O Estado de São Paulo (2020-06-10)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 10 DE JUNHO DE 2020 Política A


VERA


MAGALHÃES


PT EM TRANSE
Novos líderes já não escondem
incômodo com ‘lulocentrismo’
As recentes bolas foras de Lula
na tentativa de mostrar que é
uma liderança de peso na pior
crise política, econômica, de
saúde e social que o Brasil en-
frenta em anos já levam boa par-
te da nova geração não só de lí-
deres petistas, mas de toda a es-
querda, a demonstrar em públi-
co o incômodo com a forma au-
tocentrada com que o condena-
do na Lava Jato conduz a sigla.
No Roda Viva na segunda-feira,
o governador do Ceará, Camilo
Santana, fez algo que seria sacri-
légio no partido até outro dia:
disse com todas as letras que
Lula está “equivocado” ao negar
fazer parte de uma frente ampla
pela democracia, e disse que o
PT tem de fazer aliança em For-
taleza sem estar na cabeça da
chapa, outra heresia. Não demo-
rou a que Gleisi Hoffmann lan-
çasse a candidatura de Lula em
2022, para mostrar que o esta-
blishment petista segue alheio à
irrelevância da sigla também na
oposição a Bolsonaro, depois de
ser apeada do poder com Dilma
Rousseff.

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TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

ARMAS
Ideia de zerar alíquota é novo
aceno a PMs e militares
Se o discurso de Bolsonaro está no
modo de contenção desde segun-
da-feira, as ações do presidente
continuam mostrando a propensão
de ampliar a influência política do
bolsonarismo sobre as Forças Ar-
madas e as polícias. Diante de tan-
ta coisa que o presidente fala, pas-

sou quase batida sua declaração de
que vai zerar a alíquota de importa-
ção de armas para “ajudar o pes-
soal do artigo 142 e 144 da Consti-
tuição”. Mais uma vez Bolsonaro
investe na leitura golpista dos dois
artigos para associá-los à possibili-
dade de usar os militares e as polí-
cias como forças de “defesa” de
um governo ameaçado por riscos
reais ou imaginários.

Bafo do impeachment


J


air Bolsonaro conduziu
uma reunião do conselho
de ministros nesta terça-fei-
ra no Palácio da Alvorada em
que quase parecia um estadista.
Comedido, falou sobre as decla-
rações da véspera da especialis-
ta da Organização Mundial da
Saúde (OMS) que minimizou os
riscos de contágio da covid-
por pessoas assintomáticas.
Não tripudiou, não comemo-
rou, não desancou a OMS. Não
falou palavrões.
No domingo anterior, não fez
sua tradicional aparição cercado
de apoiadores na rampa do Palá-
cio do Planalto.
Depois de esticar a corda ao
máximo, ao determinar que o Mi-
nistério da Saúde revisasse e es-
camoteasse os dados de contá-
gio e óbitos da pandemia, recuou
diante de mais uma invertida do
Supremo Tribunal Federal

(STF), numa semana plena de po-
tenciais encrencas para o governo
no Judiciário.
Todos esses recuos são do co-
nhecido comportamento ciclotími-
co de Bolsonaro, mas agora foram
ditados por avisos muito claros
que auxiliares fizeram ao presiden-
te: o apagão de dados da covid-
era o que de mais cristalino em ter-
mos de crime de responsabilidade
o “capitão” cometeu até aqui, e
não passaria incólume só com no-
tas de repúdio.
Tanto que a reação da sociedade,
da imprensa, dos Poderes, do Minis-
tério Público, do Tribunal de Con-
tas, da CNBB, do papa, da OMS, da
universidade John Hopkins não dei-
xou margem para dúvida.
Somando a gravidade da pedala-
da com as vidas e o fato de que as
ruas começam a encher, Bolsonaro
viu a cara do impeachment, e, pela
primeira vez, ela estava viva.

Virando a página. Governador Camilo Santana apontou equívoco de Lula

JF DIORIO/ESTADÃO-14/10/

Julia Lindner / BRASÍLIA

S


e a discussão sobre o
novo coronavírus fi-
cou à margem na polê-
mica reunião ministerial de
22 de abril, a pandemia foi o
principal tema do encontro
de ontem, no Palácio da Alvo-
rada, que, desta vez, contou
com transmissão ao vivo.
Diante dos holofotes, os
mais de 40 palavrões ditos pe-
lo presidente Jair Bolsonaro
e seus auxiliares na reunião
tornada pública pelo minis-
tro Celso de Mello, do Supre-
mo Tribunal Federal, foram
substituídos por interven-
ções polidas e uma apresenta-
ção de PowerPoint sobre as
ações de combate à covid-19.
Bolsonaro questionou ali
orientações da Organização
Mundial da Saúde (OMS) e
defendeu, mais uma vez, o
fim do isolamento social. O
ministro interino da Saúde,
general Eduardo Pazuello la-
mentou, por sua vez, as mi-
lhares de mortes no País e
tentou justificar a mudança

