O Estado de São Paulo (2020-06-11)

(Antfer) #1

OESTADODES. PAULO QUINTA-FEIRA, 11 DE JUNHODE 2020 Política A


Pepita Ortega
Fausto Macedo


A Polícia Federal deflagrou
ontem a Operação Para Bel-
lum, que investiga suposta
fraude de R$ 50,4 milhões na
compra de 400 respiradores
pulmonares no Pará. Entre
os alvos de mandados de bus-
cas e apreensão estão as ca-
sas do governador, Helder
Barbalho (MDB), e do secretá-
rio de Saúde, Alberto Beltra-
me, o Palácio dos Despachos,
sede do Executivo estadual, e
as Secretarias de Saúde, Fa-
zenda e Casa Civil.
O Superior Tribunal de Justi-
ça (STJ) determinou o blo-
queio de R$ 25 milhões de Barba-
lho e de outros sete investiga-
dos. Na casa secretário adjunto
de gestão administrativa de Saú-
de, Peter Cassol, a polícia en-
controu quase R$ 750 mil em


dinheiro, embalado em jornal e
dentro de uma caixa térmica. O
governo do Estado informou o
servidor foi exonerado após a
descoberta do dinheiro.
A operação foi autorizada pe-
lo ministro Francisco Falcão,
do STJ, a pedido da Procurado-
ria-Geral da República (PGR).
Na petição, a subprocuradora-
geral da República Lindôra
Araújo afirmou que as ilicitudes
investigadas “passam claramen-
te pelo crivo do governador Hel-
der Barbalho”.
“Estou tranquilo e à disposi-
ção para qualquer esclarecimen-
to que se faça necessário”, disse
Barbalho. O governador afir-
mou ainda que determinou o
bloqueio do pagamento de ou-
tros equipamentos e entrou
com ação de indenização por da-
nos morais coletivos contras os
fornecedores. “Agi a tempo de
evitar danos ao erário público,
já que os recursos foram devol-
vidos aos cofres do Estado.”
Ao todo, foram cumpridos 23
mandados de busca e apreen-
são no Pará, Rio de Janeiro, Mi-
nas Gerais, São Paulo, Santa Ca-
tarina, Espírito Santo e Distrito
Federal. A ação tem apoio da

Controladoria-Geral da União
(CGU) e da Receita Federal e
apura crimes de fraude à licita-
ção, falsidade documental e
ideológica, corrupção ativa e
passiva, prevaricação e lavagem
de dinheiro. A ofensiva se dá no
momento em que o Pará se apro-
xima da marca de mil mortos
pelo coronavírus.
A Para Bellum se debruça so-
bre um contrato de R$ 50,4 mi-
lhões, por dispensa de licitação,
justificada pelo período de cala-
midade pública do coronavírus.
Segundo a PF, metade do valor
total da compra foi paga de for-
ma antecipada, mas os respira-
dores foram entregues com
grande atraso, eram diferentes
do modelo comprado e “inserví-
veis” para o tratamento do coro-
navírus. Os equipamentos fo-
ram devolvidos.
Segundo a PGR, quatro em-
presas são alvo. Entre elas está
a SKN do Brasil Importação e
Exportação de Eletroeletrôni-
cos LTDA, que no mês passado
foi obrigada a devolver ao go-
verno do Pará R$ 25,2 milhões
referentes a 152 respiradores
que chegaram da China para tra-
tamento de pacientes com co-

vid-19, mas não funcionaram.
Segundo a PGR, a empresa não
possui registro na Agência Na-
cional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) para fornecimento
dos 400 respiradores compra-
dos e que há indícios de superfa-
turamento de 86,6% na aquisi-
ção dos equipamentos.
“Indícios levantados pela Pro-
curadoria-Geral da República

apontam que o governador tem
relação próxima com o empre-
sário responsável pela concreti-
zação do negócio”, afirmou a
procuradoria, sem informar o
nome do empresário. Ainda se-
gundo a PGR, Barbalho “sabia
da divergência dos produtos
comprados e da carga de ventila-
dores pulmonares inadequa-
dos para o tratamento da covid-
19 que foi entregue ao Estado.
Além do contrato dos respirado-
res, a organização ligada a este
empresário foi favorecida com
uma outra contratação milioná-
ria, cujo pagamento também foi
feito de forma antecipada, no va-
lor de R$ 4,2 milhões”.
No Twitter, o governo do Es-
tado afirmou que Helder Barba-

lho não é amigo do referido em-
presário e que “obviamente não
sabia” que os equipamentos
não funcionariam. No texto, o
governo informa que “o recur-
so pago na entrada da compra
dos respiradores foi ressarcido
aos cofres públicos por ação do
Governo do Estado”. “Além dis-
so, o Governo entrou na Justiça
com pedido de indenização por
danos morais coletivos contra
os vendedores dos equipamen-
tos”, conclui a postagem.

