O Estado de São Paulo (2020-06-10)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-7:20200610:
O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 10 DE JUNHO DE 2020 A


Internacional


Enterro de George Floyd em Houston


ganha aspecto de campanha eleitoral


HOUSTON, EUA


O enterro de George Floyd,
negro morto por um policial
branco no dia 25, ganhou on-
tem um forte caráter eleito-
ral. A cerimônia foi comanda-
da pelo reverendo Al Sharp-
ton, ativista dos direitos ci-
vis, e contou com mensagem
de vídeo de Joe Biden, candi-
dato democrata à presidên-
cia dos EUA. “Não podemos
ignorar o racismo que está im-
pregnado na nossa alma, o
abuso sistemático que ainda
flagela a vida americana”, dis-
se Biden.
As imagens que mostram a
morte de Floyd, asfixiado pelo
joelho do policial Derek Chau-
vin, em Minneapolis, provoca-
ram uma onda de protestos con-
tra o racismo nos EUA e em vá-
rias cidades do mundo. Todos
os 50 Estados americanos, inclu-
indo Utah e Virgínia Ocidental,
onde a maioria branca é esmaga-
dora, registraram protestos.
Livros como White Fragility
(“Fragilidade Branca”), de Ro-
bin DiAngelo, e How to be an An-
tiracist (“Como Ser um Antirra-
cista”), de Ibram Kendi, subi-
ram ao topo da lista de mais ven-
didos da Amazon e do New York
Times. Uma pesquisa do institu-
to SSRS, divulgada pela CNN
na segunda-feira, mostrou que
42% dos americanos agora con-
sideram a questão racial como
importante na hora de votar
em novembro – à frente da pan-
demia (31%), do sistema de saú-
de (39%) e da economia (40%).
A pesquisa indica que 8 em
cada 10 americanos acham os
protestos justificáveis. Na mes-
ma sondagem, a aprovação de
Trump caiu 7 pontos porcen-
tuais, de 45%, em maio, para
38%, em junho – a reprovação
subiu de 51% para 57%, no mes-
mo período. A entrada da ques-
tão racial na campanha explica,
em parte, a liderança de Biden,
que era de 5 pontos porcen-


tuais (51% a 46%), no mês passa-
do, e subiu para 14 pontos por-
centuais (55% a 41%).
Pressionado até por alguns
aliados para tentar adotar um
tom mais conciliatório, Trump
virou alvo no funeral. Uma das
críticas mais duras veio da so-
brinha de Floyd, Brooke Wil-

liams, que questionou se algum
dia os EUA foram realmente
“grandes” – uma referência ao
slogan de campanha de Trump,
“Make America Great Again”.
“Meu nome é Brooke Williams,
sou sobrinha de George Floyd e
eu consigo respirar”, disse a jo-
vem, lembrando as últimas pa-
lavras do tio – “Não consigo res-
pirar”. “Enquanto eu estiver
respirando, haverá justiça.”
Trump também foi criticado
por Sharpton, que o acusou de
estar mais interessado em con-
ter os protestos, colocando vi-
das em risco, do que em acabar
com a violência policial. “Vo-
cês têm o voto”, disse o reveren-
do. Mais cedo, o pastor William
Lawson afirmou que a morte de

Floyd iniciou um movimento
global, mas que antes era neces-
sário “limpar a Casa Branca”.
Biden, que permanece reclu-
so em sua casa em Wilmington,
no Estado de Delaware, em ra-
zão da pandemia, mandou uma
mensagem de vídeo. “Sei que
você tem muitas perguntas,
querida”, disse o democrata, se
dirigindo a Gianna, filha de 6
anos de Floyd. “Sei que nenhu-
ma criança deveria ter de fazer
as perguntas que muitas crian-
ças negras fazem há gerações.
Mas não podemos fugir.”
O ex-vice-presidente dos
EUA teve a vida marcada por tra-
gédias pessoais: sua primeira
mulher Neilia e sua filha Naomi
morreram em um acidente de