na contagem de casos e óbitos,
mas virou meme nas redes so-
ciais ao mencionar o inverno no
Nordeste.
“Para efeito da pandemia,
nós podemos separar o Brasil
em Norte e Nordeste, que é a
região que está mais ligada ao
inverno do Hemisfério Norte
(...) e ao Centro-Sul, Sudeste e
Centro-Oeste, que é o restante
do País, que está ligado mais ao
inverno do Hemisfério Sul”, dis-
se Pazuello.
Não tardaram fotos de pes-
soas com casacos pesados inva-
dindo as mídias digitais. “Com
o dólar alto, esse ano não vou
poder ir para Aspen! Estou pen-
sando em esquiar no Brasil mes-
mo, ainda estou em dúvida en-
tre Teresina e Fortaleza. Aceito
sugestões”, ironizou no Twit-
ter um usuário que se identifi-
cou como Coronel Siqueira.
Ao contrário do que ocorreu
no encontro de abril, marcado
por xingamentos, pitos de Bol-
sonaro e até bate-boca entre mi-
nistros, apenas alguns auxilia-
res foram selecionados ontem
para falar. Ao vivo, eles aprovei-

taram para fazer um balanço de
suas pastas, arquivando posi-
ções de confronto.
O ministro da Educação,
Abraham Weintraub, que na
reunião de abril havia defendi-
do a prisão de ministros do Su-
premo, chamando magistrados
de “vagabundos”, ficou longe
do microfone.
Bolsonaro usou dados da
OMS de forma distorcida, ao di-
zer que os pacientes assinto-
máticos possuem chance de
transmissão “próximo de ze-
ro”. O presidente bateu nessa te-
cla para defender a retomada
das atividades econômicas. O
Brasil possui mais de 700 mil ca-
sos da covid-19 e mais de 37 mil

mortes decorrentes da doença.
"Isso não é um dado compro-
vado, nós sabemos, mas é um
dado bastante importante por-
que todas as observações da
OMS conduzem para isso. É al-
go que tem que ser debatido,
porque tem reflexo imediato
no futuro do nosso Brasil", dis-
se ele. A OMS, no entanto, aler-
tou que há perigo de pessoas
pré-sintomáticas transmitirem

o vírus.
Sem ser contestado em
nenhum momento, Bolso-
naro relembrou que que-
brou o isolamento social
ao visitar recentemente
comerciantes no Distrito
Federal e, mesmo admitin-
do que a saída representa-
va risco, disse que outros
líderes deveriam fazer o
mesmo. "Eu fui ver como
esses informais estavam
sobrevivendo, é de cortar
o coração. Eu tinha que es-
tar na ponta da linha até
colocando em risco a mi-
nha saúde tendo em conta
a minha idade, estando no
grupo de risco", afirmou.

Jussara Soares
Mateus Vargas / BRASÍLIA


Antes de o empresário Carlos
Wizard desistir de assumir a Se-
cretaria de Ciência, Tecnologia
e Insumos Estratégicos do Mi-
nistério da Saúde no domingo,
o presidente Jair Bolsonaro ha-
via solicitado a “seu sistema de
informação particular” que ave-
riguasse a vida do bilionário.
O chefe do Executivo não che-
gou a vetar a nomeação do em-
presário, mas ficou irritado
com a sequência de entrevistas
de Wizard à imprensa e princi-
palmente com a suposta ligação


dele com o governador de São
Paulo, João Doria (PSDB), seu
adversário político.
No dia 13 de abril, o empresá-
rio elogiou as ações de Doria no
enfrentamento à pandemia do

coronavírus. “O Brasil precisa
de um gestor como o governa-
dor de São Paulo, João Doria”,
escreveu. O empresário chegou
a se filiar ao PSDB a pedido de
Doria, mas depois se desligou.

Como mostrou o Estadão, o
sistema de inteligência particu-
lar do presidente tem policiais,
agentes dos serviços de inteli-
gência e aliados. Ainda de ma-
drugada, Bolsonaro costuma se-
lecionar informações recebidas
no WhatsApp entre aquelas
que precisam ser “checadas”
por seus assessores ou “cobra-
das” às respectivas áreas. O ca-
so Wizard entrou na lista de
prioridades de checagem.
Outro motivo que colocou
Wizard na berlinda foi a sequên-
cia de entrevistas. Ao jornal O
Globo, na sexta-feira passada,
afirmou que os dados de mor-
tos eram “fantasiosos” e que go-
vernos estaduais e municipais
estariam “inflando” os núme-
ros para receber mais recursos
do governo federal. Na nota em
que anunciou sua desistência, o
empresário lamentou suas pró-
prias declarações.
Procurado, Carlos Wizard
não quis comentar sobre o pedi-
do de averiguação feito pelo pre-
sidente Bolsonaro nem sobre
suas relações com Doria. O go-
vernador de São Paulo não retor-
nou ao contato da reportagem.