Adversários. A Para Bellum é
a segunda operação da PF que
mira governadores e contrata-
ções em meio à pandemia do no-
vo coronavírus. A primeira teve
como principal alvo o governa-
dor do Rio, Wilson Witzel
(PSC), por supostos desvios re-
lacionados aos hospitais de
campanha no Estado. A ação no
Rio foi tratada por aliados do
presidente Jair Bolsonaro co-
mo um troco em seu adversário
político.
Um dos principais alvos da
operação desta manhã, Helder
Barbalho também faz oposição
ao presidente. Na mesma linha
está o presidente do Conselho
Nacional de Secretários de Saú-
de, Alberto Beltrame, que nesta
semana chamou de “autoritá-
ria, insensível, desumana e an-
tiética” a ideia do governo Bol-
sonaro de recontar os mortos
pelo novo coronavírus.

‘Para Bellum’. Policial federal durante ação em Belém

Helder Barbalho é alvo de ação


que apura desvio de R$ 50 mi


Operação mira contrato


de compra, sem licitação,


de respiradores para


tratamento de pacientes


vítimas da covid-


R$ 25 mi
do governador Helder Barbalho
e de outros sete investigados
foram bloqueados pelo Superior
Tribunal de Justiça.

Defesa. Wilson Witzel diz que vai manter funções de governador e provar sua inocência

lBloqueio

A Polícia Federal concluiu on-
tem o inquérito da Operação Es-
cobar e indiciou seis pessoas,
entre elas Andrea Neves, irmã
do deputado federal e ex-gover-


nador de Minas Aécio Neves
(PSDB-MG), por obstrução da
Justiça. A irmã do parlamentar,
braço direito do tucano duran-
te, pelo menos, seus dois gover-
nos em Minas Gerais, é aponta-
da como beneficiária de infor-
mações privilegiadas sobre in-
vestigações envolvendo Aécio
que teriam sido repassadas por
integrantes da própria PF.
O advogado Fábio Tofic, que
defende Andrea, afirmou que a

conclusão da investigação foi
precipitada e contraria provas
coletadas no inquérito.
Além de Andrea, foram indicia-
dos dois policiais federais e dois
advogados pela prática dos cri-
mes de violação de sigilo funcio-
nal, corrupção passiva e ativa, in-
tegrar organização criminosa e
embaraçar investigação de infra-
ção penal que envolva organiza-
ção criminosa. Um empresário
que teria se utilizado do esque-

ma para obter informações de in-
quéritos da PF também foi indi-
ciado por obstrução da Justiça.
A Escobar foi desencadeada
para apurar o vazamento de in-
formações sigilosas levantadas
pela PF. No relatório final a PF
afirma que em 11 de dezembro
de 2018, durante cumprimento
de busca e apreensão em outra
operação, a Ross, foram encon-
tradas na casa da irmã do depu-
tado cópias de peças de inquéri-

tos policiais que tramitam sob
segredo de Justiça na Delegacia
Especializada de Combate à
Corrupção. Entre os documen-
tos estava depoimento do em-
presário Joesley Batista.
A Operação Ross foi apurou
suspeitas de propina do grupo J &
F a Aécio entre 2007 e 2014. Se-
gundo a PF, as peças teriam sido
retiradas diretamente do sistema
operacional da Polícia Federal.
Além disso, entre os documen-

tos que foram encontrados na ca-
sa da irmã do deputado estavam
informações da Operação Capi-
tu – sobre suposto esquema de
corrupção no Ministério da Agri-
cultura no governo Dilma Rous-
seff –, em que foram presos Joes-
ley e o então vice-governador de
Minas, Antonio Andrade (MDB).
“As investigações demons-
tram que Andrea nunca solici-
tou qualquer documento a
quem quer que seja e nunca te-
ve contato com qualquer agen-
te público”, disse o advogado de
Andrea. / LEONARDO AUGUSTO,
ESPECIAL PARA O ESTADO, P.O. e F.M.

Caio Sartori / RIO


A Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro (Alerj) autori-
zou na tarde de ontem a aber-
tura de um processo de im-
peachment do governador
Wilson Witzel (PSC). O presi-
dente da Casa, deputado An-
dré Ceciliano (PT), tinha a
prerrogativa de decidir sozi-
nho, mas submeteu o pedido
ao plenário. A decisão foi unâ-
nime, com 69 votos – dos 70
parlamentares – favoráveis.
A ausência foi do deputado
Rosenverg Reis (MDB).
Mesmo aliados do governa-
dor votaram a favor da abertura
do processo, por crime de res-
ponsabilidade. Ao todo, foram
apresentados 14 pedidos de im-
peachment de Witzel à presi-
dência da Assembleia Legislati-
va. O pedido acolhido por Ceci-
liano foi o primeiro deles, de au-
toria dos deputados Luiz Paulo
e Lucinha, ambos do PSDB.
Agora, a autorização para a
abertura do processo será publi-
cada no Diário Oficial, dando
um prazo de 48 horas para os
partidos indicarem os represen-
tantes de uma comissão espe-
cial que vai analisar a denúncia.
Witzel terá direito, então, a se
defender em até dez sessões.
Estabelecida a comissão, ela
terá mais 48 horas para definir