carro em 1972, logo após ele ser
eleito para seu primeiro manda-
to de senador. Em 2015, seu fi-
lho Beau morreu de câncer no
cérebro.
Apesar de a cerimônia ter sido
privada, apenas para amigos e
parentes, o funeral foi transmiti-
do ao vivo pelo site da Igreja
Fountain of Praise, que Floyd
frequentava até se mudar para
Minneapolis. As mães de Eric
Garner e Michael Brown, negros
mortos pela polícia em 2014,
também estavam presentes.

Pressão. Aconselhado a mode-
rar o tom, Trump ainda não deu
sinais de que amenizará o dis-
curso. Ontem, ele defendeu a
tese de que um idoso ferido pe-

la polícia de Buffalo, no Estado
de Nova York, na semana passa-
da, pode ter encenado o episó-
dio. Martin Gugino, de 75 anos,
foi empurrado por policiais e se
feriu na queda.
As cenas foram gravadas e
causaram uma onda de indigna-
ção, pois a versão oficial era de
que Gugino havia “tropeçado”.
Dois policiais foram suspensos
e, em represália à punição, 57
agentes pediram demissão,
criando uma crise na polícia da
cidade. “O manifestante de Buf-
falo pode ser um provocador da
antifa”, escreveu Trump no
Twitter, referindo-se ao movi-
mento antifascista que ele acu-
sa de fomentar a violência nos
EUA. / REUTERS, NYT e WP

Origem da revolta. Morte de ex-segurança negro de 46 anos, asfixiado por um policial branco em Minneapolis, no dia 25, provocou uma


onda de manifestações em cidades americanas e impulsionou um movimento global de repúdio à discriminação racial e à violência policial


A


s fazendas holande-
sas de visons – mamí-
fero que é matéria-pri-
ma de casacos de luxo – inicia-
ram um abate por determina-
ção do governo, que suspeita
que os animais infectados
com coronavírus estejam
transmitindo a doença para
humanos.

Visons infectados foram en-
contrados em pelo menos dez
fazendas holandesas, onde os
animais, semelhantes aos fu-
rões, são criados para virar casa-
cos. “Todas as fazendas onde
houver infecção serão limpas”,
disse o porta-voz da Autoridade
Holandesa de Segurança Ali-
mentar, Frederique Hermie.
Na semana passada, o gover-
no ordenou o abate de 10 mil
visons por considerar que as fa-
zendas poderiam se tornar um

centro de transmissão do novo
coronavírus. Segundo Hermie,
o primeiro vison foi infectado
por um funcionário de uma fa-
zenda, em abril. Em maio, o go-
verno identificou dois casos em
que humanos haviam sido infec-
tados por animais doentes – as
únicas transmissões entre ani-
mais e homens até então conhe-
cidas desde o início do surto glo-
bal, na China.
O sacrifício dos bichos come-
çou a ser feito por agricultores
que usam roupas de proteção e
gás para matar mães e filhotes
dos animais. Os restos são en-
viados para uma usina que vai
incinerá-los. A partir daí, as fa-
zendas serão desinfetadas.
Ativistas dos direitos dos ani-
mais dizem que o surto é um

ótimo argumento para fechar
todas as fazendas que criam vi-
sons no país. “Estamos pedin-
do aos 24 países que ainda per-
mitem a criação de visons que
reavaliem rapidamente a situa-

