. e roteiro (com Rachel
Daisy Ellis) de Gabriel Mascaro, com Dan-
dara de Morais, Geová Manoel dos Santos.

Kleber Mendonça Filho, Juliano
Dornelles e Mascaro representam
a nova força do cinema pernambu-
cano, com o eterno Cláudio Assis.
Pesquisador do som dos ventos
chega a lugarejo litorâneo e se
infiltra (subverte?) a rotina de um
homem e uma mulher da comuni-
dade. Parece pouco, mas é tudo.
ARTE 1, 18 H. COLORIDO, 77 MIN.

Sonata de Outono/
Hostsonaten
(Suécia, 1978.) Dir. e roteiro de Ingmar Berg-
man, com Ingrid Bergman, Liv Ullman, Er-
land Josephson, Gunnar Bjornstrand.

Esse encontro teria de ocorrer, en-
tre duas glórias do cinema sueco,
Ingmar Bergman e Ingrid Berg-
man – que não tinham parentesco.
A lição de piano. A mãe, grande
pianista, que humilha a filha que
toca para ela. A complexidade dos
sentimentos, o mal que as pessoas
se fazem, umas às outras.
TEL. CULT, 22 H. COLORIDO, 99 MIN.

FOTOS: JULIEN MARTINEZ LECLERC

FAZ SEU PRIMEIRO


DESFILE VIRTUAL


Enxuta.
Roupas
fáceis e leves
para se viajar
com pouca
bagagem

Desabafos

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