presidente e relator e, depois,
cinco sessões para emitir o pare-
cer que será levado a plenário –
é necessária maioria absoluta
dos deputados (36 votos) para a
denúncia ser recebida e o gover-
nador, afastado. Caso ele seja
afastado, é formado um “tribu-
nal misto”, composto por cinco
integrantes da Assembleia e cin-
co desembargadores, sob o co-
mando do presidente do Tribu-
nal de Justiça, que terá direito
de voto no caso de empate. Os
parlamentares são escolhidos
por eleição na Casa; os desem-
bargadores, por sorteio.
“Temos mais de dez pedidos
de impeachment e nós precisa-
mos dar uma posição para a so-
ciedade, para o próprio parla-
mento. Eu poderia, monocrati-
camente, aceitar um desses pe-
didos”, afirmou Ceciliano.
O presidente da Casa tam-
bém ressaltou que a posição so-
bre a abertura do processo não
significa um “prejulgamento” e
que o governador será afastado.
Ontem, vários deputados defen-
deram o amplo direito de defe-
sa de Witzel. Em nota, o gover-
nador do Rio disse que é inocen-
te e que vai manter suas fun-
ções de governador (mais infor-
mações nesta página).
“O governador mostrou não
ter capacidade de diálogo com a
Assembleia, com a sociedade. O

governo está ingovernável”, dis-
se o deputado e ex-ministro Car-
los Minc (PSB). Já ex-aliados,
como parlamentares bolsona-
ristas, disseram-se decepciona-
dos com o mandatário que te-

riam ajudado a eleger.
“Minha decisão foi funda-
mentada em respeito à prerro-
gativa do parlamento, que tam-
bém sempre foi respeitado pelo
Witzel. Acredito que ele vai pro-
var sua inocência e, em respeito
aos meus eleitores, defendo as
investigações para que tudo se-
ja esclarecido e logo superado”,
declarou o deputado Bruno
Dauaire, líder do PSC.

Operação. Witzel se tornou al-
vo de pedidos de impeachment
após a Operação Placebo, da Po-
lícia Federal, que realizou bus-

cas no fim de maio em endere-
ços ligados ao governador. A
Placebo mira esquema de cor-
rupção envolvendo uma organi-
zação social contratada para a
instalação de hospitais de cam-
panha e servidores da cúpula da
gestão da Saúde do Rio.
Uma semana após a opera-
ção, o governador exonerou o
secretário da Casa Civil, André
Moura, responsável pela inter-
locução política com a Assem-
bleia. Dias depois, deixou o car-
go o secretário de Desenvolvi-
mento Econômico, Lucas Tris-
tão, um dos grandes responsá-

veis pela insatisfação dos depu-
tados estaduais com o governo
estadual e também investigado
pelo Ministério Público no âm-
bito do esquema na Saúde.
De acordo com o Ministério
Público, a previsão orçamentá-
ria do Estado era gastar R$ 835
milhões com hospitais de cam-
panha em até seis meses. “A sus-
peita é de que parte desse valor
teria como destino os próprios
envolvidos. O esquema para via-
bilizar os desvios envolveria su-
perfaturamento e sobrepreço,
além da subcontratação de em-
presas de fachada.”

MARX VASCONCELOS/FUTURA PRESS

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


PF indicia Andrea Neves por obstrução da Justiça


Governador alega


inocência e afirma


estar ‘tranquilo’


Alerj autoriza


abertura de


impeachment


de Witzel


lApuração

Doria abre Grande SP, mas fecha interior. Pág. A16 }


Relatório da Polícia


Federal diz que irmã do


deputado Aécio Neves


recebia informações


privilegiadas de inquéritos


lLogo após o fim da sessão da
Assembleia Legislativa do Rio na
qual foi autorizada a abertura de
impeachment, o governador Wil-
son Witzel disse estar “tranqui-
lo”. “Recebo com espírito demo-
crático e resiliência a notícia do
início da tramitação do processo
de impeachment”, afirmou Witzel
em nota divulgada ontem.
“Estou absolutamente tranqui-
lo sobre a minha inocência. Fui
eleito tendo como pilar o comba-
te à corrupção e não abandonei
em nenhum momento essa ban-
deira. E é isso que, humildemen-
te, irei demonstrar para as senho-
ras deputadas e senhores deputa-
dos”, disse o governador.
Witzel declarou ainda que vai
manter suas atividades. “Vou se-
guir nas minhas funções como
governador e me preparar para a
minha defesa. Tenho certeza de
que os parlamentares julgarão
os fatos como eles verdadeira-
mente são.”
Em relação às ações da Opera-
ção Placebo, o governador do Rio
disse que é vítima de persegui-
ção do presidente Jair Bolsona-
ro, seu ex-aliado e hoje adversá-
rio político, por meio da Polícia
Federal. “São narrativas fantasio-
sas e investigações precipita-
das”, declarou Witzel na ocasião
da operação. / C.S.

WILTON JUNIOR/ESTADÃO-8/5/

“Acredito que ele vai provar
sua inocência e, em respeito
aos meus eleitores, defendo
as investigações para que
tudo seja esclarecido.”
Bruno Dauaire
LÍDER DO PSC NA ASSEMBLEIA DO RIO

Pedido fala em crime de responsabilidade


por suspeitas na Saúde; votação é unânime

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