ção e as evidências que surgi-
ram na Holanda”, afirmou Clai-
re Bass, diretora da Humane So-
ciety Internacional.
De acordo com Bass, China,
Dinamarca e Polônia são os

maiores produtores de vi-
sons do mundo. Cerca de 60
milhões de animais são mor-
tos todos os anos para virar
casacos de luxo.
De acordo com a federação
holandesa de fazendas, exis-
tem 140 propriedades que
criam visons no país. Os pro-
dutores exportam ¤ 90 mi-
lhões (R$ 498 milhões) em
peles por ano. O porta-voz
da organização, Wim Verha-
gen, afirmou que é “muito di-
fícil para os agricultores en-
tenderem” o abate, pois pou-
cos animais infectados mos-
traram sinais visíveis de
doença. O governo holan-
dês, no entanto, prometeu
compensar os criadores afe-
tados. / REUTERS

lEm campanha

VISONS SÃO AS NOVAS


VÍTIMAS DA COVID-


RAMALLAH


Os palestinos anunciaram on-
tem uma “contraproposta” ao
plano americano para o Orien-


te Médio e pediram aos euro-
peus que pressionem Israel pa-
ra evitar uma anexação de par-
tes da Cisjordânia ocupada. A
partir de 1.º de julho, a coalizão
liderada pelo primeiro-minis-
tro, Binyamin Netanyahu, e pe-
lo ministro da Defesa, Benny
Gantz, deve apresentar sua es-
tratégia para implementar o pla-
no de Donald Trump, apontado
pelos israelenses como uma
“oportunidade histórica”.

Anunciada em janeiro, a pro-
posta dos EUA prevê a anexação
por Israel de colônias israelen-
ses e de partes do vale do Jordão
na Cisjordânia, ocupada desde


  1. O acordo também prevê a
    criação de um Estado palestino
    em um território reduzido e
    sem Jerusalém Oriental como
    capital, ao contrário do que os
    palestinos exigem.
    Ontem, o primeiro-ministro
    palestino, Mohamed Shtayyeh,


disse que, se a anexação ocor-
rer, a Autoridade Palestina vai
declarar sua soberania sobre a
Cisjordânia, Gaza e Jerusalém
Oriental, de maneira unilateral,
aguardando o reconhecimento
de países aliados. Shtayyeh tam-
bém disse que qualquer troca
compensatória de territórios se-
rá feita “de igual para igual” em
termos de “tamanho e valor”.
Durante a última década, a po-
pulação das colônias israelen-

ses na Cisjordânia aumentou
em 50%, ultrapassando os 450
mil habitantes. Mais de 2,7 mi-
lhões de palestinos também vi-
vem no território.
O secretário-geral da Organi-
zação para a Libertação da Pa-
lestina (OLP), Saeb Erakat, afir-
mou ontem que se reuniu com
representantes de Rússia,
União Europeia e ONU para dis-
cutir a anexação – não havia re-
presentantes dos EUA. Os pa-

lestinos romperam relações
com os americanos desde que
Trump reconheceu Jerusalém
como capital de Israel, em 2017.
Erakat disse ter entregado
uma carta do presidente palesti-
no Mahmoud Abbas “que exige
a formação de uma coalizão in-
ternacional contra a anexação e
uma reunião de todos os países
que se opõem a ela”. Embora a
UE seja contra a anexação, o blo-
co ainda não anunciou nenhu-
ma medida contra o plano.
“Queremos que Israel sinta a
pressão internacional”, afir-
mou Shtayyeh. / AFP e REUTERS

PANDEMIA DO
CORONAVÍRUS

CARLOS BARRIA/REUTERS

“Não podemos ignorar
o racismo que está
impregnado na nossa
alma, o abuso sistemático
que ainda flagela a
vida americana”
Joe Biden
CANDIDATO DEMOCRATA À CASA BRANCA

Cortejo. Multidão acompanha o funeral de George Floyd em Houston: morte de ex-segurança provocou uma onda de protestos contra o racismo nos EUA

Risco. Vison em cativeiro: R$ 498 milhões em exportações

Abate em massa

Animais infectavam humanos na Holanda


Palestinos apresentam ‘contraproposta’ à anexação


Primeiro-ministro diz


que divisão de territórios


tem de ser feita de ‘igual


para igual’ e não como


prevê plano dos EUA


BOB STRONG/REUTERS
Free download pdf