No Alvorada

Governo tenta


salvar portaria


sobre munições


Bolsonaro pediu dossiê sobre


relação de Wizard e João Doria


Emissora de TV


católica diz não


fazer ‘barganha’


NA WEB
Assista. Trechos
das duas reuniões
ministeriais

estadao.com.br/e/video_reunioes
6

MARCOS CORRÊA/PR

Mudança. Transmitida ao vivo nas redes, reunião ministerial teve clima ameno ontem

EM VEZ DE


PALAVRÕES,


POWERPOINT


SOBRE COVID


Em reunião televisionada, Bolsonaro e ministros


tratam de pandemia e evitam novas polêmicas


Patrik Camporez / BRASÍLIA

O Palácio do Planalto apresen-
tou, anteontem, uma contesta-
ção à Justiça Federal para ten-
tar salvar a portaria que am-
pliou em três vezes o acesso de
civis a munições. No recurso, a
Advocacia-Geral da União (A-
GU) disse que a norma não de-
pendia, necessariamente, de
qualquer tipo de parecer de se-
tores técnicos para entrar em
vigor – o Estadão revelou que o
parecer que subsidiou a porta-
ria foi assinado por um general
que estava exonerado das For-
ças Armadas e mandado para a
reserva remunerada.
Com a portaria, o número de
balas que um cidadão pode com-
prar por ano passou de 200 para
600, por registro de arma de fo-
go. No País, 379.471 armas estão
nas mãos da população, segun-
do dados da Polícia Federal. O

novo decreto possibilita a com-
pra de 227.682.600 balas (
por arma). Após as reportagens
do Estadão, o deputado Fede-
ral Ivan Valente (PSOL-SP) in-
gressou com uma ação popular
na Justiça Federal em São Paulo.
O presidente Jair Bolsonaro e a
União, que são réus na ação, fo-
ram cobrados a dar explicações.
Na contestação, a AGU diz
que, na portaria interministe-
rial de 22 de abril, “não incide a
figura do parecer vinculan-
te/obrigatório”, de modo que
“seria regular até mesmo a dis-
pensa, pelos Ministros da Defe-
sa e da Segurança Pública, da
prévia oitiva de uma ou outra
área, pois o ato repousa na cláu-
sula de discricionariedade (con-
veniência e oportunidade), por
sua natureza de fixação de po-
lítica pública”.
O ex-ministro da Justiça, Sér-
gio Moro, disse ao Estadão que
não se opôs ao presidente para
não abrir um novo "flanco" de
conflito no momento em que
tentava evitar a troca no coman-
do da Polícia Federal. Segundo
ele, a portaria foi assinada por
conta da pressão de Bolsonaro.

MIGUEL SCHINCARIOL / AFP-31/5/

Presidente acionou seu


‘sistema de inteligência


particular’ para levantar


informações sobre o


passado do empresário


Bilionário. Carlos Wizard desistiu de assumir secretaria

Felipe Frazão / BRASÍLIA

A emissora católica TV Pai Eter-
no desautorizou o pedido de aju-
da em forma de verba publicitá-
ria feito por um dos padres que
é apresentador da TV ao presi-
dente Jair Bolsonaro, em troca
da divulgação de notícias positi-
vas sobre o governo. O episódio
foi revelado pelo Estadão.
Em videoconferência com o
presidente e outros padres e po-
líticos católicos, no último dia
21, o padre Welinton Silva disse
que a TV Pai Eterno passa por
“dificuldades” de arrecadação e
que o segmento católico de co-
municação como um todo tem
ficado “esquecido”.
“Estamos precisando de um
apoio maior para que possamos
continuar levando ao conheci-
mento da população católica
aquilo de bom que o governo po-
de estar realizando”, disse o pa-
dre Welinton Silva em video-
conferência com Bolsonaro.
A TV Pai Eterno informou
que o padre Welinton havia re-
cebido um convite pessoal do
líder do governo na Câmara dos
Deputados, major Vitor Hugo
(PSL-GO). Por isso, a emissora
considera que o encontro era
“informal” entre o presidente, a
Frente Parlamentar Católica e
convidados da Igreja. A audiên-
cia virtual, no entanto, estava
na agenda oficial do presidente.
“Ele (Silva) não estava repre-
sentando a emissora. Percebe-
mos que o Pe. Welinton fez uso
de seu livre direito de expressão
não representativa”, afirmou a
emissora. “A TV Pai Eterno não
faz barganhas”, conclui a nota,
seguindo linha adotada pela
Conferência Nacional dos Bis-
pos do Brasil (CNBB).
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